A edição desta sexta-feira (30), do jornal Gazeta do Povo, traz uma reportagem sobre a formação dos magistrados, com entrevista do diretor da Escola da Magistratura do Paraná, Fernando Prazeres, e com o presidente da OAB Paraná, José Lucio Glomb. O tema da reportagem é a formação dos magistrados. O presidente da Seccional dastacou a importância da formação humana para atuação do magistrado. Confira o texto na íntegra:
Impacto socioeconômico das decisões deve ser levado em conta
As decisões judiciais trazem consequências sociais e econômicas para a vida das pessoas. Ao fazerem seus julgamentos, os juízes precisam estar conscientes disso para que suas decisões não acabem por agravar problemas sociais. Com base nessa visão, segundo o diretor da Escola da Magistratura do Paraná (Emap), Fernando Prazeres, a instituição vem buscando incluir nos cursos de aperfeiçoamento dos magistrados temas referentes às consequências socioeconômicas das decisões.
A Emap foi, há duas semanas, considerada a melhor instituição de formação de magistrados do país, pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), recebendo o Prêmio Selo Enfam, obtendo a maior pontuação entre as 15 escolas inscritas. Em entrevista à Gazeta do Povo, Fernando Praze¬¬res fala sobre os principais desafios da instituição hoje na formação de magistrados e daqueles que pretendem seguir carreiras na magistratura. Consciente das dificuldades da Justiça em dar agilidade ao trâmite dos processos, Fer¬nando Prazeres conta que uma das contribuições da escola nessa área foi a criação do Núcleo de Auxílio ao Magistrado, no qual os estudantes do curso de especialização da Emap podem ser voluntários para ajudar juízes em pesquisas jurídicas.
Qual o papel da Emap na formação dos magistrados?
A Escola da Magistratura tem duas funções. A primeira é preparar aqueles bacharéis em Direito que estão interessados em seguir carreira na magistratura. Então, funciona como curso preparatório para ingresso na magistratura. O curso dura um ano e é reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação. Quem conclui sai com o título de especialista em Direito Aplicado. A segunda função é a de fornecer cursos de aperfeiçoamento exclusivamente aos magistrados. Tanto para os novos juízes como para os que já estão há mais tempo na carreira. Os juízes que passaram recentemente em concurso público precisam fazer, nos dois primeiros anos, 60 horas de cursos anuais. É um dos requisitos para que se tornem vitalícios no cargo.
Que aspectos o senhor acha que os cursos de aperfeiçoamento dos magistrados precisam trabalhar com mais intensidade?
No geral, o que mais tem preocupado são as consequências socioeconômicas das decisões judiciais, algo que vem sendo muito trabalhado também pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). O juiz precisa estar consciente que sua decisão vai surtir determinada consequência na relação jurídica, social e econônica. O magistrado tem de estar consciente disso, precisa ter uma visão socioeconômica das situações que vai enfrentar. Um exemplo disso é o que trata do afastamento do marido do lar conjugal. É preciso que pondere em que circunstâncias a medida é necessária, pois afastando o marido, haverá consequências sociais ou cíveis. Uma delas é que a renda familiar pode acabar diminuindo.
Outro aspecto que temos tratado é a atualização do magistrado frente a mudanças na legislação. Estamos passando por um fervilhamento de mudanças legislativas. Há um novo Código de Processo Penal sendo discutido no Congresso. Recentemente foi aprovada uma mudança na legislação a respeito de locações. Os magistrados precisam levar essas mudanças em consideração em suas decisões.
O senhor é gestor da Meta 8 do Conselho Nacional de Justiça no Paraná – que diz respeito à capacitação de metade dos magistrados de cada estado em cursos de administração judiciária com carga de 40 horas. Como estão os trabalhos para o cumprimento da meta?
