Após uma inspeção que durou quase 11 meses, a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) concluiu que a estrutura das quatro Varas de Fazenda Pública, Falências e Recuperação Judicial de Curitiba “é disfuncional e precisa ser urgentemente modificada”. Segundo o TJ, apesar das deficiências no sistema de falência, não foram encontrados evidências de ilegalidades na conduta de juízes e servidores. Mas o tribunal encontrou possíveis irregularidades na conduta de alguns síndicos de massas falidas – gestores designados pela Justiça para administrar os bens das empresas fechadas e pagar os credores dela. As perícias que indicaram as possíveis irregularidades já foram remetidas ao Ministério Público Estadual (MP) para que a investigação prossiga.
O relatório final do TJ indica que seria preciso transferir 80% dos procedimentos de cada uma das varas inspecionadas para normalizar os julgamentos de processos de falências, de execução fiscal e demais matérias de competência desses juízos. Com o acúmulo de serviço, há uma demora expressiva na liquidação das massas falidas. E, consequentemente, há atraso no pagamento dos credores da empresa fechada: o Estado, credor de tributos não pagos; os ex-funcionários, com dívidas trabalhistas; e outras empresas, com débitos referentes a serviços e produtos fornecidos mas não pagos.
A corregedoria sugere ainda mudanças no código de normas do tribunal e propõe soluções como o deslocamento da competência dos processos falimentares para as varas cíveis – ou então a criação de varas especializadas apenas em falências.
“A conclusão final é de que efetivamente os processos [de falência e de execução fiscal] devem ser retirados dessas quatro varas antigas da Fazenda Pública, para que haja um número compatível [de procedimentos] em cada uma delas de acordo com a capacidade de fiscalização”, afirma o corregedor-geral do TJ, desembargador Noeval de Quadros. Ele defende a criação de varas especializadas para falências e execuções fiscais.
Atualmente, o Paraná é um dos três únicos estados brasileiros (ao lado do Piauí e do Amapá) que distribui a competência de processos de liquidação de empresas para Varas de Fazenda Pública. A maioria das outras unidades da federação (14 estados) criou varas especializadas. Outros dez estados distribuem esses assuntos para Varas Víveis.
CPI
A correição do TJ nas Varas da Fazenda foi aberta em abril do ano passado após denúncias feitas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Falências, instaurada pela Assembleia Legislativa do Paraná.
A CPI investigava supostos irregularidades no sistema de falências, como direcionamentos nas indicações judiciais de administradores de massas falidas – atribuição dos juízes dessas varas. Mas a CPI acabou sendo suspensa pelo próprio TJ sob a alegação de que ela não tinha objeto específico de investigação.
O Tribunal de Justiça, no entanto, aproveitou a polêmica causada pela CPI para ouvir juízes, escrivães, administradores de massas falidas e pessoas que disseram ter sido prejudicadas por gestores de empresas com falência decretada. O objetivo do TJ com a correição era diagnosticar a situação das varas.
Sem má-fé
De acordo com Noeval, a inspeção não encontrou nos processos “evidências de má-fé ou locupletamento [enriquecimento] de juízes ou servidores”. O corregedor também disse que vai abrir prazo que os juízes regularizem eventuais falhas encontradas – “a maioria decorrente do acúmulo de serviço”, segundo ele.
De acordo com Noeval, as perícias indicaram, porém, possíveis irregularidades cometidas por alguns administradores de massas falidas. O corregedor diz que elas “precisam ser explicadas ou sanadas”. O material já foi encaminhado ao Ministério Público e aos juízes das varas para as providências cabíveis.
Entidades aprovam recomendações
Duas entidades de classe das mais representativas dos operadores do direito no estado – a Ordem dos Advogados do Brasil seção Paraná (OAB-PR) e Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) – aprovaram as mudanças propostas pela inspeção do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ) nas Varas de Fazenda Pública e de Falências.
Para o presidente da Amapar, o juiz Fernando Ganem, as recomendações indicam ser “necessárias determinadas mudanças para proteger o próprio juiz de eventuais reclamos quanto à sua lisura na indicação de síndicos e administradores [de massas falidas], e na condução dos processos sob sua presidência”. Segundo ele, as recomendações devem ser entendidas como “conselhos do corregedor ao juiz, para evitar que sofra novas investigações”.
