Conselheira da OAB comenta decisão do STJ sobre exploração sexual de menor

A editoria Opinião da Gazeta do Povo, publicou na sua edição desta quinta-feira (2), um artigo da advogada Marta Marília Tonin, conselheira titular da OAB Paraná e vice-presidente da Comissão Especial Criança, Adolescente e Idoso do Conselho Federal da OAB. No texto, a conselheira comenta a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que absolveu reús da acusação de exploração sexual infantil, por terem pago para ter relações sexuais com menores de idade.

Confira abaixo a íntegra do texto:

A justiça injusta

O Brasil consta da lista dos países que mais violam os direitos humanos. Isso não é novidade, eis que diariamente acordamos com notícias estarrecedoras que vão desde corrupção até os mais bárbaros homicídios (todos refletindo um comportamento que se instala no ser humano a partir do momento em que a violência não foi atacada, justamente por parecer, aos olhos de quem deveria cuidar, tratar-se de mera banalidade). O que isso tem a ver com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, por unanimidade, entendeu não ser crime aproveitar-se sexualmente de crianças que já foram iniciadas na prostituição?
Causa espécie que, mesmo tendo a Constituição Federal de 1988 sido edificada sobre os pilares da dignidade da pessoa humana e da cidadania, ainda tenha-se de ouvir tamanho absurdo por parte de cinco ministros do STJ! A ementa do julgado diz que não houve exploração sexual (apesar de no corpo do acórdão ficar claro que “houve o pagamento de R$ 80 para duas adolescentes e R$ 60 para uma outra” e que “não há falar em exploração sexual diante da ausência da figura do explorador, também conhecido como “cafetão”, …)”, não ocorrendo o delito previsto no art. 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual) uma vez que esse tipo de crime “não abrange a figura do cliente ocasional”. Para maior espanto, dizem os ministros que esse crime só se configura quando há “a submissão do infante à prostituição ou à exploração sexual”, o que não teria acontecido no caso.
Indignada, pergunto: a fim de haver decisão em sentido contrário, para considerar-se crime a exploração sexual de crianças e adolescentes neste país, será necessário que esses seres em desenvolvimento se entreguem à prostituição? É isso que querem nossos “julgadores”? Se não querem, pelo menos estão dizendo isso. E o pior: a justiça passa a ser massa de manobra para o cometimento de novos crimes. Sim, porque, aos olhos do povo, no entendimento do homem comum, é assim que se interpreta!
Agora, depois de mais essa decisão, vá se explicar que a exploração sexual de crianças tidas como prostitutas é crime! Francamente, depois dessa unanimidade inconstitucional que, aliás, teve seu precedente nefasto no julgamento daquele mesmo tribunal, também negando provimento ao recurso especial em símile matéria. Ou seja, essa decisão espelhou-se numa anterior, e aí é que reside o perigo: ao invés de o STJ aprimorar e fazer valer os princípios constitucionais da prioridade absoluta no asseguramento dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, o que vemos? Ouso responder: decisões configurando-se em massa de manobra, abrindo um caminho tortuoso e de péssima repercussão nas mentes e nos corações daqueles que defendem que um país só se faz com respeito aos seres em especial condição de desenvolvimento e que sem eles não se terá um Brasil melhor, uma vez que decisões judiciais insistem em pisar naquilo que de mais honroso deve merecer o cuidado do ser humano: sua dignidade!
Como salvar o país de decisões como essa? Penso que melhorando o nível de ensino em nossas academias de Direito, não apenas no aprofundamento de matérias técnicas, mas e, principalmente, numa nova cultura de valorização dos direitos humanos, a começar por tornar obrigatória a disciplina do Direito da Criança e do Adolescente! Do contrário, que futuros juízes nós queremos formar? Basta de decisões que não levem em conta o artigo 227 da Constituição Federal e a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Portanto, a meu ver, a decisão em comento é inconstitucional e deve ser revista pelo Supremo Tribunal Federal. Por fim, lembre-se a origem dos ministros que fizeram parte dessa decisão: relator Arnaldo Esteves Lima (MG), Napoleão Nunes Maia Filho (CE), Jorge Mussi (SC), Felix Fischer (PR) e Laurita Vaz (GO).

Marta Marília Tonin é conselheira titular da OAB/PR; coordenadora do curso de Direito das Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba (FARESC) e vice-presidente da Comissão Especial Criança, Adolescente e Idoso do Conselho Federal da OAB.

Fonte: Gazeta do Povo

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