Uma homenagem ao Telmo Cherem: recordações de uma amizade duradoura

Rolf Koerner Junior

            Fui surpreendido com um convite. Veio-me da amiga, advogada e professora Marion Bach. A OAB paranaense homenageia, pelos seus 35 anos na magistratura do Tribunal de Justiça do Paraná, o desembargador Telmo Cherem.

            O tributo é imprescindível. Afinal, o Telmo foi bacharel em Direito, advogado, professor universitário, juiz do Tribunal Alçada e presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Atualmente, é o desembargador decano do Tribunal de Justiça do Paraná.

            Convidado que fui, nunca me furtaria à incumbência, principalmente porque há muitas situações que, juntos, vivenciamos desde 1969, no Colégio Estadual do Paraná; depois, no Curso Camões, sob a direção do saudoso professor Carlos Alberto Sanches, e, finalmente, quando, com vários outros prodigiosos colegas, prestamos, em 1970, o vestibular, para ingresso na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Somos integrantes da Turma E. D. Moniz de Aragão, 1971/1975.

            Naquele tempo, além da oportunidade de conviver com o Telmo, conheci sua maravilhosa família, que me recebia em sua casa, não só como o amigo do Telmo, mas como seu colega na faculdade. Relembro que, na época, o irmão do Telmo, o Túlio Cherem, estudava fora. Frequentava a Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, no Rio de Janeiro. Nas vezes que vinha a Curitiba, o Tulio era sacrificado por causa do meu estudo com o Telmo. Varávamos as madrugadas e para isso acontecer utilizávamo-nos do quarto dos irmãos, e Tulio era obrigado a dormir na sala da casa. Passado o tempo, as qualidades de Tulio Cherem foram reconhecidas para o tornarem General-de-Exército. Foram momentos esplêndidos e de muita responsabilidade. Éramos obstinados. Dedicávamo-nos com afinco às tarefas da faculdade e disso resultou premiação para o Telmo. Primeiríssimo lugar na graduação. Medalha de ouro.

            O rol de amigos comuns, os mais próximos, a panelinha nossa, foi formado desde o Estadual, depois no cursinho e solidificado na faculdade, pelo saudoso advogado Shideyuki Koga, os procuradores de justiça Saint-Clair Honorato Santos, Marco Antônio Teixeira e Olympio de Sá Sotto Maior Neto. Também por aqueles que se dedicaram à advocacia, como o José Hipólito Xavier da Silva, agora desembargador com o Telmo, e o Alceu Conceição Machado Filho. O Rubens Edgard Tiemann aposentou-se. Foi desembargador do Trabalho. O saudoso Julio Cesar Marques Neme foi um grande empresário e o Enio Cordeiro, embaixador.

            Eu sempre brinquei. Sou catarinense de fato e paranaense de direito. Nasci em Porto União, Santa Catarina, e fui registrado em União da Vitória, no Paraná. Telmo é catarinense. Nas viagens que faço, ao passar por Tijucas, eu lembro do Telmo. Relembro de seu pai, seu João, de sua mãe, Polha, da Tânia, os três falecidos, e do Túlio, os últimos irmãos do Telmo. Uma família maravilhosa, respeitosa, alegre, também moradora em Porto Belo, merecedora de extremada consideração e que me provoca muita saudade.

            O Telmo, no Colégio Estadual do Paraná, depois no cursinho, ainda depois na Faculdade de Direito, sempre se destacou. Um aluno brilhante, credor de todas as premiações. Esteve à frente, e também liderou os colegas. Incentivou-os e, pelo exemplo, obrigou-os a terem consciência das suas responsabilidades. Por isso, eu cumprimento o Telmo Cherem, pelo exemplo. Afinal de contas, proporcionou-me companheirismo e transmitiu-me sempre um modelar significado para a vida.

            Juntos fomos professores na Católica, na Faculdade de Direito de Curitiba e, inclusive, na nossa casa de formatura, na Universidade Federal do Paraná.

            Esse tempo foi um tempo bom.

            A partir de 1976, advogamos em Curitiba. O Telmo, com o seu querido e saudoso tio, doutor Jaime Stivelberg; eu, com o professor Alcides Munhoz Neto.

