Vice-presidente do CFOAB fala sobre o CNJ em entrevista para jornal

O jornal Folha de Londrina publicou nesta segunda-feira (30) uma entrevista com o vice-presidente do Conselho Federal da OAB, o advogado paranaense e ex-presidente da OAB Paraná, Alberto de Paula Machado (foto), sobre a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na oportunidade Machado  comentou sobre as críticas que o órgão vêm recebendo. Confira o texto na íntegra:

“Quem hoje tenta limitar o CNJ não quis criá-lo no passado”
Para o vice-presidente nacional da OAB, embora os argumentos sejam outros, as vozes contra o órgão de controle são as mesmas

Alberto de Paula Machado
Vice-presidente da OAB

Desde que a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, declarou que há “bandidos atrás da toga”’ no Judiciário brasileiro, juízes de todo o Brasil, liderados pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), começaram uma “’guerra” contra o órgão criado em 2004, cuja principal função é apurar faltas disciplinares de integrantes do Judiciário. Para o vice-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Alberto de Paula Machado, a reação demonstra “um forte corporativismo” e expõe o sentimento de superioridade que nutre parte da categoria. “É evidente que essas reações têm nítido cunho corporativista. Se partirmos da premissa que o Poder Judiciário também emana do povo, então o povo tem o direito de participar, de ter mecanismos de controle sobre este poder.”

A AMB também questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) dispositivos que permitem hoje ao CNJ iniciar investigações contra juízes e não apenas atuar em caso de omissão das corregedorias dos tribunais regionais. O caso deve entrar na pauta de julgamentos da corte do STF na próxima quarta-feira. Na terça-feira (31), a OAB promove em Brasília uma manifestação em defesa do papel do CNJ. Mobilizações semelhantes estão sendo organizadas em outras cidades, incluindo Londrina.

Segundo Machado, com salários muito superiores à realidade da massa da população brasileira, férias de 60 dias por ano e a impossibilidade de demissão, mesmo com a comprovação administrativa de falta grave ou corrupção, os juízes não são bem vistos pela sociedade, porque, mesmo com os privilégios, o Judiciário continua moroso. “É inconcebível que um processo demore 10 anos tramitando em primeira instância”, critica ele.

Em entrevista à Folha de Londrina, Machado avalia que o CNJ começou a atacar os problemas do Judiciário, mas o curto período de existência ainda não foi suficiente para resolver a morosidade e a falta de transparência. Leia os principais trechos da entrevista.

Qual a avaliação da OAB acerca das críticas dos juízes contra o CNJ? 
O CNJ nasceu a partir de uma verificação de que as corregedorias dos tribunais de Justiça dos estados não funcionavam a contento. É uma luta de muitos e muitos anos. Já na Constituição de 1988 houve uma mobilização para que fosse criado um órgão de controle da Justiça. Não foi criado. E depois, com o passar do tempo, esse debate foi se intensificando a ponto de, em 2004, o Congresso Nacional aprovar uma proposta de emenda à Constituição, uma PEC, prevendo a criação de um órgão de controle do Judiciário, com composição mista, com integrantes do Poder Judiciário e de outras carreiras jurídicas. Foi então criado este conselho que é formado por 15 representantes da magistratura, da advocacia, do Ministério Público e da sociedade civil e ele vem exercendo de 2004 até os tempos atuais o controle e planejamento estratégico, administrativo e financeiro do Judiciário. É um órgão importantíssimo porque atua corrigindo algumas distorções do Poder Judiciário que eram praticamente insuperáveis antigamente. O Conselho Nacional de Justiça é um órgão administrativo. Ele aprecia processos administrativos que envolvem a gestão da Justiça e que envolvem processos disciplinares contra magistrados. Então, o CNJ tem, de fato, uma importância muito grande e vem, aos longos desses últimos anos, desenvolvendo esta política, que, no modo de ver da OAB e de muitas outras entidades, é extremamente relevante.

