O presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB Paraná, Mesael Caetano dos Santos, assina o artigo “Breve reflexão sobre os 127 anos do fim da escravidão do Brasil”. Confira a íntegra:
Breve reflexão sobre os 127 anos do fim da escravidão no Brasil
Por Mesael Caetano dos Santos – Advogado
O Brasil sempre sustentou a imagem de um país cordial, caracterizado por um povo pacífico, sem preconceito de raça e religião. No entanto, passaram-se os anos pós-período de escravidão e percebe-se que o Brasil nunca foi uma democracia racial como pregavam historiadores e sociólogos. No Brasil sempre existiu um racismo camuflado, disfarçado, pessoas são vitimadas todos os dias por racismo e preconceito em razão da cor, basta ver as noticias na imprensa.
Fazer uma reflexão sobre o processo de escravidão em qualquer sociedade não será válido se não colocar a pessoa humana acima de qualquer valor. Entendo que o ser humano, em sua dignidade pela condição de humano, está acima dos bens do comércio e qualquer bem econômico. Digo isso por que a escravidão foi legitimada no passado, por se colocar os valores do comércio acima de bens maiores como vida, liberdade, dignidade da pessoa humana, renegando uma etnia à condição de ser humano. Era legal escravizar e tratar as pessoas como coisa, para delas tirar proveito econômico. Foi isso que ocorreu na América e o no Brasil: legitimou-se uma barbárie, renegando pessoas a coisas – o que é muito triste.
Nessa linha de pensar, Paul Smith, em sua obra Filosofia Moral Politica, diz que cada pessoa é importante da mesma forma, cada pessoa tem direito igual ao respeito por ser pessoa. Afirma também o professor que o ideal de uma sociedade igualitária será garantir oportunidades iguais a todos sem distinção.
Ressalta – se que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão. Esse fato histórico, aparentemente longínquo, deixou profundas marcas na sociedade brasileira, basta olhar para as favelas e as periferias das grandes cidades – ali estão os negros e seus descendentes, relegados à pobreza.
É preciso lembrar mais uma vez que a abolição foi lenta, mas é preciso também pensar o lugar que a ciência ocupou na consolidação do preconceito contra os negros, criando e fomentando teorias racialistas, como a criada por Joseph Arthur de Gobenau, em sua obra Ensaio Sobre as Desigualdades Humanas de 1885, seguida em todo mundo nos idos anos 1885. Para que se lute contra o racismo é preciso primeiramente reconhecer que ele existe.
Com o fim da escravidão no Brasil, em 13 de maio 1888, venceu-se uma etapa nefasta. No entanto, até hoje o período escravocrata marca a história de nosso país. Da escravidão os negros foram libertos, todavia, um mal lhe persegue até e hoje – que é o preconceito e o racismo de parte da sociedade brasileira. Por isso é preciso discutir esse tema racismo, o preconceito e outras formas de discriminação sem medo, para que possamos de certa forma avançar na busca pela igualdade, como preconiza a Constituição de 1988. Essa é uma luta de todas as pessoas de bem, se quisermos um Brasil melhor.
Apesar dos avanços conquistados pelos negros desse país, é notório que os negros ainda são vítimas constantes de racismo, sofrem preconceito e frequentemente se veem em situação de discriminação. Pesquisa nacional por amostras de domicílios, divulgada em setembro do ano de 2013, mostra que 104,2 milhões de brasileiros são negros e afros descendentes, o que corresponde a mais da metade da população do país (52,9%). A mesma pesquisa traz um número assustador, que é a possibilidade 3,7 vezes maior de um adolescente negro ser vítima de homicídio do que a de um jovem branco, de acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). A maioria dos homicídios que ocorrem no Brasil atingem pessoas jovens: do total de vítimas em 2013, cerca de 50% tinham entre 15 e 29 anos.
Apesar de formarem 50,7% da população brasileira, os autodeclarados negros ainda são minoria entre os formados no ensino superior. Na carreira de medicina, apenas 2,66% dos concluintes em 2013 eram pardos ou negros. Na carreira pública, a presença de negros é baixa entre as áreas mais concorridas, em especial as de âmbito Federal. Na diplomacia, por exemplo, os pardos e negros representaram apenas 5,9% dos que ingressaram entre 2007 e 2012, contra 94,1% de brancos e outras etnias (amarelos e indígenas).
É bom lembrar que desde 1989, após a redemocratização do país, novas legislações importantes foram sancionadas. Cito o Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.228/2010, que tem o objetivo maior de garantir a população negra a efetivação da igualdade de oportunidades. Destaca-se ainda, a lei 10.639/2013, que determina diretrizes para que todas as escolas do Brasil incluam no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Contudo, há resistência das escolas em fomentar o tema, é preciso vontade política. Vejo que deve haver uma intervenção do Ministério da Educação nesse processo para se avançar.
Finalizo asseverando que 127 anos se passaram desde o fim da escravidão no Brasil, no entanto é preciso avançar no que tange a igualdade entre os brasileiros. A atual Constituição vigente, cidadã, tem como primazia maior a igualdade. Por vontade da constituição é preciso fomentar a cidadania no Brasil. A referida Constituição elevou a dignidade da pessoa humana, princípio da igualdade e os direitos fundamentais, como direitos de primeira geração. Ainda definiu objetivos para serem perseguidos por quem for titular do poder. Definiu o racismo como crime e repudiou sua prática, afirmando que o racismo é crime inafiançável e imprescritível. Quem estiver no poder tem o dever de fomentar a igualdade no Brasil, para com isso vencermos o processo de exclusão social, eis que no Brasil ainda há um abismo social muito grande, fruto escravidão.