            O Telmo depois enveredou para a magistratura, eu permaneci na advocacia, todavia cultivamos os velhos laços que nos unem e que são importantes para a nossa existência.

            Presto homenagem ao Desembargador Telmo Cherem: um legado de justiça e honestidade no Tribunal de Justiça do Paraná.

            A Constituição de 1988 alterou substancialmente a fórmula para a regência, nos tribunais, do Quinto Constitucional.

            Lembro-me que certa feita o Telmo Cherem integrava o Instituto dos Advogados do Paraná. Manifestou o seu desejo de concorrer para o preenchimento de vaga no Quinto Constitucional para o Tribunal de Alçada do Paraná. Dezenas de outros advogados igualmente almejavam a ida para o Poder Judiciário. E foi então que, naquela época, estando no Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, pude também ser o eleitor do Telmo, o candidato mais votado pela classe. Compôs a lista sêxtupla, depois reduzida a tríplice, mediante expressiva votação no Tribunal de Justiça, e, depois ainda, foi o Telmo nomeado, pelo governador Álvaro Dias, em junho de 1990, juiz do Tribunal de Alçada.

            A carreira profissional do Telmo é uma longa carreira, que transcorre pela sua passagem pelo Tribunal de Alçada e, depois, a partir de 1995, no Tribunal de Justiça, no qual o Telmo é há muito tempo, e ainda será, o desembargador decano.

            Lá atrás, por designação do saudoso desembargador Tadeu Costa, foi incumbido de importante missão, em razão da extinção dos Tribunais de Alçada em nosso País, a de dirigir e relatar, na comissão encarregada de elaborar o Regimento Interno do Tribunal de Justiça, para, dentre outras matérias, estabelecer o número de câmaras, o número de desembargadores seus componentes, e, matéria muito difícil, dispor a respeito da  competência de cada um dos órgãos julgadores, cíveis e criminais, e as matérias correlatadas a cada ramo.

            A advocacia, estando o Telmo no Tribunal de Justiça, a advocacia criminal principalmente, oportunizou-me, mais uma vez, conhecer o Telmo Cherem, ele um professor exímio do Direito Civil, do Direito Privado, incumbido da tarefa judicante de dizer o Direito Público, de realizar o Direito Penal por intermédio da Segunda e, depois, pela Primeira Câmara Criminal e o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná. Nas ocasiões em que lá estive, para participar de inúmeros julgamentos, pude sentir a firmeza, a capacidade e a probidade do Telmo Cherem. Suas decisões tornam-se importantes precedentes.

            O Telmo é um dos grandes defensores dos direitos e das garantias constitucionais. É verdade. Seus acórdãos, quando lidos, contêm irrespondível fundamentação e toda a fundamentação eleita para o acordão é fundamentação que ganha alicerce objetivamente em princípios que se encontram consagrados na Carta Maior.

            O Telmo me surpreendeu, certa feita, em julgamento do tribunal, quando a câmara enfrentou matéria relativa ao Tribunal do Júri. E claro, que de lege ferenda, o Telmo teve a oportunidade, como jurista que é, de externar considerações importantes a respeito do Tribunal do Júri, que, para mim, demonstraram, como eu penso também, ser a hora de abandonarmos os julgamentos populares tendo em conta as dificuldades, que são muito grandes, postas à apreciação daqueles que não têm o conhecimento, enfim, o tino, para trabalharem com o direito. É interessante falarmos no Tribunal do Júri, na cidadania, nos cidadãos que compõem o Conselho de Sentença, mas é muito difícil afirmarmos haver exatidão nos seus vereditos, não só pelas questões de somenos, mas pelas questões intrincadas que são submetidas à apreciação e ao julgamento dos seus integrantes. A meu ver não é questão pequena. É grande e provocadora de embates hercúleos pelos juspenalistas e processualistas.

            Todavia, a se tratar de analisar a atividade julgadora desenvolvida pelo desembargador Telmo Cherem, ele, no Tribunal de Justiça, em função do decanato, não só compartilha seu trabalho na Primeira Câmara Criminal. O decanato torna-o dirigente de outras importantes funções no Tribunal de Justiça.

            Mais lembrança eu tenho. Há anos, a OAB/PR designou-me para integrar, no tribunal, banca de concurso para juiz. Tarefa duríssima. Afinal, nela, representava os milhares de advogados paranaenses.

