Reunidos no “I Fórum sobre a escuta, no âmbito jurídico, da criança e do adolescente vítima de violência: do abuso à justiça”, advogados, psicólogos, pedagogos e assistentes sociais debateram, na OAB, sobre a criação de um procedimento especial de apuração de crimes contra crianças e adolescentes, em que seja aceita a produção antecipada de prova, por meio de escuta do depoimento da vítima. O objetivo é poupar a criança de tantos interrogatórios ao longo do inquérito e do processo judicial, o que gera a sua revitimização e dificulta a superação do trauma.
O fórum foi organizado pela Comissão da Criança e do Adolescente da OAB Paraná e pelo Conselho Regional de Psicologia, integrantes de um grupo de trabalho interinstitucional que estuda medidas para aprimorar os mecanismos de atendimento jurídico de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. A presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB Paraná, Maria Christina dos Santos explica que a produção de provas para condenação dos responsáveis é uma das maiores dificuldades desse tipo de crime, já que de 80 a 90% dos abusos não deixam marcas. Pelo atual procedimento, a criança é ouvida diversas vezes ao longo do processo. Os depoimentos são colhidos em salas de audiência, diante de autoridades, num ambiente formal, inadequado e que deixa a criança intimidada. No processo brasileiro, a criança precisa prestar depoimento pelo menos seis vezes, enquanto em outros países isso acontece no máximo duas vezes.
O que se propõe, segundo a psicóloga Terezinha Kulka, representante da Comissão de Psicologia Jurídica do Conselho Regional, é que a criança seja ouvida apenas uma vez, por um profissional qualificado, em ambiente apropriado, e que o depoimento seja acompanhado pelas autoridades judiciais por meio de escuta. “Como o processo é moroso, muitas vezes a criança já está superando o trauma quando chega a intimação para a audiência”, conta Terezinha Kulka. Além disso, segundo ela, os estudos mostram que o primeiro relato da criança é o mais fidedigno. Na sequência, a criança vai ficando mais exposta a pressões, muitas vezes, da própria família.
Maria Christina dos Santos destaca que os profissionais reunidos estão firmes no propósito de ir além da discussão teórica, buscando ações concretas de enfrentamento desse problema. Uma alteração no procedimento de produção de prova nos crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes depende de uma alteração legislativa. O grupo de estudos também está trabalhando nessa linha, mas enquanto isso há outras medidas que podem ser adotadas para qualificar o atendimento desses casos.
O fórum teve início na terça-feira (3) à noite com palestra do desembargador do TJ-RS José Antonio Daltoé Cezar. Na manhã de quarta-feira (4), uma mesa-redonda reuniu a psicóloga do Núcleo da Criança e Adolescente (NUCRIA) da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, Rosana Terezinha Ribeiro; a psicóloga Maria Cristina Antunes e o conselheiro tutelar de Curitiba Roger Abade.
A desestruturação do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) Cristo Rei, em Curitiba, foi criticado pelo público presente e palestrantes. O local era referência no atendimento às crianças e famílias vítimas de violência e teve a equipe pulverizada para atendimento nas regionais da capital. O conselheiro tutelar e vice-coordenador do Conselho Tutelar de Curitiba disse que a cidade precisa ter equipe multidisciplinar para atender as vítimas, antes mesmo de irem ao NUCRIA. “Nós gostaríamos de ter esse serviço multidisciplinar, para dar acompanhamento efetivo às vítimas. O ideal seria ter esse serviço para fazermos o encaminhamento assim que o caso chegasse ao Conselho Tutelar. Essa equipe multidisciplinar tomaria o depoimento já de forma mais aprofundada e faria os encaminhamentos necessários”, afirmou Roger Abade.
Em sua fala, Rosana Ribeiro comentou sobre a estrutura e as ações do NUCRIA e os tipos mais frequentes de casos. A psicóloga Maria Cristina Antunes, entre outros pontos, lembrou a impunidade que cerca os casos de violência contra crianças e adolescentes e a necessidade de legitimar a escuta da criança diante da deficiência na materialidade de prova nos laudos do Instituto Médico Legal (IML).

