Em reportagem do jornal Gazeta do Povo, sobre as gratificações que dobraram os salários de desembargadores em 2011, publicada nesta segunda-feira (12), o presidente da OAB Paraná, José Lucio Glomb, defende que o pagamento deveria ser unificado em todo o Brasil. Confria o texto na íntegra:
Gratificações dobraram salários de desembargadores em 2011
Pela Constituição Federal, o salário dos desembargadores no Brasil é limitado atualmente em R$ 24,1 mil mensais. Mas, em 2011, os magistrados de 19 tribunais estaduais receberam em média R$ 34,6 mil por mês, conforme levantamento feito pela Gazeta do Povo. O acréscimo ocorre principalmente pelas chamadas vantagens eventuais, que reúnem benefícios garantidos por leis locais ou normas internas dos órgãos. O salário de 1.062 desembargadores totalizou R$ 287,8 milhões no ano passado. Mas, com os “penduricalhos”, o valor bruto recebido atingiu R$ 442 milhões, um crescimento de 54%.
Os valores podem ser ainda maiores, já que oito tribunais não prestam informações sobre a remuneração aos servidores, contrariando a Resolução n.º 102/ 2009 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No total, o Brasil tem 1.484 desembargadores.
O pagamento de valores indevidos aos juízes brasileiros é justamente uma das frentes de batalha do CNJ. A corregedora nacional da Justiça, Eliana Calmon, em audiência pública no Senado no começo deste mês, definiu como “monstruosas” as gratificações que alguns magistrados recebem. “O que estamos encontrando: os desembargadores ganham o teto, mas em três meses do ano vem um penduricalho, uma gratificação monstruosa. Se dividir tudo pelos 12 meses, eles ganham R$ 50 mil, R$ 40 mil, R$ 70 mil”, declarou Eliana na comissão.
Os tribunais sustentam que as vantagens são legais e previstas em lei. O próprio CNJ elenca benefícios que podem ser pagos além do teto de R$ 24,1 mil, uma “brecha” legalizada. Mas, segundo especialistas consultados pela reportagem, alguns pagamentos podem ser considerados imorais e também podem ser questionados em uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI).
Caso a caso
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) não está entre os órgãos que mais pagaram gratificações aos desembargadores. Em 2011, os salários totalizaram R$ 33,1 milhões, e o total bruto chegou a R$ 38 milhões, ou 15% a mais. Na prática, os magistrados não receberam tudo isso, pois foi feita a retenção de R$ 148,2 mil, por pagamentos que não estariam previstos nas Resoluções n.º 13 e 14 do CNJ, que tratam do teto constitucional. Além disso, sobre todos os salários pagos em todos os tribunais incidem impostos e descontos previdenciários.
Os tribunais que concentraram os benefícios foram os do Rio de Janeiro (TJ-RJ), do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT) e do Mato Grosso do Sul (TJ-MS). No Rio de Janeiro, o salário de 180 desembargadores somou R$ 51,3 milhões em 2011. Mas, somando todos os abonos, auxílios e gratificações, o desembolso ficou em R$ 111,8 milhões, um acréscimo de 117%. Apesar dos altos valores pagos, o TJ-RJ não fez nenhuma retenção sobre o teto constitucional, ao contrário da maioria dos tribunais. Isto é, considerou que os desembargadores tinham todo o direito sobre o montante pago (R$ 111,8 milhões).
O TJ-DFT e o TJ-MS também mais do que dobraram o salário dos desembargadores em 2011. No primeiro caso, o salário de 35 magistrados chegou a R$ 10,1 milhões, mas eles receberam R$ 22,3 milhões. O TJ-MS pagou R$ 8,6 milhões em salários aos seus 31 desembargadores, mas as vantagens garantiram um rendimento bruto de R$ 22,3 milhões. Nos dois casos houve retenção de valores: R$ 266 mil no Distrito Federal e R$ 90,7 mil no Mato Grosso do Sul.
Mesmo legais, pagamentos são considerados imorais
Para o advogado João Antonio Wiegerinck, os magistrados deliberadamente burlam a lei ao se valer de benefícios para terem o salário dobrado. “O teto constitucional é o teto, é para ser o limite”, afirma ele, que é professor de Direito Constitucional na Universidade Mackenzie e na Escola Paulista de Direito. “É muito cômodo se apoiarem em previsão legal para receber as vantagens, esquecendo-se dos aspectos morais, que devem nortear todas as leis”, afirma.
Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Paraná (OAB-PR), José Lucio Glomb, a moralização do Judiciário passa pela unificação dos salários e vantagens dos magistrados. “Os desembargadores precisam ter um vencimento digno e condizente com os padrões internacionais, de forma que tenha total independência e autonomia sempre. Mas o pagamento deveria ser único em todo o Brasil, para eliminarmos todos os acessórios pagos e eliminarmos as dúvidas sobre o que cada um ganha”, afirmou.
Glomb destacou que essa norma deveria ser estendida a cargos de outros poderes, como deputados e senadores. Para ele, apesar da autonomia de cada estado, a unificação dos salários é uma medida possível, e que pode ocorrer no futuro. “Não é possível resolver isso no curto prazo, mas parece um caminho inevitável para manter o crédito do Judiciário.”
João Antonio Wiegerinck também diz que a unificação salarial seria uma medida fácil de ser implantada, mas não é simples, pelos interesses envolvidos. “É difícil entender os critérios dos tribunais. Daria para aceitar que os desembargadores que trabalham mais, que têm mais processos, recebessem mais. Só que não é assim que funciona.”
Para ele, apesar das previsões legais em leis estaduais, muitas vantagens podem ser questionadas em ações diretas de inconstitucionalidade. “O critério de remuneração é passível do controle de constitucionalidade.”
Questionado sobre a possibilidade de limitar as gratificações recebidas pelos desembargadores, o CNJ informou, via assessoria de imprensa, que não tem nenhum estudo a respeito.
Reposição
O presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj), Cláudio Dell’Orto, confirmou que o pagamento de vantagens é uma estratégia usada para elevar o salário dos desembargadores, já que o teto constitucional não é revisto anualmente. “Como o subsídio acabou ficando defasado com o tempo, começou-se a pagar uma série de auxílios, abonos, indenizações que ficaram perdidas ao longo do tempo, para recompor a massa salarial, no sentido de remunerar adequadamente os juízes”, declarou ele ao site Consultor Jurídico. A reportagem tentou falar com Dell’Orto por telefone sobre a situação dos salários, mas ele não atendeu as ligações.
Fonte: Gazeta do Povo
