Advogada paranaense divulga carta de repúdio à sentença de morte contra mulher sudanesa

A advogada paranaense Maria Ticiana Campos de Araújo e mais quatro advogados brasileiros divulgaram uma carta aberta em que manifestam absoluto repúdio à sentença proferida pelo governo do Sudão condenando à morte a sudanesa Meriam Yehya Ibrahim, de 27 anos, grávida de sete meses. A sentença foi proferida no último dia 15 de maio e tem como base sua suposta renúncia ao Islã.  Meriam Ibrahim também foi concedenada à pena de 100 chibatas por suposto crime de adultério, após casar-se com um homem cristão.

Na carta, os advogados, que fizeram parte da delegação brasileira enviada pelo Conselho Federal da OAB ao Sudão, em novembro do ano passado, cobram do governo brasileiro um posicionamento formal de repúdio à condenação, a exemplo do que já fizeram outros países como o Reino Unido, Estados Unidos e Canadá. “Mais do que uma questão religiosa e cultural, é uma questão humanitária que precisa ser internacionalmente reprovada”, diz a carta.

O documento foi levado pelo presidente nacional da OAB Marcus Vinícius Furtado Coelho e pelo presidente da OAB Paraná, Juliano Breda, à Câmara Federal. O deputado federal Rubens Bueno (PPS-PR) leu a carta no plenário da Câmara e também exigiu uma manifestação do governo brasileiro.

Assinam o documento Maria Ticiana Campos de Araújo, da OAB do Paraná; Rafael Barreto Souza, da OAB do Ceará; Olivia Barbosa, da OAB de São Paulo; Lucas Mendes Teixeira, da OAB de Minas Gerais, e José Ricardo dos Santos Luz Júnior, da OAB de São Paulo.

Leia a carta na íntegra:

Carta Aberta da Delegação de Advogados Brasileiros do Intercâmbio Jurídico 2013 ao Sudão:

“Nós, advogados membros da Delegação enviada à República do Sudão, África, em novembro de 2013, para o programa de intercâmbio jurídico oportunizado pelo Conselho Federal da OAB, vimos, por meio desta, manifestar o nosso absoluto repúdio à sentença proferida em 15/05/2014 contra a cidadã sudanesa Meriam Yehya Ibrahim, 27 anos, grávida de sete meses, a qual foi condenada à pena de 100 chibatadas pelo suposto crime de adultério, após casar-se com um homem cristão, e à pena de morte por enforcamento, devido à suposta renúncia ao Islã. lbrahim é filha de pai mulçumano e mãe cristã, seu marido, com quem já tem um filho, estando grávida do seu segundo, é cristão. Estes são fatos noticiados internacional e nacionalmente.

Embora seja um país islâmico, ao visitarmos o Sudão, verificamos que sua Constituição de 2005 determina, no art. 1º, que o Sudão é um pais democrático, descentralizado, multicultural, multilinguístico, multirracial, multiétnico e multirreligioso, e que garante o gozo de direitos religiosos em seu art. 6°. Ademais, o país ratificou numerosos tratados internacionais de direitos humanos que vedam a discriminação religiosa e o racismo.

Em nossa visita, tivemos a oportunidade de estudar o sistema jurídico sudanês e conhecer diversas instituições, tribunais, cortes superiores, associações e empresas e, inclusive, a catedral cristã de Cartum. Pudemos ainda conhecer muitos sudaneses e sudanesas, advogados e juízes, que não compartilham de tal entendimento ou práticas discriminatórias. Temos segurança em afirmar que a sentença proferida pelo Poder Judiciário sudanês é ilegal e está em desacordo com a vontade do povo sudanês.

O Brasil, como um país laico, democrático onde a liberdade religiosa é garantida, não pode se omitir diante de tão grave caso.

Por isso, enquanto cidadãos brasileiros, advogados e, principalmente, seres humanos não podemos silenciar diante desta atroz violação de direitos humanos, em que se pune a religião cristã com enforcamento.

Já há denúncias das Nações Unidas, da Anistia Internacional e dos governos do Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, mas ainda nenhuma manifestação do Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Em que pese a relação diplomática amistosa com o Sudão, o Governo Brasileiro precisa se manifestar e repudiar pública e diplomaticamente a condenação de Meriam Yehya Ibrahim à morte.

Instamos também o Brasil a observar sua Constituição Federal de 1988 e conduzir suas relações internacionais com base na prevalência dos direitos humanos e no repúdio ao racismo. Assim, solicitamos um posicionamento formal de repúdio por parte do Governo Brasileiro, por meio das instituições competentes, a fim de se agregar força à pressão internacional para reverter esta condenação. Frise-se, mais do que uma questão religiosa e cultural é uma questão humanitária que precisa ser internacionalmente reprovada. Não há fronteiras para esta situação".

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *