O debate sobre o papel do Poder Legislativo e os rumos da regulação das plataformas digitais foi um dos pontos altos do segundo dia do evento “Ordem Digital: Liberdade de Expressão, responsabilidades e os desafios da regulamentação das redes sociais e das plataformas digitais”, nesta quinta-feira (26/6). O deputado Orlando Silva, relator do PL 2.630/20 (conhecido como PL das Fake News), trouxe atualizações sobre o andamento da proposta no Congresso e detalhou as principais controvérsias em discussão.
Orlando Silva destacou o caráter internacional do debate sobre regulação da internet e das plataformas digitais. “É sempre bom lembrar que o debate que fazemos neste momento na OAB Paraná é um debate global”, afirmou. Segundo o parlamentar, as discussões em torno da liberdade de expressão, responsabilidade das plataformas e impacto da era digital sobre as relações sociais, econômicas e jurídicas não são exclusivas do Brasil. “Juristas, pesquisadores, economistas e sociólogos em todo o mundo estão refletindo sobre os desafios da era digital. É importante que o Brasil observe as melhores experiências internacionais.”
Referências internacionais e o papel do Parlamento
Orlando Silva destacou que os Estados Unidos e a União Europeia atuam como polos centrais nas discussões sobre regulação digital, influenciando o debate mundial. Ele lembrou que o próprio Marco Civil da Internet, marco legal da internet no Brasil, foi fortemente influenciado pela Lei de Decência das Comunicações dos EUA. No entanto, para o deputado, a realidade brasileira se aproxima mais da abordagem europeia, onde a liberdade de expressão não é tratada como um direito absoluto, e sim equilibrada com outros direitos fundamentais.
Ao comentar o conteúdo do PL 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, Silva destacou que a proposta traz mecanismos inovadores, como o fortalecimento do direito dos usuários à defesa de sua liberdade de expressão e a criação de obrigações de transparência por parte das plataformas digitais. “A transparência é um tema nuclear nas regras europeias, pois permite que a sociedade avalie se a operação dos serviços digitais representa riscos aos direitos fundamentais”, disse.
Decisão do STF e insegurança jurídica
O deputado também comentou a recente decisão do Supremo Tribunal Federal relacionada à responsabilidade das plataformas, classificando-a como importante, especialmente diante do cenário de insegurança jurídica vivido pelo país. Para ele, a decisão se baseou em debates já travados no Parlamento e deve servir de estímulo para que o Congresso avance na definição de um marco regulatório. “Há matérias que são típicas da atuação parlamentar e, por isso, o Supremo não avançou mais, em respeito ao Legislativo”, observou.
Silva ainda rejeitou a ideia de ativismo judicial, lembrando que a decisão do STF diz respeito a um recurso de 2013. “Não se trata de ativismo. É uma resposta a uma lacuna legislativa que já perdura há mais de uma década.”
Autoregulação insuficiente
Por fim, o parlamentar defendeu a importância de um modelo regulatório equilibrado, que vá além da autorregulação praticada atualmente pelas plataformas. “A autorregulação não foi capaz de enfrentar os dilemas trazidos pela era digital. Precisamos de regras cuidadosas, que priorizem a proteção da liberdade de expressão, a transparência e a responsabilização das plataformas, permitindo que a sociedade compreenda como esses serviços operam.”
O painel contou ainda com a contribuição de especialistas como Estefania Maria de Queiroz Barboza, Diogo Rais, Samara Castro, Tainá Aguiar Junquilho e Fabro Steibel, que abordaram aspectos jurídicos, técnicos, sociais e econômicos relacionados ao tema. Foram discutidos desde os desafios de responsabilização das plataformas até os impactos sobre a liberdade de expressão e a proteção de grupos vulneráveis.
“O conteúdo digital que vem até nós passou a ser mais importante do que o conteúdo que existe, porque não passamos mais da primeira página. O nosso universo se reduziu àquilo que nos é entregue”, afirmou Diogo Rais.
A constitucionalista Estefania Maria de Queiroz Barboza ponderou sobre a falta de transparência em relação ao financiamento da desinformação. A advogada defendeu que, para além das questões das liberdades, é preciso aprofundar o debate sobre a transparência dos financiamentos e das responsabilidades.
Com o encerramento dos trabalhos, a presidente da Comissão de Direito Digital e Proteção de Dados Pessoais, Leticia Menegaço de Camargo, destacou a riqueza dos debates promovidos ao longo dos dois dias: “Reunimos aqui visões plurais e qualificadas, nacionais e internacionais, justamente porque o tema exige essa diversidade de olhares. A OAB Paraná cumpre seu papel ao abrir espaço para a reflexão técnica, responsável e independente sobre um dos maiores desafios contemporâneos”.
Leia também um resumo do primeiro dia do evento:
Liberdade de expressão, marco civil e regulação
Mudança de modelo e o papel do STF
Regulação para uso das redes sociais na infância e na adolescência
Adaptação de modelos regulatórios de outros países no Brasil