O projeto de iniciativa popular “Eleições Limpas”, elaborado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, foi analisado por três especialistas em Direito Eleitoral, durante debate realizado na OAB Paraná, na noite de segunda-feira (16). A proposta está centrada no financiamento público de campanhas eleitorais, na eleição proporcional em dois turnos com voto em lista e na ampliação da liberdade de expressão dos cidadãos em relação ao debate eleitoral.
Além do próprio autor do projeto, o juiz de direto Márlon Reis, o encontro contou com a participação do professor titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná, Clèmerson Merlin Clève, da professora do Departamento de Direito Público da UFPR, Eneida Desirée Salgado, e do professor Olivar Coneglian, membro-fundador do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade).
Márlon Reis afirmou que 98% do financiamento de campanhas eleitorais é oriundo de empresas privadas. “Há hoje uma ação clara de pequenos grupos empresarias, muito fortes economicamente, de doar por interesse, buscando e recebendo benefícios governamentais em detrimento dos demais grupos empresarias, que embora sejam a maioria, não participam deste modelo de doação”, explicou Reis.
“A alternativa que nós damos é um modelo misto em que há uma base de financiamento público similar ao que acontece com o fundo partidário e a liberação para obtenção de apoio financeiro de cidadãos. Porque são os eleitores que têm cidadania. As empresas não têm cidadania. Elas não têm o direito de participar politicamente, até porque isso se revelou antirrepublicano”, defendeu o juiz.
Com relação ao sistema eleitoral proposto, Reis afirma que não há dúvidas de que a eleição proporcional em dois turnos com voto em lista vai distribuir as forças como elas realmente de fato são. “Hoje o que se vê é o benefício do grupo político dominante porque ele consegue com facilidade captar os deputados que são eleitos individualmente. Os parlamentares não se sentem devedores dos partidos políticos, porque a eleição é individual. Se eles fossem devedores do partido, ao serem eleitos, eles se manteriam como foram. Se ele é governista, continuará governista, se é de oposição, continuará de oposição”, sustentou Reis.
Prós e contras – Apesar de apontar falhas em alguns artigos, Clèmerson Merlin Clève e Olivar Coneglian elogiaram o projeto. “Acho a proposta realmente extraordinária, porque ela permite que o eleitorado brasileiro possa debater o assunto. Ela parte do princípio de que podemos aperfeiçoar as instituições de maneira incremental, não precisamos, portanto, de grandes revoluções, assembleias constituintes”, disse.
Na opinião de Clèmerson Clève, tanto o voto em lista quanto o financiamento exclusivamente público contribuem para a manutenção de grupos políticos no poder. “Para evitar que isso aconteça, a proposta prevê que ao lado do financiamento público exista um financiamento privado pelos eleitores, não pelas empresas”, afirmou.
“Em relação à lista fechada, temos na proposta dois fatores que tentam resolver esse problema: o primeiro é a democratização interna dos partidos. Inclusive com a escolha dos nomes que comporão a lista, a partir de primária partidárias. E o segundo fator é o segundo turno, onde o eleitor pode escolher aqueles que serão os eleitos, porque o partido vai indicar um número de candidatos duas vezes superior ao número de cadeiras”, esclareceu.
“Trata-se de um mecanismo que aperfeiçoa em muito o sistema de lista fechada, por conta destas duas circunstâncias. Então eu diria que com isso você poderia diminuir o clientelismo e o mandonismo nos partidos e ao mesmo tempo o favorecimento dos partidos que estão no poder”, sustentou.
Olivar Coneglian também considerou o projeto positivo, mas defendeu o seu aperfeiçoamento. “Esse projeto tem uma filosofia: de que as eleições sejam limpas e sejam baratas. Quanto à filosofia, essa tem o consenso de todos. Quanto ao projeto em si, será que ele cumpre esses objetivos? É por isso que temos que debater”, disse o representante do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral.
“O receio que tenho das iniciativas populares é que o nosso Congresso está tão por baixo, que, quando chega uma iniciativa popular, ele, com medo, vota apressadamente. E com isso, às vezes, não corrige, não modula aquilo que foi proposto”, afirmou.
Críticas – Ao contrário das manifestações anteriores, Eneida Desirée Salgado fez várias críticas ao projeto. “Sou refratária a quase todas as propostas de reforma, pois todas elas querem diminuir o número de atores relevantes no cenário nacional. Muitas delas têm uma desconfiança em relação aos partidos políticos, a grande maioria tem uma presunção de má fé em relação aos candidatos (há quase uma demonização, o que vai acabar desmanchando a reputação, que já não é boa, da classe política), e muitas delas desconfiam do eleitor. Há um paternalismo moralista. Querem proteger o eleitor de más escolhas. Essa proposta, apresentada pelo Movimento, não escapa disso”, afirmou.
Desirée Salgado criticou a votação em dois turnos prevista no projeto. “Alguns artigos implicam na necessária votação em um partido, num primeiro momento – o que não se explica, porque o eleitor deveria poder escolher um candidato ou um partido político. Seria como forçar o eleitor a decidir pelo partido para depois sustentar, como eles afirmam no projeto, que o mandato é do partido”, disse. Outro aspecto levantado pela professora da UFPR diz respeito ao financiamento público. Segundo ela, a forma de divisão dos recursos do fundo partidário, da forma como foi proposta, continua sendo um prêmio aos grandes partidos.
Contribuição – A presidente da Comissão de Responsabilidade Política e Social da OAB Paraná, Zuleika Giotto, organizadora do debate, disse que o propósito do evento foi alcançado. “É essencial que vários grupos da sociedade se manifestem neste momento. Esta é a proposta de reforma politica de um grupo da sociedade civil. É importante que outros grupos também tragam suas ideias e colaborem para a reforma política”, afirmou.
Segundo Zuleika Giotto, esse assunto deve permanecer em discussão. “O momento da reforma política no Brasil chegou. Precisamos fazer a melhor reforma que conseguirmos. Vamos contribuir para o debate, para a legislação e para a mobilização da sociedade”.
A mesa de abertura do evento foi presidida pela secretária-geral adjunta da OAB Paraná, Iverly Antiqueira Dias Ferreira, que destacou o papel da OAB Paraná na promoção do debate. “É um momento apropriado para se falar desse tema. Mais uma vez a OAB demonstra a sua importância na ordem política, abrindo a possibilidade para conhecermos essa proposta de reforma”, afirmou.
Os debates foram mediados pelo conselheiro federal César Augusto Moreno. Também estiveram presentes o conselheiro federal José Lucio Glomb, o presidente da Caixa de Assistência dos Advogados, José Augusto Araújo de Noronha, e os presidentes das comissões de Direito Eleitoral, Julio Jacob Júnior, e de Estudos Constitucionais, Alexandre Quadros. Na plateia, advogados, representantes de outras entidades da sociedade civil e também o ex-ministro Euclides Scalco acompanharam o debate.