            Quase no desfecho dos trabalhos, reunimo-nos para chegarmos ao resultado. Uns candidatos foram aprovados e outros reprovados. Todavia, não assimilei a desaprovação de um concursando. Minha reação baseou-se em fatos irrespondíveis. Mas, nada conseguia para modificar a negativa decisão. O autor da reprovação falava em preclusão para sustentar a posição da qual eu divergia. Enfatizei que as qualidades do candidato eram irrefutáveis e, ali, quando argumentava, acentuava que falava em nome da OAB e dos seus milhares de advogados, por mim representados. O desembargador Telmo Cherem acudiu-me. Fortaleceu os fundamentos externados pelos advogados, sensibilizou o presidente, o saudoso desembargador Tadeu Costa, e a questão foi reaberta, foi amplamente rediscutida e o candidato, por maioria de votos, foi aprovado. Hoje, é um dos bons magistrados paranaenses. Fez-se justiça.  

            São 35 anos. São 35 anos de vida profissional desempenhados pelo Telmo Cherem, como o bom pai de família, um homem julgador diligente, prudente e que, pela perícia que tem, em razão do profundo estudo que o tornou um grande jurista, contribui para a excelente qualificação do nosso Tribunal de Justiça. Um dos melhores no nosso País.

            Suas decisões são firmes e refletem, como eu disse, os princípios e os valores constitucionais. Ao incorporar toda a sua experiência e ao transmiti-la, para a manifestação e fundamentação de seus votos, constrói o direito, o direito justo em nosso País.

            Ao assistir uma entrevista do Telmo, a entrevistadora perguntou-lhe qual seria “a principal palavra que o senhor diria em razão da atividade que o senhor desempenha?”, e o Telmo respondeu, “muito trabalho, honestidade e sorte também”. É verdade. O Telmo estudioso, o Telmo, o juiz justo, o julgador que realiza a autoridade da lei, cujo resultado decisório, ao ser transmitido para o sujeito, por ele julgado, proporciona-lhe a percepção do cuidado necessário para a solução da sua vida. O Telmo falou em sorte. Sim, a sorte que os advogados têm em saberem e terem, por ele, os seus casos julgados. 

            Mais do que tudo, nesse momento em que a saudade se encontra presente, interessa-me relembrar do conteúdo do discurso que o Telmo proferiu na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, quando foi destinatário da cidadania honorária paranaense. No seu discurso, destacou, como importante para a sua vida, a maneira da sua criação pelo pai João, pela mãe Polha e pelo relacionamento que teve com a saudosa irmã Tânia e tem com o seu querido irmão, o General-de-Exército Túlio Cherem. Com a esposa, Dra. Iara Soares Cherem, nutre um amor profundo, de que emanou a filha, Dra. Andrea Cherem Melo, e, hoje, a família tem a neta Isabela, o xodó do Telmo.

            Os agradecimentos do Telmo, na ocasião do seu discurso na Assembleia, a todos tocaram, pela sua simplicidade, gentileza e pelo seu afago, ao exprimir a sua gratidão ao povo do Estado do Paraná. Um catarinense de Tijucas tornado cidadão paranaense. Lembrou a sua história de vida e a sua trajetória como homem público. Disse ele, “tenho paixão por essa terra e pretendo conhecer cada centímetro quadrado desse Estado como lugar que escolhi e que me acolheu. Sobre a atividade judiciária, ele disse que considera cada processo como se fosse o mais importante em curso no Poder Judiciário e de fato, o é, para as partes nele envolvidos”, destacou.

            O Telmo hoje é merecedor de todas as homenagens, principalmente daqueles que puderam de perto conviver com ele, no colégio, no cursinho, na faculdade, na advocacia, no magistério e na magistratura do Tribunal da Alçada, do Tribunal Regional Eleitoral e, ainda agora, no Tribunal de Justiça do Paraná.

            As minhas palavras são ditadas pelo coração de um colega. Telmo, muito lhe agradeço pela oportunidade; pouco mais de meio século de conviver com você e com seus familiares. Deus sempre o proteja e o torne sempre o melhor. Em nós, você tenha o testemunho da sua bondade, principalmente como o homem de bem que você é.