Congresso na OAB debate a cultura inquisitória do processo penal

Advogados, juristas, professores e acadêmicos iniciaram na noite desta quinta-feira (26), na OAB Paraná, uma ampla discussão sobre a mentalidade inquisitória que predomina no processo penal brasileiro. Até o final desta sexta-feira, especialistas vão expor o tema, propondo uma mudança de cultura em favor do sistema acusatório. Os debates fazem parte do V Congresso Internacional do Observatório da Mentalidade Inquisitória, promovido em parceria com a OAB, Instituto dos Advogados do Paraná e do Centro de Estudos de Justiça das Américas.

O congresso teve início com uma homenagem ao professor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, que há muitos anos vem propondo essa mudança de mentalidade no sistema processual. Jacinto Coutinho está se aposentando das funções de professor da Universidade Federal do Paraná, onde começou a dar aulas em 1985. Ele recebeu homenagens da família, representada pela esposa Aldacy Rachid Coutinho e pela filha Heloísa, e também da Universidade e do grupo de estudiosos que formam o Observatório, do qual é presidente de honra.

A secretária-geral da OAB Paraná, Marilena Winter, falou em nome da diretoria da OAB na abertura do congresso e lembrou que, no próximo dia 7 de maio, a Ordem fará uma sessão solene comemorativa dos 40 anos da VII Conferência Nacional dos Advogados, realizada em Curitiba, em 1978. Marilena destacou que os dois eventos têm em comum o grito pelo direito e pelas liberdades individuais. “Não é fácil exercer uma democracia efetiva. A democracia pressupõe dialética, teses, antíteses e não permite o cerceamento de defesa. A OAB é a casa da liberdade. Aqui se cultua o livre pensar”, afirmou.

Marilena Winter também fez referência ao homenageado, lembrando que na época da VII Conferência Nacional Coutinho frequentava os bancos da faculdade de Direito e ali já começava a se destacar. “Ele é motivo de imenso orgulho para esta casa, onde pontificou como conselheiro federal e primeiro presidente da Comissão de Advocacia Criminal. Também integrou a Comissão de Reforma do Código de Processo Penal”, destacou, mencionando a entrevista que o jurista concedeu à Revista da Ordem, onde explica porque o sistema inquisitório é incompatível com os princípios constitucionais.

Consciência crítica

O presidente do Observatório da Mentalidade Inquisitória, Marco Aurélio Nunes da Silveira, esclareceu que essa entidade de pesquisa foi constituída em 2016 para realizar estudos de processo penal, buscando mudar a cultura da mentalidade inquisitória, que se perpetuou no Brasil com o código vigente, regramento este elaborado num momento autoritário da história brasileira. “Essa mentalidade não é só dos juízes, é de todos nós”, afirmou. “Uma verdadeira reforma acusatória, democrática – disse – não é algo que vai se lograr instantaneamente. Por isso, eventos como este tentam formar uma consciência crítica em relação ao processo penal.”

Participaram da mesa de abertura também o desembargador Luiz Fernando Tomasi Keppen, representando o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, Renato Bettega; o presidente do IAP, Hélio Gomes Coelho Júnior; o presidente da Comissão de Advocacia Criminal da OAB Paraná, José Carlos Cal Garcia; e o vice-presidente do Observatório, Leonardo Costa de Paula. Após as homenagens ao professor Jacinto Coutinho, os professores Pasquale Bronzo, da Università la Sapienza di Roma, e Geraldo Prado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fizeram as duas conferências iniciais do congresso, que prossegue nesta sexta-feira, a partir das 9h.

O papel do advogado

No sistema acusatório, o advogado ganha protagonismo ao lado do Ministério Público. Neste contexto, o presidente da Comissão da Advocacia Criminal, José Carlos Cal Garcia Filho, pontua a necessidade do preparo para atuar de acordo com a proposta de um sistema adversarial, que tem como fundamento a oralidade. “O advogado não existe para si próprio, mas em favor daquele que está na condição de investigado de ter cometido alguma infração penal. Todas as prerrogativas legais que o advogado possui só fazem sentido como um instrumento de garantias de defesa do seu cliente. Portanto, dentro de um sistema de reforma das mentalidades das práticas, isso traz para o advogado uma responsabilidade muito grande”, afirma.

“Os advogados deixam ser protagonistas secundários e passam a ser atores principais, ao mesmo nível do MP, em mesmo grau de hierarquia. Não apenas como alguém que fica numa situação de passividade, mas que pode desempenhar um protagonismo muito importante. Isso é importante, sobretudo naquilo que diz respeito à necessidade de uma melhor capacitação dos advogados”, diz Cal Garcia.

“É preciso se preparar melhor, não apenas para desempenhar o seu papel na forma que temos hoje, mas para exercer seu papel numa proposta de sistema adversarial, apresentar as suas razões, as suas provas e, principalmente, de enfrentamento daquilo que é posicionado pela acusação numa audiência presencial, oral, em que a palavra passa a ser o instrumento por excelência de defesa que o advogado se utiliza”, completa.

Prerrogativas

De acordo com Cal Garcia, o principal ponto de violação das prerrogativas e, portanto, dos direitos do acusado, é a ausência de transparência em relação ao material probatório colhido durante a investigação. “Muitas vezes durante a investigação pode-se colher provas da própria inocência do acusado, mas a defesa não tem acesso a isso. Mas não é só. A informação e a transparência do processo são absolutamente fundamentais para o exercício de direito de defesa. Você só pode falar em contraditório efetivo se aquele que tem o direito de se manifestar em sua defesa tem conhecimento de antemão do material probatório que está ao dispor da acusação”, argumenta.

“Se fizermos um paralelo com a liberdade de expressão que está na Constituição, só é possível exercer plenamente a liberdade de expressão se você tem a liberdade de informação. E esta é uma das prerrogativas mais violadas hoje, que é o direito de acesso aos autos da investigação, direito ao processo, direito a ter conhecimento daquele material que existe dentro do processo. Estes são os casos em que a OAB é mais chamada a atuar, nos casos em que se esconde do advogado – e do acusado, portanto – uma investigação e todo o material colhido em desfavor do cliente”, explica.

Homenagem

Uma das referências em Direito Processual Penal, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho se formou em Direito pela Universidade Federal do Paraná em 1980, onde também fez mestrado em Direito em 1987. O processualista — que também é especialista em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1984) e Doutor em Diritto Penale e Criminologia pela Università degli Studi di Roma — La Sapienza (1988) — começou a dar aulas na universidade paranaense em 1985, onde ocupou a cadeira de Professor Titular de Direito Processual Penal até março de 2018. Coutinho foi Chefe do Departamento de Direito Penal e Processual Penal no biênio 2014–2016, além de coordenar o Núcleo de Direito e Psicanálise do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR.