Assembleia rejeita Programa Escola Sem Partido; tema foi debatido no Pleno da OAB Paraná

Por 27 votos contrários a 21 favoráveis, o projeto para instituição do Programa Escola Sem Partido no sistema de ensino do estado foi derrubado em primeiro turno de votação na sessão plenária desta segunda-feira (16/9), na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). A proposta de 606/2016 previa que cartazes fossem colocados nas escolas públicas e privadas do Paraná, determinando limites que não poderiam ser ultrapassados pelos educadores para evitar o “doutrinamento” por parte de professores em salas de aula.

O assunto foi debatido pelo Conselho Pleno da OAB Paraná em abril, tendo como ponto de partida o relatório apresentado pelo conselheiro Anderson Rodrigues Ferreira, segundo o qual há inconstitucionalidade formal e material em diversos pontos da proposta. Para elaborar seu parecer ele contou com a colaboração das comissões da Criança e do Adolescente (CCA), e Estudos Constitucionais, de Estudos sobre Violência de Gênero (Cevige), de Defesa dos Direitos Humanos, de Assuntos Culturais e de Diversidade Sexual e de Gênero. Após a discussão, o Pleno posicionou-se pela inconstitucionalidade do PL 606/2016, que tramita na Alep e de ingressar como amicus curiae, também considerando inconstitucional o PL 005.00275.2017 da Câmara Municipal de Curitiba, cuja tramitação segue trancada.

<h3>Falhas</h3>

Entre as inconstitucionalidades apontadas estão itens como vício de iniciativa; geração de despesas sem dotação orçamentária; desrespeito aos artigos 205 e 206 da Constituição Federal, que tratam do direito à educação e da liberdade de cátedra; e, ainda, desrespeito à Carta de Direitos de San Salvador, tratado internacional que se refere mais detalhadamente à educação. “Existe uma questão legal, o vício de iniciativa, que é da União. Aí está a primeira inconstitucionalidade. Há ainda a preocupação com o patrulhamento ideológico e punições subjetivas. É claro que o ensino deve ser amplo, com a demonstração de todas as linhas de pensamento, mas não se pode a título de neutralidade, exercer censura prévia sobre os professores, querendo avaliar o direito de opinião, dizendo o que pode e o que não pode ser dito em sala de aula”, avaliou o presidente da OAB Paraná, Cássio Lisandro Telles, por ocasião do debate no Pleno.

“A própria Constituição diz que o ensino deve ser ministrado com a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”, avalia Telles. Para Ferreira, é fundamental garantir a pluralidade no ambiente escolar, caminho inverso do projeto que, em sua visão, levaria à redução do conhecimento. “A motivação é puramente ideológica. A rejeição da proposta pela Assembleia mostra que nosso posicionamento na Ordem estava correto ao ver na projeto uma afronta ao Estado Democrático de Direito. A liberdade de aprender e ensinar é necessária para a construção de uma democracia cada vez mais ampla e plural”, destacou.

<h3>Vitória</h3>

O presidente da Comissão de Acompanhamento Legislativo, Emerson Fukushima, destacou a relevância da decisão. “Entendemos que é uma grande vitória para a sociedade. A Ordem entregou ao presidente da Alep, Ademar Traiano, o parecer aprovado pelo Conselho Pleno apontando a inconstitucionalidade do projeto. Esse documento foi distribuído aos parlamentares e temos certeza que os argumentos ali expostos contribuíram decisivamente para a rejeição da proposta. Esse parecer também embasou o trabalho realizado pelo primeiro secretário da Casa, deputado Luiz Claudio Romanelli”, destacou. “A Comissão de Acompanhamento Legislativo também esteve presente durante todas as etapas, da entrega do parecer até a votação”, lembrou Fukushima.

