Batochio recorda o passado para apontar os rumos da advocacia

José Roberto Batochio, ex-presidente nacional da OAB, fez a primeira das três palestras na noite de abertura do VII Encontro Brasileiro dos Advogados Criminalistas, tendo como tema o mote geral do evento: “Rumos da advocacia criminal brasileira”.  O encontro começou nesta quinta-feira (30/6), no Teatro da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), e segue nesta sexta-feira (1/7).

Para apontar o futuro, Batochio rememorou o passado recente e começou sua exposição com a lembrança do fim da ditadura no sentido institucional, em 1985, e com a tônica da Conferência Nacional da OAB realizada em Belém, em 1986, coincidindo com o período pré-Constituinte. “Naquela época ostentávamos muitas cicatrizes deixadas pelo autoritarismo do regime militar. E pensávamos como conseguir maiores garantias para o exercício da advocacia, sobretudo da advocacia criminal, que teve mais enfrentamentos nos anos de chumbo com a defesa dos processados por divergir do regime”, recordou.

“Deliberamos, nós advogados, levar à Constituinte um texto afirmando serem os advogados indispensáveis à administração da justiça e serem invioláveis no exercício de sua função. Levamos a proposta para a conferência da OAB, que a encampou. Pedimos a um deputado constituinte paulista que levasse a ideia à Assembleia Constituinte. Este parlamentar se chamava Michel Miguel Elias Temer Lulia, o nosso presidente em exercício. Não foi suave a batalha, mas o texto foi inserido no corpo permanente da Constituição. Só conseguimos porque aceitamos o acréscimo ´nos limites da lei´, como consta do artigo 133 da Carta”, lembrou Batochio.

Para o jurista, foi um engano de primeira hora imaginar que o problema da inviolabilidade da advocacia estava equacionado com o dispositivo constitucional. Isso porque os tribunais consideraram o artigo 133 um preceito de eficácia não contida, mas redutível. Portanto, para que fosse aplicado, foi necessária a lei especificando os limites em que essa inviolabilidade se daria. “O Judiciário, aliás, foi sempre muito pródigo em não reconhecer as prerrogativas da advocacia”, afirmou Batochio. Resolveu-se a questão em 4 de julho de 1994, com o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94). Mesmo assim, recordou o orador, sua aplicação não foi integral como seria desejável

Presente

Batochio afirmou que vemos hoje o florescimento de um autoritarismo atomizado. “Na ditatura o autoritarismo tinha até uma cor: era verde oliva. Hoje o autoritarismo se fragmentou e se hospeda em cada um dos nichos em que o poder do Estado é exercido.

"Vemos o crescimento da arbitrariedade a pretexto de se lutar contra as indesejáveis corrupção e criminalidade”, afirmou o orador, para quem os atentados de 11 de setembro de 2001 foram um divisor de águas no aspecto legal. Os acontecimentos dessa data, citou, geraram um diploma legal nos Estados Unidos chamado Patriot Act, em que a pretexto de se combater o perigo do terrorismo, o Estado teve licença até para a tortura. O Patriot Act foi substituído em 2015 pelo Freedom Act. Para Batochio, os dois diplomas legais que deram poder absoluto ao Estado e anularam as garantias constitucionais serviram de modelo para muitos países, inclusive o nosso.

Para ele a advocacia vai se deparar num futuro bem próximo com um fenômeno já identificável nos EUA: a Justiça ser usada como forma de arrecadação econômica. E citou o exemplo da Volkswagen, condenada pela justiça americana a pagar indenização de quase US$ 15 bilhões por falha na precisão de informações sobre o sistema de controle de poluição de veículos, da investigação de dirigentes de futebol pelos EUA e até da oferta de acordo a Alberto Youssef como exemplos disso. “Qual o interesse de fazer acordo com Youssef? Produzir provas para processos trilhardários que investidores movem contra a Petrobras”, explicou. Diante disso, Batochio acha relevante nos perguntarmos se o instituto da delação premiada, para além dos questionamentos éticos, convém aos interesses brasileiros.

Os advogados brasileiros, pregou Batochio, precisam de redobrados esforços para defender a ordem constitucional. “Quem está incumbido desse papel está indo contra o espírito e a letra da Constituição”, declarou em referência à decisão do STF de permitir a aplicação da pena antes do trânsito em julgado. “Temos de nos inspirar no exemplo de Evaristo de Morais, Evandro Lins e Silva, Mauro Viotto e, sobretudo, no exemplo do professor Gofredo da Silva Telles, que sempre recomendava que não nos esquecêssemos de quem somos nem da nossa vocação”, disse. Batochio encerrou sua palestra com a leitura do poema “Da Liberdade”, de Paul Éluard.

Bem jurídico

Juarez Tavares, o segundo palestrante da noite, falou sobre o vilipêndio do direito penal das garantias ressaltando que não existe bem jurídico abstrato e que sem ele a norma é inconstitucional.

Para ilustrar sua fala, mencionou a lei brasileira que veda a clonagem de seres humanos. “Fui estudá-la e vi que o bem jurídico a fundamentar a lei é a irrepetibilidade do ser humano. Podemos entender bens como a integridade corporal e o patrimônio e até os mais abstratos, como a honra, mas irrepetibilidade? Não é possível identificar aí um bem jurídico”, disse.

Tavares também defendeu que os concursos públicos não sejam aplicados pelas entidades que oferecem as vagas. “Isso engessa a estrutura e não traz abertura a novas ideias”, argumentou.

Presunção da inocência

Em uma apresentação marcada por anedotas e casos curiosos, Lenio Streck, último palestrante da noite de abertura do VII Encontro Brasileiro dos Advogados Criminalistas, discorreu sobre a presunção da inocência. “Todos os tribunais ainda invertem o ônus da prova. Esse é um fundamento que não pode depender de nada. Ele existe e ponto. Achamos bonito quando o juiz dá três pais e cinco mães a uma criança. Mas, e se amanhã esse juiz que descumpre o Código Civil flexibiliza os fundamentos ao julgar a concessão de um Habeas Corpus? O que diremos?”, questiona.

Lenio afirmou que na democracia não há espaço para o poder discricionário e ironizou os que associam a magistratura às decisões solitárias. “Um juiz decide sobre questões de interesse geral. Não quero saber o que vai em sua cabeça. Quero saber o que diz a lei”, disse ao mencionar que espera que o ADC 43, do qual é co-autor, restabeleça a presunção da inocência mutilada com a decisão tomada pelo STF ao validar a aplicação da pena antes do trânsito em julgado

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