O presidente da OAB-PR, José Lúcio Glomb, também aprovou as mudanças propostas. “[Elas] vão implicar certamente em melhorias no serviço.” Glomb, que em princípio defendia a transferência de competência dos processos falimentares para as Varas Cíveis, acredita que, com a criação das novas varas, “já haverá uma diluição do volume de processos”. “Será preciso apenas verificar o funcionamento desses novos juízos.”
Glomb ainda enalteceu o resultado da inspeção. “Somos críticos do TJ quando entendemos necessário, mas não podemos esquecer que o tribunal avança em muitas frentes”, afirmou. O presidente da OAB-PR ainda disse que é indicativo de “uma grande vontade de acertar” o fato de a Corregedoria-Geral ter encaminhado o relatório final ao Ministério Público, para que as investigações de alguns casos específicos prossigam.
Propostas
Veja as propostas de mudanças sugeridas pela Corregedoria-Geral de Justiça, após a inspeção, para as Varas de Fazenda Pública, Falências e Recuperação Judicial:
– Evitar nomear poucos administradores judiciais de massas falidas para um grande número de empresas fechadas. Limitar o número de massas falidas administradas por uma mesma pessoa.
– Criar um cadastro eletrônico de candidatos a administradores judiciais, com inserção de dados no site do TJ para aumentar a opção dos juízes. Esta sugestão já começou a ser implantada.
– Mudar a forma de remuneração do administrador das massas falidas. A sugestão é que o pagamento pelo serviço deixe de ser mensal e passe a ocorrer apenas na liquidação da massa falida – ou seja, após o pagamento dos credores. Outra proposta é que o pagamento seja feito proporcionalmente ao trabalho realizado pelo gestor. O objetivo dessa sugestão é não incentivar o atraso no encerramento dos processos – o que acaba sendo vantajoso para o administrador.
– Evitar a nomeação de administrador que já se mostrou incapaz de gerir processos falimentares em outras ocasiões. O objetivo é não onerar mais os encargos da massa falida.
– Evitar a expedição de alvará genérico para que os administradores movimentem contas ou valores de massas falidas. O objetivo é não dar carta-branca aos gestores.
– Instituir um cadastro de auditores e contadores para auxiliar os juízes no exame das prestações de contas das massas falidas.
– Digitalizar todas ações de falência para dar mais transparência e possibilitar a fiscalização de processo por parte dos falidos, dos credores e demais interessados. Essa recomendação já foi iniciada.
Alguns gestores de massa falida têm atuação “nociva”, diz relatório
Criada para investigar denúncias de supostas irregularidades nas relações entre os juízes dos processos de falência e os administradores judiciais das massas falidas, o relatório da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça (TJ) isentou os magistrados e atribuiu a parte dos administradores de massas falidas alguns desvios na gestão patrimonial de empresas fechadas. O texto do relatório do TJ faz críticas pontuais à atuação de determinados administradores, classificada pelo tribunal como “nociva” para as partes interessadas na liquidação judicial da empresa fechada e em receber dívidas deixada por ela.
Para cada prática “condenável”, o relatório sugere alteração no código de normas do TJ ou mudanças na estrutura das Varas de Fazenda Pública. Um dos pontos mais criticados é a remuneração do administrador judicial. De acordo com a Lei de Recuperação Judicial e Falências, a remuneração de administradores judiciais não deve ultrapassar 6% dos bens da massa falida ao final de todo o processo.
Em muitos casos, os administradores recebem remuneração mensal para gerir os processos. Segundo a corregedoria, esse pagamento é indevido e extrapola o limite legal.O relatório cita o exemplo de uma massa falida em que o administrador recebe mensalmente quase o dobro do valor arrecadado com a gestão dos bens deixados pela massa.
O relatório alerta ainda que a remuneração mensal em ações que se estendem por muitos anos pode estimular o síndico a atrasar a conclusão do processo em benefício próprio.
Outra recomendação da corregedoria do TJ é que juízes não devem conceder aos administradores judiciais alvarás genéricos para movimentar contas da massa falida. Segundo o relatório, isso representa carta-branca para gastos que podem contrariar os interesses da massa falida.
O relatório propõe ainda uma série de mudanças para acelerar o andamento e evitar outras irregularidades no julgamento dos processos. Algumas já haviam sido enviadas a juízes e cartórios no fim do ano passado e até já foram implementadas pelo TJ.
Fonte: Gazeta do Povo