A presidente da Comissão da Criança e do Adolescente, Bruna Marques Saraiva, ressaltou  a importância do veto do projeto. “Acertadamente, o projeto de lei em referência foi rejeitado pela Assembleia Legislativa do Paraná, porquanto claramente inconstitucional, vez que buscava desautorizar a liberdade de cátedra prevista no artigo 206 do texto constitucional, que proporciona aos estudantes o pluralismo educacional, fundamental na preservação de uma sociedade democrática”.

<h3>Liberdade de cátedra</h3>

“A votação de ontem prestigia a liberdade de cátedra dos professores e o direto à educação livre, plural e sem censura de crianças e adolescentes. São direitos que estão tanto na nossa Constituição quanto em documentos internacionais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos. Entendemos que para o pleno exercício do direito à educação é fundamental a liberdade de expressão e isso só vai acontecer se for garantida a liberdade de difundir suas ideias”, disse a advogada vice-presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero (CEVIGE), Sandra Lia Barwinski.

Sandra Lia acrescenta, ainda, que um passo importante para o enfrentamento à violência de gênero – incluídas neste contexto a violência doméstica contra a mulher, femininicídio, lesbofobia – é que se tenha um espaço fértil para a discussão das relações desiguais de gênero. “Entendo que este movimento da Escola Sem Partido não proporciona este ambiente e seria um espaço em que se tolheria a diversidade, a liberdade das pessoas, enfim, não teríamos ambiente adequado para o enfrentamento à violência de gênero”, pontuou.

“Assegurar uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade é dever do Estado. Promover oportunidades de aprendizado ao longo da vida é obrigação do Estado. Enfrentar a violência de gênero e a discriminação é obrigação do Estado e a escola é sim espaço para isso. Acredito que enquanto o Estado se perde nesse movimento [da Escola sem Partido], perde uma oportunidade ímpar de falar sobre os reais problemas a educação: falta de estrutura, falta de vagas, falta de incentivo aos professores, fomento à educação. A educação formal pública tem sérios problemas no Brasil e este movimento parece uma nuvem de fumaça para não se discutir essas questões”, complementa Sandra.

<h3>Comissões atuantes</h3>

“A rejeição do Projeto Escola Sem Partido na Assembleia Legislativa do Paraná reflete o resultado do importante papel que as comissões de Diversidade Sexual e de Gênero (CDSG) e de Estudos de Violência de Gênero (CEVIGE) exercem na defesa de uma escola livre, plural e sem censura. Esse trabalho foi reconhecido e endossado pelo Conselho Estadual da OAB Paraná num importante parecer, determinante para que as Deputadas e Deputados se posicionassem em favor de uma sociedade democrática e inclusiva. Muito feliz por essa conquista”, pontua a presidente da Comissão da Diversidade Sexual, Ananda Puchta.

Argumentação na Alep

Na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), nesta segunda-feira, a matéria praticamente dominou as discussões durante toda a sessão. Após a derrota em plenário, o deputado Ricardo Arruda voltou a defender que o projeto é totalmente constitucional e que atende os anseios da maioria dos paranaenses. “O projeto respeita a Constituição e protege as crianças e as famílias de bem. O projeto não proibia o professor de dar aulas, mas determinava sim o fim da doutrinação ideológica nas salas de aula. Infelizmente foi rejeitado, mas eu fico tranquilo porque o Governo Federal, por meio do presidente Jair Bolsonaro, vai aprovar o Escola Sem Partido em todo o país. Eu queria que o Paraná fosse o estado pioneiro neste tipo de legislação”, disse Arruda.

O líder da Oposição, deputado Tadeu Veneri (PT), subiu às tribunas para encaminhar contrário à proposta e ressaltar que o projeto era completamente inconstitucional. “Nós não podemos legislar sobre o sistema educacional. Não compete à Assembleia dizer como, quando ou de que forma serão feitos e elaborados os planos educacionais. Felizmente não compete aos deputados estaduais fazerem isso, porque seria uma pressão muito grande aos parlamentares estaduais. Quem faz isso é o Governo do Estado. É o Poder Executivo e sua Secretaria de Estado da Educação”, explicou Veneri.