Em 2003, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defendendo a criação do CNJ, disse que havia uma “caixa preta” no Judiciário e foi muito criticado por isso. Teria o CNJ mexido nesta “caixa preta” quando começou as investigações a respeito da movimentação financeira dos juízes do Tribunal de Justiça de São Paulo? 
Essa questão revela que é fundamental para qualquer dos três poderes da República que sejam transparentes, que tenham mecanismos de efetivo controle e não apenas mecanismos que formalmente fariam o controle, mas não fazem. Dos Três Poderes da República, o Poder Judiciário é o que, provavelmente, tem o menor número de casos de corrupção, entretanto, o Poder Judiciário é o menos transparente dos três. Isso é mau. E não há porque as atividades administrativas do Judiciário não terem também a mesma publicidade, a mesma transparência. O povo precisa ajudar no controle de eventuais desvios. E como é que se controla? Através dos mecanismos previstos na legislação e um deles é o Conselho Nacional de Justiça. Então, não podemos aceitar um retrocesso. E essa possibilidade do STF vir a limitar os poderes do CNJ representa um retrocesso.

Essa investida da AMB contra o CNJ seria uma tentativa de voltar ao que era antes, relegando-se as investigações às corregedorias, mesmo sabendo que elas nunca funcionaram efetivamente? 
É impressionante, mas se voltarmos ao passado, aos debates em 1988 e 2004, vamos ver que as mesmas vozes que hoje tentam limitar os poderes do CNJ são aquelas que eram contra a criação do CNJ. Mudaram os argumentos, mudaram a maneira de enfocar esse tema, mas o pano de fundo é o mesmo: eles não querem um órgão que exerça efetivo controle sobre o Poder Judiciário.

Por quê? 
Eles acham que isso representa perda de poder. De alguma maneira, se submetem a alguém supostamente superior – o CNJ. E isto é um equívoco: quando estamos falando de uma sociedade democrática, de um estado de direito, algo que demorou tanto para se construir no Brasil, temos que entender que a sociedade equilibrada é aquela que tem freios e contrapesos. Se nós tivermos um poder soberano, um poder que não deixa se influenciar pela opinião pública ou que se fecha hermeticamente, isso vai fazer muito mal para o País.

Este sentimento de superioridade do Judiciário está ligado a questões culturais do Judiciário e dos operadores do direito no Brasil?
Acho que sim. Um pouco à cultura de que o Poder Judiciário deve ser soberano ou de que pode se sobrepor a outros poderes. A concepção de estado que é preconizada há muitos anos por Montesquieu é que essa tripartição de poder é exatamente para estabelecer equilíbrio e para que um poder exerça o controle ou ajude a controlar eventuais excessos de outros poderes. E o Judiciário constantemente faz esse controle dos atos do Executivo, do Legislativo, contém os abusos. Então é preciso que se tenha um mecanismo para que o Judiciário possa seguir suas missões constitucionais sem desvio de conduta.

Logo que a ministra corregedora do CNJ Eliana Calmon declarou que há “bandidos atrás da toga” houve reações duras dos magistrados. O Tribunal de Justiça do Paraná lançou uma campanha de valorização dos juízes. O senhor acha que os juízes precisam de mais auto-estima?
Nós reconhecemos a importância da atividade da Justiça e o papel dos magistrados e também o fato de que a grande maioria da magistratura brasileira é composta por juízes sérios e trabalhadores. Isso não significa dizer que dentro da magistratura não existam pessoas que não trabalhem a contento e que eventualmente tenham práticas ilícitas. Isso reforça a tese da necessidade de controle. Toda essa realidade e essa celeuma estão a indicar que o pior que pode acontecer neste processo todo são campanhas para dizer: “Não precisa mexer na magistratura, não precisa mexer no Judiciário porque está tudo muito bem”. Não, não está tudo muito bem. Nós sabemos que a Justiça tem problemas.

