Artigo do secretário-geral da OAB Paraná analisa julgamento do casal Nardoni

O jornal Gazeta do Povo publicou na edição desta segunda-feira (29), um artigo do secretário-geral da OAB Paraná, Juliano Breda, na página Opinião, sob o título O Julgamento. O texto analisa o aspecto jurídico e a comoção popular em torno do caso Isabella. Confira o artigo na íntegra:

O julgamento
Juliano Breda

Isabella agora pode descansar em paz. Nós não temos esse direito. Fomos todos condenados a nunca mais esquecer esse caso, a olhar diariamente para nossos filhos e lutar contra o triunfo do mal
Poucas vezes presenciamos tamanha força e repercussão de uma decisão judicial. Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá foram condenados pela morte de Isabella Nardoni e esse julgamento continuará sendo objeto de nossas reflexões por longo tempo. O Código de Ética Profissional não nos permite fazer juízo sobre a culpa ou inocência dos acusados e por isso apenas outros aspectos admitem avaliações.
A condenação aplacou o sentimento popular diante de uma tragédia familiar que ganhou uma impressionante repercussão nacional, e esse é o primeiro ponto a ser desvendado nesse caso. Quais as características que o transformaram em um símbolo de justiça para toda a sociedade? O caso distinguiu-se dos demais especialmente em face da dificuldade em identificarmos, compreendermos e aceitarmos os motivos para um crime que aniquila todos os sentimentos de compaixão e devasta os resquícios mínimos de humanidade.
A incredulidade, primeira reação popular ao fato, cedeu espaço à indignação. As expressões comoção social e clamor público nunca foram tão pertinentes. Os acusados negaram o crime. Diante de toda pressão, alguns cogitaram que pudessem confessar perante o Tribunal do Júri. Ouvidos, reiteraram sua inocência.
A decisão foi processualmente legítima, mas a carga emocional criada pela expectativa de todo o país era tão violenta que provavelmente qualquer jurado preferisse optar pela condenação dos acusados ainda que em sua convicção subsistisse uma fundada dúvida, subvertendo um princípio jurídico cuja origem se perde na história.
A fundamentação da sentença condenatória retratou fielmente o senso comum criado em torno dos fatos: “as circunstâncias específicas que envolveram a prática do crime ora em exame demonstram a presença de uma frieza emocional e uma insensibilidade acentuada por parte dos réus, os quais após terem passado um dia relativamente tranquilo ao lado da vítima, passeando com ela pela cidade e visitando parentes, teriam, ao final do dia, investido de forma covarde contra a mesma, como se não possuíssem qualquer vínculo afetivo ou emocional com ela, o que choca o sentimento e a sensibilidade do homem médio”.
Não foi apenas o júri da morte de Isabella. Todos nós éramos, ao mesmo tempo, vítimas e réus. Julgou-se também nossa capacidade de entender e reagir às causas dessa violência brutal que cresce a cada dia, em nossas cidades, em nossas ruas, diante de uma irresponsável omissão coletiva. Quando os canais de televisão anunciaram o resultado do julgamento, iniciou-se um foguetório, e a população comemorou a condenação. Se o desejo de justiça foi contemplado, a decisão reconheceu a existência de um episódio de horror. Não há motivo para celebrações, pois a dor e o luto ainda permanecerão por longo tempo.
Isabella agora pode descansar em paz. Nós não temos esse direito. Fomos todos condenados a nunca mais esquecer esse caso, a olhar diariamente para nossos filhos e lutar contra o triunfo do mal.
No imaginário popular, durante a leitura da sentença nos primeiros minutos do dia 27 de março de 2010, a pequena Isabella, in memoriam, tomou o reinado de Themis, a deusa da justiça. Seu rosto representava dor, crueldade e violência. Hoje, o sorriso de Isabella simboliza esperança, paz e justiça.

Juliano Breda, advogado criminalista, é doutor em Direito e secretário-geral da OAB Paraná.

Fonte: Gazeta do Povo

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