“Não desistir já é uma vitória”, diz atleta advogada convocada para duas seleções de handebol

A dupla conquista é de Alessandra Barancelli, que integra a Comissão de Direitos da Pessoa com Deficiência

Ser convocada para defender as cores do Brasil já é um feito que marca a carreira de qualquer atleta. Mas, para a advogada e esportista Alessandra Barancelli, a conquista veio em dose dupla. Ela é a única mulher no país a integrar, simultaneamente, duas seleções brasileiras de handebol: a Seleção de Surdodesporto, reconhecida pela Confederação Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS), e a Seleção Master, chancelada pela Confederação Brasileira de Handebol (CBHb), formada por atletas ouvintes. Um feito inédito que une técnica, persistência e uma história de vida inspiradora.

Nascida em Curitiba, Alessandra começou no esporte nas aulas de ginástica olímpica do Colégio Santa Maria. Logo passou para o basquete, até que, aos 10 anos, a professora Liliane a convidou para uma aula experimental de handebol. “Me apaixonei para sempre”, recorda. Desde então, coleciona títulos estaduais, nacionais e internacionais — com destaque para a primeira medalha olímpica do handebol feminino brasileiro em Jogos para Surdos, o bronze na Deaflympics de 2021. No handebol essa é única medalha já conquistada por uma equipe brasileira no movimento olímpico composto pelos Jogos Olímpicos, pelos Jogos Paralímpicos, pelas Deaflympics e pelos Jogos de Inverno.

Transformação

A trajetória, no entanto, não foi linear. Houve pausas e desafios. “A maior dificuldade é manter a disciplina. Não desistir já é uma vitória. O sucesso depende de consistência, de persistência. Não é sobre superar os outros, mas sobre superar-se, respeitando os limites e acreditando nas potencialidades”, afirma. Essa filosofia, ressalta, vale para todos os atletas, com ou sem deficiência: “O esporte transforma vidas, fortalece o corpo, a mente e o espírito. Foi grande fonte de aprendizado e me ajudou muito a ser quem sou hoje”.

Disciplina é palavra-chave na rotina de Alessandra. Os treinos da seleção de surdodesporto acontecem em São Paulo, base da maior parte do time. Outro desafio é encontrar adversários para amistosos que ofereçam o nível técnico de seleções de altíssimo rendimento, como as da Turquia e da Dinamarca. “Nesta temporada, as convocações vieram juntas. É um presente de Deus conciliar esporte, vida familiar e trabalho. É cansativo, mas com disciplina tenho conseguido”, diz.

Conquistas e desafios

Em 2024, a seleção Master, da qual ela faz parte, brilhou na III Copa América disputada em Porto Rico. Conquistaram o ouro na categoria 50+. As brasileiras também trouxeram na bagagem de volta o bronze na categoria 30+. Agora, de 23 a 28 de setembro, a equipe campeã disputará a IV Copa América no Paraguai. Antes Alessandra tem outro compromisso esportivo, este pela seleção de surdodesporto. Estará em Buenos Aires de 20 a 24 de agosto para o Campeonato Sudamericano.

A vida profissional também é intensa. Formada em Direito e atuando na advocacia trabalhista patronal desde 2011, Alessandra representa a OAB Paraná no Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COEDE), é auditora do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da CBDS e membro-relatora da Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência. Já atuou também nas comissões de Direito do Trabalho e de Direito Desportivo. “É muito bom colaborar com a advocacia por meio das comissões. Gosto especialmente de apoiar profissionais com deficiência para que exerçam sua profissão com autonomia e segurança, sempre buscando uma sociedade mais justa e igualitária”, afirma.

Incentivo começa em casa

No campo pessoal, o suporte da família é decisivo. “Meu marido, que joga futebol, é meu maior incentivador. Parei por um tempo e ele me motivou a voltar, especialmente porque sempre esteve envolvido nas atividades esportivas promovidas pela OAB Paraná e da CAA-PR. Em casa, buscamos acompanhar os jogos um do outro, mas nem sempre é possível. Ainda assim, todos torcem juntos”, conta. O esporte, inclusive, é uma tradição: o marido, Silvano Léo Fetter, compete no futebol, e os filhos participam de corridas e maratonas — um deles, Daniel Lucas Barancelli Fetter, também é advogado.

Com a disciplina de quem aprendeu a respeitar o próprio ritmo e a persistência de quem acredita no impossível, Alessandra Barancelli tem rompido barreiras e bem representado seu país dentro e fora das quadras. Sua história é a prova de que, no esporte e na vida, a vitória começa no momento em que se decide não desistir.