“Discurso do déficit previdenciário é falacioso”, diz especialista

“Dizer que há déficit previdenciário é algo que espanca a lógica”, diz a especialista em finanças públicas Denise Lobato Gentil, que abriu a audiência pública sobre a reforma da previdência social, realizada na manhã desta quarta-feira (14/9), com a palestra “O mito do déficit previdenciário”.

Denise compara o cenário de crise previdenciária transmitido hoje pelo governo ao que foi feito anos atrás com a saúde pública. “No início do governo Dilma, em 2010, o ajuste fiscal priorizou os leilões de privatização, começando pela área de transportes. Na saúde foi um processo silencioso, que começou com a renúncia fiscal. O governo permitiu elevar as deduções de impostos no Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas, isentou instituições de saúde filantrópicas e desonerou os que produziam medicamentos”, recorda.

A chave, para a especialista, é notar que o governo abriu mão de arrecadação no setor de saúde enquanto o Sistema Único de Saúde (SUS) era sucateado. “Minha hipótese é a de proposital precarização do sistema público, induzindo a população a buscar serviços privados de saúde. É o que chamo de privatização silenciosa. E é exatamente o que vemos hoje no setor da previdência, com o governo alardeando o mais que pode o déficit de R$ 85 bilhões”, alerta.

O governo está, segundo ela, estimulando deliberadamente o cidadão a procurar um plano de previdência complementar. “Nadando contra a corrente, digo que temos uma nação com gigantesca capacidade de arrecadação. No entanto, passa-se à população o discurso de um Estado falido. É um discurso falacioso”, afirma Denise.

Para ela, um Estado com o nível de receita que temos no Brasil não pode alegar que está com as finanças precárias. A renúncia fiscal do governo federal somou R$ 23 bilhões em 2014 e R$ 25 bilhões em 2015. Isso é um quarto do que se gasta anualmente com o SUS. Somando-se isenções e deduções, as desonerações tributárias globais chegaram a R$ 282 bilhões em 2015.  Na área de previdência, a renúncia em 2015 foi de R$ 157 bilhões, sendo R$ 62 bilhões somente com a contribuição sobre a folha para o INSS. “Comparem: são R$ 85 bilhões de déficit contra R$ 157 bilhões de renúncias no mesmo setor, o da previdência. Qual a lógica?”, questiona.

Assimetria

Denise também considera o tratamento dado aos cidadãos que dependem da Previdência desrespeitoso e assimétrico em relação ao que recebem, por exemplo, os investidores de título públicos. “Esses investidores contam com a mais elevada taxa de juros reais do mundo. O que é lhes cobrado? Nada. Já do aposentado cobram anos de contribuições e trabalho e um patamar de idade mínima cada vez maior. Para receber benefício por invalidez ou acidente, ainda mais: muitos documentos e exames”, compara, constatando que vivemos um processo de financeirização do orçamento público.

A especialista também reagiu ao tratamento que a Previdência recebe no cenário da gestão pública. “As fraudes não são combatidas e temos de aceitar o discurso da reforma? Não faz sentido. O Ministério da Previdência foi despejado, como se previdência fosse assistência social. Não é. É um benefício contributivo. Quando anunciaram o fim do "Minha casa, minha vida", as pessoas reagiram e o programa foi mantido. O desmantelamento do Ministério da Cultura também foi revertido após a reação negativa. Mas o que fizemos ao saber do fim do Ministério da Previdência? Nada. Ele ficou esquartejado, com documentos espalhados por vários lugares. É como se tivéssemos entregue o paciente para o agente funerário, que é o Ministério da Fazenda”, ressaltou.

Gasto público

Para Denise, não é verdade que o gasto com a previdência cresceu. Comparando-se números do começo do governo Lula com o começo do governo Dilma, diz ela, observa-se que o porcentual da previdência se manteve em 8,6% do Produto Interno Bruto. Nominalmente, a cifra subiu, mas é a comparação com o PIB, defende, que permite uma análise mais correta.

Em outros setores, cita, o volume não ficou estável. Na assistência social subiu de 0,7% do PIB para 1% PIB, em evidente reflexo da política de assistencialismo que se expandiu nos dois governos. Para Denise, é curioso observar que nos últimos anos o gasto com assistência social se equiparou ao investimento em educação superior. “Tem algo errado aí, obviamente. Não sou contra a assistência, mas acho que a transferência de renda não pode ser o centro da política social. Ela atende quem precisa, mas não transforma. É mera atenuação da pobreza. Precisamos é de programas estruturantes”, defende.

Cálculo

A especialista também chamou a atenção do público para o número real da previdência, que não pode levar em conta apenas a contribuição previdenciária. “A receita total da seguridade social deve ser calculada com base no que está mencionado no artigo 195 da Constituição Federal. Foram, nessa visão, R$ 617 bilhões de receita em 2015, contra R$ 602 bilhões de despesa”.

Os R$ 15 bilhões de superávit, apontou, não devem ser motivo de orgulho, pois significam que a seguridade está financiando outras áreas, quando o que se dá a entender é justamente o oposto. “O governo faz renúncias e não exige contrapartidas dos empresários com contratações, novos investimentos ou cumprimento da legislação. Esse é um Estado falido, sem capacidade de arrecadação? Está claro que não”, diz Denise, para quem não faz sentido deixar R$ 909 bilhões na conta única do Tesouro Nacional, exclusivamente como colchão de liquidez para acalmar o mercado financeiro. “O governo não pode deixar quase R$ 1 trilhão parado na conta única e dizer à sociedade que tem um problema de déficit previdenciário”, resumiu.

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Argumento 2

65 anos para todos

A especialista em finanças públicas Denise Gentil desmontou com dados a suposta igualdade de gênero com que se justifica o nivelamento da idade mínima para aposentadoria entre homens e mulheres em 65 anos. As mulheres, lembrou, enfrentam menores salários, maior informalidade e maior rotatividade no mercado de trabalho. As que têm 1 filho ou mais trabalham 18 horas por semana em afazeres domésticos sem remuneração. Quando trabalham fora, a jornada média semanal chega a 58 horas, um terço a mais do que trabalham os homens. “Qual a coerência em igualar? Advogados, fiquem a postos em defesa de suas mulheres e filhas”, pediu ela aos presentes. “OAB é uma instituição que pode fazer a diferença. Parabenizo essa caravana de esclarecimentos e espero contar com a força e a influência de vocês”, conclamou.

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