Aposentadoria rural e regras de transição nortearam debates de audiência pública

A presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger, abriu os debates da segunda etapa da audiência pública Reforma da Previdência Social: Limites e Possibilidades nesta quarta-feira (14). Partindo de uma breve retrospectiva histórica da lei previdenciária no Brasil, a jurista abordou os possíveis reflexos da reforma previdenciária na aposentadoria rural. 

“Quando a Previdência começou, em 1923, a maioria dos trabalhadores estava no meio rural. E levou 40 anos para que tivesse a primeira tentativa de previdência no meio rural, em 1963. Uma coisa que pouca gente se dá conta hoje é que desde 1963 existem contribuições previstas para o sistema de seguridade social próprias para o meio rural”, explicou Jane.

Segundo a especialista, dois aspectos que estão em discussão em relação à aposentadoria irão impactar diretamente os trabalhadores rurais – a idade mínima e a mudança da sistemática da contribuição. “O constituinte previu uma idade menor para estes trabalhadores porque o trabalho rural é mais penoso que o urbano. Uma série de condições levam a uma realidade diferenciada. Agora, de repente, tudo se acaba, não tem mais penosidade da atividade rural”, disse. 

“A questão não é quanto tempo as pessoas irão viver. Toda a lógica da previdência social está relacionada ao trabalho. Não é uma esmola que o governo dá para a pessoa porque chegou a esta idade, é uma retribuição em relação ao trabalho. No meio rural, uma mulher com 55 anos chega ali com dificuldades. Ela não aguenta trabalhar mais dez anos. Existem exceções, mas não é a regra. Homens, da mesma forma. Mexer tão drasticamente na idade vai afetar e aumentar o número de benefícios por incapacidade”, sustentou Jane.

A mudança na sistemática da contribuição do trabalhador rural, hoje feita sobre a produção comercializada, foi questionada pela especialista. “Com a reforma, o trabalhador passará a contribuir com um valor mensal de 5% (como a dona de casa) ou de 11% (como o segurado de baixa renda).  O reflexo imediato disso é que o governo não passará a arrecadar mais, vai desestimular a permanência dos trabalhadores no campo e jogar estas pessoas para um eventual benefício assistencial, que o governo pretende adiar para 70 anos e fechar em meio salário mínimo. Temos um futuro muito inseguro para as pessoas que estão no meio rural”, alertou.

Igualdade de gênero

A advogada Ana Paula Fernandes, coordenadora do Instituto de Estudos Previdenciários (IEPREV), propôs uma reflexão sobre a diferença de idade no direito de aposentadoria de homens e mulheres. “Temos o princípio constitucional da igualdade. Vou atender as pessoas iguais de modo diferente das desiguais, na exata medida das desigualdades entre elas. Mas há uma legislação que diz que somos iguais, sendo assim, como digo que há uma desigualdade entre as partes? ”, questionou.

“Vou verificar a desigualdade quando, na prática, uma das partes daquele processo não consegue consolidar o direito dela. Aí a legislação é necessária. Quando a lei diz que um homem se aposenta com 65 anos e a mulher com 60, ela estaria contrariando a Constituição se fizéssemos uma leitura simples. A Constituição diz que homens e mulheres são iguais perante a lei. Essa desigualdade é fruto de uma necessidade verificada há décadas pelo nosso Estado. Quando eu não preciso mais — e tenho dados do IBGE, do Censo, Datafolha, entre outros institutos de pesquisa, de que esta desigualdade entre homens e mulheres diminuiu a ponto de que no mercado de trabalho não se justificar mais a mulher trabalhar menos do que o homem — isso não é um retrocesso. Não estou cortando um direito, ele está mantido. O que estou cortando é uma política de discriminação que foi adotada porque no passado era necessária”, sustentou.

“O mais importante, na minha opinião, é que quando mantenho esta discriminação e ela não é mais necessária, ela começa a ter um efeito negativo na sociedade. Porque a própria norma começa a discriminar o agente, não é mais a sociedade que discrimina a mulher, é a norma”, disse.

Expectativas de direitos

O jurista Marco Aurélio Serau Junior, diretor científico-adjunto do IBDP, abordou as diferentes lógicas jurídicas entre direito previdenciário, direito adquirido e expectativa de direito. “Não posso trazer para o direito previdenciário a mesma lógica do direito privado.  Tenho que adaptar esses conceitos de direito adquirido para uma dinâmica muito diferente”, frisou.

Serau Junior lembrou que Previdência Social é mutável e suscetível a influências do campo econômico. “As normas previdenciárias vão se adaptar a novas realidades, vão sofrer as influências da alteração social. A expectativa de direito, quando falo em reforma previdenciária, não posso tratar de maneira como a questão de direito privado. Ela tem que ser pensada de modo diferente. A mudança tem que levar em consideração os longos períodos de tempo que a pessoa tem que demonstrar uma série de circunstancias para fazer jus ao seu direito”, afirmou.

“Quando pensamos em reformas previdenciárias do tipo fixação da idade mínima ou aumento do tempo de contribuição, as regras de transição devem necessariamente pensar no tempo já trabalhado, já contribuído, mas também em situações muito próprias da nossa realidade social, como o mercado de trabalho altamente restritivo, a situação de desemprego, diferenças remuneratórias entre homens e mulheres”, disse.

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