Estamos tendo de superar uma dificuldade para o cumprimento da Meta 8. Temos equipamento de videoconferência só em comarcas de entrância final (instaladas em sete cidades do Paraná). Por esse motivo, não conseguimos atingir a todos os magistrados do estado. Encaminhei ofício ao presidente do Tribunal de Justiça (Celso Rótoli de Macedo), para que ceda espaço no site do tribunal. Em parceria com a Celepar queremos ampliar o projeto. Vou ter de resolver isso rápido, nas próximas semanas.
A Emap ganhou um prêmio da Enfam. Quais os critérios para a escolha?
A Enfam analisa três categorias básicas: qualidade dos professores, metodologia aplicada e observações das normas da Enfam. Nossa metodologia é de estudos de casos. Em cima deles fazemos estudos de acordo com o tema escolhido. Após palestras e discussões, reunimos os magistrados num plenário e fazemos avaliações.
O último tema que trabalhamos foi a fim de antecipar o cumprimento de uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que determinou a capacitação de juízes a respeito do tema “escutas telefônicas”. A decisão da corte ocorreu após problemas ocorridos com escutas em Loanda (caso que foi parar na corte, envolvendo grampos telefônicos autorizados pela Justiça contra integrantes do MST, sem no entanto, notificar o Ministério Público). Nós trabalhamos esse caso específico com os magistrados.
Como a escola pode contribuir para a agilidade no trâmite dos processos?
Há algo bem concreto. A Emap celebrou um convênio, no TJ, criando um núcleo de apoio ao magistrado em Curitiba. A situação na capital, no que diz respeito à infraestrutura, é complicada. Desde 1984 não se altera a estrutura do Judiciário de primeira instância de Curitiba, nos últimos 26 anos quase nada mudou. Em 1985, eram 21 varas cíveis e 11 penais. Hoje são 22 varas cíveis e 14 penais. Aumentou a população de Curi¬tiba, tivemos nova Consti¬tuição, mais pessoas começaram a reivindicar seus direitos. Mas com a mesma estrutura há mais de 20 anos não temos como suportar a demanda. Exigir o cumprimento da Meta 2 (que determinou ano passado que todos os processos até 2005 fossem concluídos) nesse contexto é difícil.
Para tentar aumentar a agilidade da Justiça acabamos de criar o Núcleo de Auxílio ao magistrado, no qual os alunos do curso de especialização da Emap podem auxiliar os juízes, na elaboração de pesquisas doutrinárias e jurisprudencial, sempre sob supervisão. Não se trata de uma forma de colocar os estudantes para decidir, é preciso deixar isso claro. O magistrado interessado em participar, conversa com os alunos, explica como vai decidir, quais são os parâmetros, o entendimento dele e pede a pesquisa, ou, mesmo, a elaboração de uma proposta de voto. Contudo, de maneira alguma o processo decisório pode ser terceirizado. A ideia é que seja oportunizado aos alunos a análise de casos práticos, ao mesmo tempo em que contribui com o trabalho do juiz.
Ciências Humanas ajudam técnica
Para compreender melhor as pessoas e as situações que irão ter de julgar, os magistrados precisam desenvolver uma formação humanística. Essa é a avaliação do presidente da Seccional Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), José Lúcio Glomb.
“É preciso que não só se atua¬lizem tecnicamente, mas que ampliem seus conhecimentos sobre o comportamento humano”, afirmou Glomb. Segundo o presidente da OAB-PR, há a necessidade que possuam em áreas das ciências humanas, como a de Psicologia, entre outras, a fim que compreendam os problemas de um ponto de vista humano, não somente técnico.
Outro aspecto ressaltado por Glomb refere-se ao prazo mínimo de três anos para que um bacharel em Direito possa fazer concurso para juiz. Ele considera que o período é insuficiente para que se possa exercer a função jurisdicional com maturidade.
Para Glomb, quanto mais experiência tiver o magistrado, melhor. “Sem experiência há o risco de não compreender determinadas situações da vida. Exemplos típicos ocorrem na área de família, em que há situa¬ções de relacionamento familiar complicada”, explica. “Embora o magistrado jovem tenha grande talento técnico, talvez não tenha a necessária maturidade para lidar com algumas situações.”
Fonte: Gazeta do Povo

