Cecília Maria Vieira Helm lança obra sobre laudos periciais antropológicos para a investigação da antiguidade da ocupação de terras indígenas

Quando foi convidada, em 1994, para realizar um laudo pericial antropológico da parte em litígio da Terra Indígena Mangueirinha, Cecília Maria Vieira Helm buscou investigar o tema em profundidade, usando sua larga experiência de pesquisa entre os Kaingang e os Guarani. O trabalho da antropóloga, filha de um dos maiores ícones da advocacia paranaense, o advogado José Rodrigues Vieira Netto, ajudou na elucidação da morosa questão que tramitava na Justiça Federal há décadas.

Os resultados desse trabalho, que aproximou Antropologia com a Ciência do Direito, estão publicados no livro “A contribuição dos laudos periciais antropológicos para a investigação da antiguidade da ocupação de terras indígenas no Paraná”. A obra será lançada nas próximas semanas.

Confira o que Cecília Maria Vieira Helm diz sobre o trabalho:

Antropologia e Ciência do Direito

A obra trata sobre os direitos dos Povos Indígenas, os conflitos que ocorrem entre índios e não índios, quando são disputadas na Justiça porções de terras indígenas. Na Antropologia, na Etnologia Indígena, são produzidos laudos, com a colaboração da Ciência do Direito, quando uma Terra Indígena é invadida e ocupada por não índios.

No caso da Terra Indígena Mangueirinha, localizada no Sudoeste do Estado do Paraná, desde 1974, ocorre um processo, quando a Fundação Nacional do Índio decidiu entrar na justiça, para defender a área de terras dos indígenas, restringidas em 1949, devido a um acordo realizado entre os Governos Federal e do Estado do Paraná. Uma parte da área de terras foi negociada com grupos de empresários madeireiros que ocuparam a área e formaram uma fazenda, no centro da terra tradicional indígena.

Os Kaingang e os Guarani habitantes do local se rebelaram com a notícia da negociação e iniciaram um movimento social para poder expulsar os não índios de suas terras. Houve a necessidade de ser elaborado um Laudo pericial antropológico para estudar em profundidade o caso da Terra Indígena Mangueirinha que se arrastava na Justiça Federal há várias décadas. Utilizei os métodos e práticas da Antropologia, da Etnografia, e obtive provas da ocupação tradicional indígena, como recomenda a Ciência do Direito.

Censos da população indígena realizados em 1934 pelo indigenista Deocleciano de Souza que consultei provam que os Kaingang e os Guarani já se encontravam na área, antes do Acordo de 1949 e havia um Decreto realizado em 1903, que determinava que a área é dos índios devido a trabalhos de abertura de picadas, estradas entre a Colônia Militar do Chopim e as povoações de Palmas e Guarapuava. Também localizei o cemitério Guarani, localizado na área em litígio, que teve de ser deixado de usar, por causa da invasão de terceiros. O cemitério é local sagrado não pode ser violado. É uma prova da ocupação indígena da área.

A obra pública a sentença do juiz federal Mauro Spalding, que elaborou e publicou, em 2005, a sentença favorável aos indígenas de Mangueirinha.

Contribuição do livro para a sociedade

O livro trata sobre os laudos antropológicos que realizei nos anos de 1995 e 1996, por determinação da Justiça Federal, do Ministério Público Federal, a pedido da Fundação Nacional do Índio, com o apoio do Departamento de Antropologia da UFPR.  Foi realizado um acordo, em 1949, pelos Governos do Paraná e Federal, para serem reduzidas as terras indígenas no Sul do Brasil, com prejuízo para as etnias indígenas Kaingang e Guarani, localizadas no Estado do Paraná. O acordo afirmava que seria necessário instalar colonizadores não índios, para o desenvolvimento econômico do Paraná.

A obra informa que, desde 1903, as terras indígenas habitadas pelos Kaingang chefiados pelo cacique Antônio Joaquim Kretã foram doadas por Decreto do Governador do Estado do Paraná, aos indígenas, que auxiliaram os militares a abrir caminhos, estradas para a comunicação entre a Colônia Militar do Chopim e os povoados de Palmas e de Guarapuava. Em 1915, o cacique Capanema permitiu que um grupo de índios da etnia Guarani construísse aldeias nas proximidades do rio Palmeirinha, na extremidade da Terra Indígena Capanema que mais tarde passou a se chamar Terra Indígena Mangueirinha.

O livro deixa claro que as terras ocupadas pelos indígenas historicamente são deles e devem ser respeitadas pela sociedade dos não índios. Hoje há uma luta forte das etnias indígenas, para que seus territórios de ocupação tradicional sejam regulamentados. A obra trata em profundidade da importância de serem produzidos laudos antropológicos, para que as perícias desvendem a ocupação tradicional, ou não, das etnias indígenas.

As culturas das etnias indígenas têm de ser respeitadas, são diferenciadas, constituem patrimônio cultural, seus territórios devem ser mantidos, preservados, para o bem-estar das comunidades indígenas. No Paraná, a etnia Xetá foi atingida pela frente de expansão cafeeira, na década de 50. O seu antigo território está ocupado até os dias de hoje.  O processo se arrasta na Justiça há vários anos.

Os quesitos foram respondidos e os laudos estudados pelo Juiz Federal que leu todo o processo. Tinha 14.000 páginas em 1996. Concluiu pela elaboração da sentença favorável aos indígenas da Terra Mangueirinha.  A Des. Tessler da 4ª. Região Federal de Porto Alegre, acompanhou a sentença do MMo Juiz Feral, Mauro Spalding e elogiou o trabalho do Juiz Federal, bem como o notável ex-presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, também acompanhou a sentença favorável aos indígenas da Terra de Mangueirinha. Elogiou o Laudo antropológico que fundamenta os trabalhos realizados.

A importância dos laudos antropológicos deve ser do conhecimento dos estudiosos de História, Etnologia, Direito. As lideranças indígenas acompanham os estudos, bem como os índios idosos que têm conhecimento sobre a história de seu grupo étnico devem servir de informantes aos peritos.