Em artigo publicado no Jornal do Brasil (edição de 7 de abril de 2009), o advogado e diretor da OAB Nacional, Ophir Cavalcante Junior, faz uma análise da insegurança jurídica gerada pelo Projeto de Emenda Constitucional nº 12, que institui regime especial de pagamento de precatórios pela União, estados e municípios. Confira:
“A PEC 12, o Legislativo e a segurança jurídica”
Ophir Cavalcante Junior
Um dos maiores obstáculos para atrair investimentos para o Brasil sempre foi a questão da segurança jurídica dos contratos. O Judiciário Brasileiro foi, inúmeras vezes, criticado por causar, com as suas decisões, insegurança para que o capital estrangeiro aportasse no Brasil, sobretudo quando se opunha a esses contratos invocando a proteção da dignidade do ser humano e os interesses sociais. Essa crítica, de certo modo, ecoava e era absorvida pelo Judiciário sem nenhuma reação.
Entretanto, as maiores contribuições à insegurança jurídica sempre foram dadas pelos Poderes Legislativo e Executivo. Na verdade não se trata propriamente de insegurança jurídica, mas de insegurança legislativa e excesso de burocracia estatal com os efeitos sendo debatidos e decididos pelo Poder Judiciário, como defende a Profa. Maria Tereza Sadek (pesquisadora sênior do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais) e ela demonstra em números essa afirmação. Dados do Instituto de Pesquisas Tecnológicas e Econômica indicam que uma empresa média precisa seguir 3.203 normas tributárias, que envolvem mais de 55.757 artigos, 33.374 parágrafos, 23.497 incisos e 9.956 alíneas. Outra pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) demonstra que uma empresa no Brasil está sujeita a 3.628.013 normas, das quais 235.900 são tributárias e que há 3.792 leis ordinárias (949 na área tributária); 651.228 leis complementares ou ordinária s (27.611 tributárias) e 2.160.395 normas complementares (159.430 tributárias).
Em razão da burocracia imposta pelo Estado, para cumprir as suas obrigações tributárias nos âmbitos federal, estadual e municipal, uma empresa hoje consome 2.600 horas, ou seja, mais de três meses : 108 dias e oito horas, o que representa mais do que o dobro do que se gasta na Bolívia (1080 horas) ou no Vietnã (1050 horas), sem comparar com, por exemplo, com a Suíça em que a empresa gasta 63 horas por ano com as suas obrigações tributárias.
Para contribuir um pouco mais para essa insegurança, o Senado Federal aprovou num piscar de olhos a PEC 12, pela qual os estados e municípios terão um novo regime para pagar os seus débitos cobrados pelos conhecidos Precatórios, ou seja, uma ordem judicial extraída após anos e anos de muito debate judicial com inúmeros recursos do Poder Público tentando se livrar das condenações que lhe foram impostas pelo Judiciário.
Até agora podem fazê-lo em oito anos, sejam débitos alimentares (salários, pensões, aposentadorias e assemelhados), sejam débitos oriundos de desapropriações, sejam decorrentes do não pagamento de obras e serviços, dentre outros. Os débitos alimentares tinham preferência no pagamento dentro de uma ordem cronológica, sendo atualizados e com juros de 12% ao ano. Caso não fossem pagos no exercício seguinte ao recebimento pelo Poder Público, o Judiciário determinava o seqüestro dos valores para pagamento.
Pela proposta aprovada, o tempo será ampliado, em média, para quinze anos, pois os precatórios superiores a 30 ou 40 salários mínimos, dependendo da origem do crédito, poderão ser pagos nesse período ou ficarão restritos a um percentual das respectivas receitas líquidas anuais (2% no caso dos estados e 1,5% no caso dos municípios). Desse todo, 40% servirão para o pagamento integral dos Precatórios em ordem crescente de valor e 60% irão para os credores que concordem em receber só uma fração do que têm direito (leilão eletrônico). Esses débitos serão corrigidos apenas pela TR mais 0,5% ao mês, sendo que esse regime especial retira a possibilidade do Judiciário fazer valer as suas decisões sobre os estados e municípios por meio do seqüestro de valores.
Qual a razão para essa mudança nas regras do jogo ? O rombo de algo em torno de R$ 100 bilhões nas contas de estados e municípios por má gestão e desvios de recursos públicos. Governadores e prefeitos contrataram e não pagaram, os sucessores não querem pagar e quem vai pagar são os aposentados pensionistas, os servidores públicos; o cidadão que foi vítima de alguma agressão por parte do Estado ou de seus agentes; aquele que perdeu o imóvel porque dele se apossou o Poder Público. Enfim, milhares de brasileiros que tiveram a ousadia de lutar por seus direitos e ter do outro lado o Poder Público.
Como se vê, trata-se de uma emenda à Constituição casuística e que enfraquece o Judiciário por não tornar efetiva a decisão judicial, que pode, inclusive, ser objeto de leilão eletrônico relativizando o poder da coisa julgada simplesmente porque governadores e prefeitos estão em apuros administrativos, ou seja, prega-se a prevalência de interesses políticos – ou politiqueiros – sobre a segurança jurídica. Conseqüência disso: incerteza, insegurança e, sobretudo, o temor de negociar com o Poder Público, causando um efeito legal e moralmente nefasto à sociedade, qual seja, o do superfaturamento de preços como forma de se defender do eventual não pagamento no prazo.
Talvez os senhores senadores, certamente muito ocupados e preocupados em explicar as denúncias de desmandos no Senado, não tenham atentado para o fato de que a aprovação da PEC 12 terá repercussões internas e externas extremamente prejudiciais à imagem do Estado Brasileiro, que passará a ser reconhecido como o Estado do Calote, como tem apregoado o Presidente da OAB, Cezar Britto.
