Jurista Luís Roberto Barroso alerta para déficit de dignidade humana

“Temos um déficit de verdadeira dignidade humana em muitas áreas e não daremos verdadeiramente um salto histórico enquanto não formos capazes de saldá-los”. A afirmação foi feita na terça-feira (18) pelo renomado constitucionalista Luís Roberto Barroso, jurista que fará a palestra de encerramento da XXI Conferência Nacional dos Advogados, que será promovida pela OAB Nacional de 20 a 24 de novembro em Curitiba (PR). Barroso é advogado, professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre pela Universidade de Yale e pesquisador visitante da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Ao abordar, durante entrevista para o Conselho Federal da OAB, os pontos que mais chamarão a atenção em sua palestra, Barroso afirmou que o recente processo democrático brasileiro vem evoluindo nos últimos vinte e cinco anos, tendo sido marcado por eleições periódicas, pela estabilidade institucional e pela garantia das liberdades públicas. O ponto baixo dessa trajetória, segundo ele, é o fato de o país ter um sistema político estigmatizado pelo custo astronômico das campanhas, descaminhos do financiamento eleitoral e pela baixa representatividade.

“O desenvolvimento somente se justifica e se legitima quando se traduz em desenvolvimento humano, contribuindo para elevação existencial e ética das pessoas”, afirmou o jurista, para quem o desenvolvimento da democracia passa, necessariamente, pela garantia de condições mínimas de vida e de acesso aos bens de consumo e civilizatório.

Além da conferência magna de Barroso, o evento contará com 20 painéis durante os cinco dias de Conferência, abordando temas diretamente relacionados às preocupações atuais da cidadania brasileira, tais como a segurança pública, a nova realidade da advocacia, a questão ambiental, a diversidade sexual e o contexto da democracia no Brasil e no mundo. As inscrições para a Conferência podem ser feitas pelo site da OAB Paraná, seção Eventos (www2.oabpr.org.br/eventos). A seguir a íntegra da entrevista concedida pelo jurista Luís Roberto Barroso, na qual abordou os pontos de sua palestra na Conferência da OAB:

P – O tema de sua palestra no encerramento da Conferência será “Democracia, Desenvolvimento e Dignidade da Pessoa Humana: Uma Agenda para os Próximos Dez Anos”’. Como pretende abordá-lo?
R – Ainda estou trabalhando na minha apresentação, mas pretendo dividi-la em duas partes. Na primeira, pretendo fazer uma apreciação de como se encontra o Brasil em relação a cada um desses elementos: democracia, desenvolvimento e dignidade humana. Na segunda, tenho vontade de apresentar dez idéias, com propostas objetivas de encaminhamento, para lidar com alguns dos temas que considero cruciais para o Brasil contemporâneo. A democracia – ou, mais propriamente, o constitucionalismo democrático – é uma fórmula política baseada nos direitos fundamentais e na participação política, bem como uma forma de organização social fundada na cooperação entre pessoas livres e iguais. Nesse ambiente, o povo constitui, não um aglomerado de pessoas sobre um território, mas o conjunto de pessoas ligadas entre si em uma parceria histórica, que se manifesta em valores e projetos comuns, na responsabilidade de uns para com os outros e em compromissos com as gerações futuras.
P – O senhor acredita que o Brasil, e sua democracia, vem evoluindo? Quais são os pontos altos e baixos de nosso recente processo democrático?
R – Nessa matéria, nos últimos vinte e cinco anos, superamos muitos ciclos do atraso e temos uma história de relativo sucesso para contar, marcada por eleições periódicas, pela estabilidade institucional e pela garantia das liberdades públicas. O ponto baixo dessa trajetória é um sistema político estigmatizado pelo custo astronômico das campanhas, descaminhos do financiamento eleitoral e pela baixa representatividade.

P – Para onde o processo democrático brasileiro deve caminhar?
R – O desenvolvimento é um processo complexo e abrangente, que envolve diferentes dimensões. Uma delas é a dimensão econômica, associada à
geração de riquezas, tendo como indicadores itens como o PIB, a renda per capita, o nível de endividamento do país e o saldo da balança comercial,
dentre outros. Esses indicadores têm sido auspiciosos para o Brasil, mas não podemos desperdiçar a chance e devemos, portanto, fazer escolhas
certas em matéria de educação, combate à pobreza, infraestrutura e inovação tecnológica, dentre muitas necessidades nacionais. A dimensão
social do desenvolvimento está ligada à distribuição de riquezas e à qualidade geral da vida da população. Também aqui avançamos de maneira
significativa, mas continuamos atrasados e com pressa. É preciso assinalar que uma ideia inerente ao conceito contemporâneo de desenvolvimento é que ele seja sustentável, vale dizer, não esgote os recursos necessários à sobrevivência das futuras gerações, nem o meio ambiente em que deverão viver. Por fim, cabe anotar que o desenvolvimento somente se justifica e se legitima quando se traduz em desenvolvimento humano, contribuindo para elevação existencial e ética das pessoas.

P – Esse desenvolvimento humano ao qual o senhor se refere deve estar relacionado a quais valores?
R – A dignidade está associada ao valor intrínseco de cada pessoa humana – sua posição diferenciada no mundo da criação e os direitos que decorrem dessa condição – bem como à sua autonomia, privada e pública. A autonomia privada diz respeito às liberdades essenciais (de expressão, religiosa, de trabalho, liberdade sexual) e a autonomia privada está associada aos direitos políticos, à possibilidade real de participar da condução da coisa pública. Parte essencial da autonomia e, portanto, da dignidade humana, é o chamada mínimo existencial. As pessoas precisam ter
asseguradas as condições mínimas de vida e de acesso aos bens de consumo e civilizatório para que possam exercer, na plenitude, sua liberdade de escolhas existenciais relevantes. Temos um déficit de verdadeira dignidade humana em muitas áreas e não daremos verdadeiramente um salto histórico enquanto não formos capazes de saldá-los.

Fonte e foto: Conselho Federal


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