Maluco Beleza
Um dia num certo país se quis mudar um poder que era muito poderoso. Se dizia que ele era lento, que precisava ser público, que tinha que ser controlado, que seus integrantes ao sair não poderiam ir para um certo outro lado. Se falou, falou, falou. Depois se escreveu um monte e veio então aquilo que foi dito como sendo uma reforma.
Acontece que a reforma deixou tudo igual. O poder continuou lento e de forma até pior porque o raciocínio ficou vinculado, continuou sendo organizado de verdade por um montão de gente que ganha um montão de dinheiro sem que os que pagam saibam na verdade porque é que é assim, continuou sem ser de verdade controlado pois a maioria dos que vieram controlar faziam parte das famílias daqueles que já controlavam e todos ficaram muito amigos tanto que os que saiam do poder podiam voltar a atuar no outro lado bastando mudar de sala. Em suma: ninguém mudou nada e tudo ficou igual da forma igual como é o Homem quando resolve ser seu lobo.
Um dia veio um “zeppelin” e dele pulou um Maluco que disse que estava tudo errado. Que era preciso primeiro mudar de verdade as cabeças, que era necessária uma verdadeira metamorfose ambulante porque ela seria melhor do que manter aquela velha opinião formada sobre tudo (o que o maluco teria aprendido com seu mestre, um tal de Seixas). E o maluco disse então: – Assim não dá. É preciso mudar as cabeças!
– Como? – perguntou a turma do outro lado, um mundaréu de gente chamada Povo.
– Respondo – disse o Maluco. Trocando as cabeças. Vamos cortar todas as cabeças dos que mandam no poder e pôr nos seus corpos as cabeças dos que são mandados. E vice-versa. Somente quando essa metamorfose provocar um acordo é que haverá esperança. E quem decide é a maioria.
E fez isso mesmo, apoiado pela maioria que por óbvio era dos mandados. Entrou no “zeppelin” e trouxe a sua máquina de trocar cabeças. Pegou os integrantes do poder e um número igual do chamado povo. Vapt-vupt, cortou as cabeças e graças à sua superior tecnologia mesmo sem convênio médico adaptou nos corpos uns dos outros. E disse:
– Agora sim. Cada um com a cabeça no corpo do outro poderão todos sentir melhor os dramas de cada um. Você, que manda, vai sentir na tua cabeça a dor que vem do corpo daquele que sofre; você, que sofre, vai saber como é difícil manter ideais quando está mandando. Cada um não terá mais o “seu cada um”; cada um terá o “cada um do outro”.
Terminou dizendo:
– Vou subir no meu “zeppelin” e lá do alto ficar olhando. E que leve o tempo que precisar levar para que as coisas mudem!
Foi engraçado: em alguns dias só já estavam todos implorando para o Maluco Beleza descer. Os cabeça-de-mando-em-corpo-de-mandado e os cabeça-mandada-em-corpo-de-mandante tinham se acertado. Ninguém conseguia viver com sua cabeça no corpo do outro porque um sofria pela falta do poder e o outro sofria pela vergonha da falta do ideal. O Maluco Beleza passou a dar gargalhadas e finalmente disse:
– Viram? Cada cabeça, uma sentença!
E a partir daí o poder já não ficou mais tão poderoso. Começou a deixar de ser lento e efetivamente comandado pelo povo que o controlava de verdade. E seus integrantes não mais podiam deixar de ser de uma hora para outra efetivamente integrantes, mesmo que aposentados. Foi afastada a vergonha e criado o ideal.
E nós, aqui na terra, como ficamos? Nós, não sei. Eu, particularmente, passo os dias perscrutando o céu …
Manoel José Lacerda Carneiro
Conselheiro Seccional