As reações dos magistrados são reações corporativistas?
É evidente que essas reações têm nítido cunho corporativista. As pessoas que assim pensam, elas entendem que a magistratura resolve seus problemas por si só, que ela não depende de um órgão de controle externo, que ninguém mexa, porque cuidamos do Judiciário e cuidamos muito bem. Agora se partir da premissa que o Poder Judiciário também emana do povo, então o povo tem o direito de participar, de ter mecanismos de controle sobre este poder.

Em relação às investigações no Tribunal de Justiça de São Paulo seria incumbência do CNJ investigar?
Isto revela como é que nós devemos apurar estes fatos, como vamos controlar eventuais excessos, se no próprio estado isso não aconteceu, se essa apuração não aconteceu no próprio estado. Nós temos que esperar o tribunal de lá agir para poder o CNJ atuar como instância recursal? Porque, na verdade, os que hoje estão defendendo isso dizem: “O CNJ vai atuar, mas como instância recursal”. Esses processos que envolvem os pagamentos no TJ de São Paulo são processos de anos e nunca chegaram à instância superior e nunca chegariam se não fosse uma ação do CNJ, especialmente da ministra Eliana Calmon. Isso não significa dizer que a gente tenha que partir de uma presunção de culpa. De que essa movimentação decorra de corrupção. Mas, se tem uma movimentação fora dos padrões, é preciso investigar. É isso que precisa fazer. Não há grandes mistérios e não há motivos para temores. Não temos que investigar? Não temos que punir eventuais juízes que não cumprem suas missões. Estão desvirtuando a discussão, tirando o foco da discussão principal que é a eficiência do Poder Judiciário e, com isso, dirigindo as baterias contra o CNJ, com o argumento de que este órgão pode ferir a autonomia dos tribunais.

O senhor mencionou a morosidade do Judiciário, um problema crônico que a reforma do Judiciário de 2004 se propunha a resolver…
Exato. É o que dizem da reforma do Judiciário. São defesas, são argumentos extremamente frágeis. Vamos buscar agilidade da Justiça simplesmente suprimindo recursos? Não é esse o caminho de uma Justiça mais ágil. É muito mais complexo e passa necessariamente pela gestão melhor do Poder Judiciário. E tudo isso – essa gestão da Justiça – é atribuição do CNJ. A Constituição Federal disse claramente qual era o papel do CNJ: participar e elaborar um plano estratégico do Poder Judiciário para aprimorar a gestão administrativa, financeira e também a verificação das condutas disciplinares dos juízes.

Que avaliação o senhor faz desses oito anos do CNJ, estabelecendo inclusive metas de produtividade para os juízes?
O CNJ é muito novo. Ele passou os quatro primeiros anos para constituição de suas bases. Eu diria que nos quatro últimos anos o CNJ vem tendo atitudes mais arrojadas para obter uma melhor produtividade. A questão do estabelecimento de metas: quando o CNJ estabeleceu metas para o Poder Judiciário, houve uma rebeldia de muitos segmentos da magistratura dizendo que aquilo era uma intromissão indevida, como se a prestação jurisdicional fosse algo de interesse apenas de juízes ou de desembargadores, como se isso não interessasse ao povo, como se não estivesse isso ligado ao funcionamento de um dos poderes da República. Existir um trabalho de coordenação nacional, tentando estabelecer patamares para aumentar a produtividade é o mínimo que se pode esperar de um planejamento do Poder Judiciário. Enxergar nisso uma interferência indevida é não conseguir compreender nem mesmo qual é o real papel do Poder Judiciário perante a sociedade brasileira.

Neste quesito, o avanço foi pouco com a reforma do Judiciário?
Ele foi pouco, mas começamos a mudar o modelo. Porque o modelo anterior era cada tribunal faz o que quer, cada tribunal tem um sistema de informativa, cada tribunal gasta muito dinheiro com seu sistema de informática que não se comunica com o sistema do STJ, que não se comunica com o sistema do STF e assim por diante. Esse cenário que a gente começa a mudar. A vinda do CNJ muda um pouco o modelo de gestão. Ainda não conseguimos avanços que a população sinta.

Fonte: Folha de Londrina

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