Comissão da Diversidade Sexual emite nota contra pronunciamento de vereadora

A Comissão da Diversidade Sexual da OAB Paraná emitiu nota pública contra a discriminação por orientação sexual por parte da bancada evangélica da Câmara Municipal de Curitiba, que apresentou moção de repúdio ao apoio dado pela prefeitura a um casamento coletivo que aceitará casais homossexuais. Confira a íntegra:

Nota Pública
 Discriminação por orientação sexual ocorrida na Câmara Municipal de Curitiba em Moção de Repúdio e Sessão Solene no dia 1º de outubro de 2014

A Comissão da Diversidade Sexual da Seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil, no exercício de suas atribuições institucionais, em face da apresentação de Requerimento de Moção de Repúdio apresentado pela Vereadora Carla Pimentel à Câmara Municipal de Curitiba, por suposta “ação tendenciosa unilateral” da comunicação da Prefeitura Municipal de Curitiba, e posteriores manifestações discriminatórias proferidas na tribuna daquela Casa Legislativa em ato solene realizado no dia 01 de outubro de 2014, deliberou pela expedição da presente Nota Pública.

A Prefeitura Municipal de Curitiba, objetivando a divulgação de casamento coletivo a ser realizado na Arena da Baixada, em 7 de dezembro de 2014, resultado de uma iniciativa envolvendo também Poder Judiciário, Sistema Fecomércio (Sesc e Senac), Cartórios de Registro Civil de Curitiba e o Clube Atlético Paranaense, publicou em sua página oficial na rede social Facebook, uma imagem contendo referência ao fato de que os casais homoafetivos, residentes na Capital ou na Região Metropolitana, também poderiam se inscrever para participar do evento, oficializando sua união civil.

Entendendo ter havido “apologia ao casamento gay" por parte do Executivo ao incluir o casamento homoafetivo no evento comunitário que se realizará e na divulgação do mesmo, sob o argumento de que tal conceito de casamento “não é regulamentado na nação”, a Vereadora Carla Pimentel apresentou Moção de Repúdio à Câmara Municipal de Curitiba, levando o tema a debate na tribuna daquela Casa, culminando ainda na retirada do conteúdo publicado nas redes sociais, apesar da posterior republicação efetuada pela Prefeitura.

No conteúdo da moção apresentada, a Vereadora menciona que a Constituição Federal traz expressa delimitação do que se caracterizaria como casamento no Brasil, considerando “preocupante achar que o casamento não passa de um contrato, pois ele envolve não só obrigações patrimoniais […] mas também obrigações pessoais e sociais, de ordem moral, como os deveres de fidelidade recíproca, vida em comum, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, bem como respeito e consideração mútuos”.

Além disso, aduz que o Executivo de Curitiba, em parceria com o Judiciário, em seu texto teria chamado somente casais homoafetivos, desconsiderando a “tradição dos casais atendidos pelo programa”. Que tal decisão unilateral seria expressão de uma ditadura velada, cerceando a discussão do tema pelo parlamento, violando suposto direito de representação, de crença e de recebimento de uma benção religiosa.

Diante de tais argumentos, torna-se imperioso esclarecer que a extensão do convite à participação do evento aos casais homoafetivos pela Prefeitura de Curitiba não excluiu de forma alguma a participação dos demais casais interessados, bem como sua divulgação não representou nenhuma ofensa a qualquer segmento da sociedade, haja vista que tal medida, diversamente do que se apresentou na Câmara, objetiva a inclusão social e o reconhecimento de valores constitucionais como a igualdade e a dignidade da pessoa humana, preconizados pela Constituição Federal em seu artigo 5º.

Sob pena de prática discriminatória, não se pode afirmar que a união de casais homoafetivos não traz em seu cerne o compromisso com o cumprimento dos deveres de fidelidade recíproca, vida em comum, mútua assistência, e etc., sendo que tais famílias se constituirão perante a lei e com autorização desta, devendo-se ressaltar que não há competência alguma da Câmara Municipal para análise do tema.

Isto porque, quando enfrentado o tema pelo Supremo Tribunal Federal, instituição competente para tanto, nos acórdãos prolatados em julgamento da ADPF 132/RJ e da ADI 4277/DF, se reconheceu a inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo, consolidando e unificando essa interpretação de forma nacional e sem possibilidade de recursos, com eficácia vinculante à administração pública e aos demais órgãos do Poder Judiciário.

Ainda, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do RESP 1.183.378/RS, decidiu não existir óbices legais à celebração de casamento entre pessoas de mesmo sexo, exsurgindo a posterior Resolução nº 175, editada pelo Conselho Nacional de Justiça no exercício da competência que lhe atribui o art. 103-B, da Constituição Federal de 1988, pela qual fora vedado às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo, inclusive sob pena de imediata comunicação de eventual recusa ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.

Desta feita, reitera-se, pela presente, que a realização do evento, direcionado ao atendimento da população de baixa renda e com a participação de casais homoafetivos interessados em oficializar sua união civil, é iniciativa constitucional e fomentadora da igualdade e da liberdade, não ofendendo nenhum preceito da Carta Magna vigente. Conclui-se por derradeiro que a eventual discriminação destes casais é que representaria violação direta a preceitos constitucionais, afrontando os princípios do Estado Democrático de Direitos.

Curitiba, 6 de outubro de 2014.

ANA CARLA HARMATIUK MATOS
Presidente da Comissão da Diversidade Sexual
Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Paraná

  

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