Especialistas criticam recompensa financeira ao informante e confusão de conceitos sobre caixa 2

O terceiro painel do debate sobre o Projeto Anticrime, promovido nesta sexta-feira (15) pela OAB Paraná, com especialistas da área do Direito Penal, avaliou as propostas referentes à introdução da figura do “informante do bem” ou do whistleblower na denúncia de crimes contra a administração pública e à criminalização do caixa 2 de campanhas eleitorais. Também foi tema do painel a competência para o julgamento de crimes com reflexos eleitorais. Participaram da mesa, presidida pelo diretor de Prerrogativas da OAB Paraná, Alexandre Salomão, os advogados Camila Forigo, Renato Cardoso de Almeida Andrade e Alaor Leite.

A advogada Camila Forigo, mestre em Direito Penal pela PUCPR e secretária da Comissão da Advocacia Criminal da OAB Paraná, criticou a previsão, existente no projeto, da figura do “informante do bem”, com direito de relatar informações sobre crimes contra a administração pública, sendo inclusive recompensado financeiramente quando as informações disponibilizadas resultarem na recuperação do produto do crime.

“O ato deixa de ser ético e cidadão para ser um ato financeiro. Há um desvirtuamento. Vamos tirar o dinheiro do corrupto para dar a quem presta informações”, analisa Camila Forigo, para quem o projeto também é muito vago ao delimitar critérios para informações consideradas úteis. De acordo com a advogada, o ministro da Justiça importou elementos da legislação americana sem as devidas considerações do direito brasileiro. Colaboração, proteção e recompensa formam um tripé existente na legislação americana.

“Oferecer recompensa financeira ao informante cria um cenário muito perigoso. Pode dar margem a injustiças e denúncias não condizentes com a realidade”, afirmou. O projeto também não estabelece penalidades a que o informante está sujeito quando presta informações falsas.

Legislar com emoção

O julgamento do Supremo Tribunal Federal, definindo por 6 a 5 que todos os crimes conexos aos crimes eleitorais devem ser julgados pela Justiça Eleitoral, foi comentado pelo advogado Renato Cardoso de Almeida Andrade, professor do Instituto Romeu Bacellar, logo no início de sua palestra. O seu tema se referia justamente à competência para julgamento de crimes com reflexos eleitorais e, na sua avaliação, o que foi decidido pelo STF é o que está na Constituição.

Renato Andrade disse que há, no Brasil, uma mania de se legislar com a emoção. “Foi assim com a lei dos crimes hediondos. Agora estamos na era dos crimes contra a administração pública”, comparou. O advogado criticou a postura de promotores e magistrados no combate aos crimes de corrupção.

“A Lava-Jato nasceu em razão de gravíssimos crimes de corrupção na Petrobrás. O país aplaudiu. E a cada milhão que se dizia ter sido objeto de corrupção, mais pessoas aplaudiram os responsáveis pela operação. Isso levou a um protagonismo além do razoável daqueles que começaram a trabalhar de forma séria, mas cujo narcisismo transformou-se na própria flecha a atingir o coração”, apontou.

Para Renato Andrade, se o STF tivesse julgado de forma diferente a questão da competência para os crimes conexos aos crimes eleitorais, estaria mais uma vez criando a figura da “mutação constitucional”, da mesma forma que fez ao decidir ser possível a prisão após condenação em 2º grau. “Princípios da dignidade da pessoa estão sendo violados diariamente pelo STF”, criticou.

Confusão de conceitos

Esclarecer a diferença entre caixa 2 e financiamento irregular de campanhas políticas foi o objetivo do advogado Alaor Leite, doutor pela Universidade de Munique e pela Universidade Humboldt de Berlim, para mostrar a confusão de conceitos existente no projeto de lei anticrime. Segundo o advogado, o caixa 2 eleitoral, ou seja, a manutenção de uma contabilidade paralela num partido político não configura um crime em si.

“Ele pode configurar um crime quando os responsáveis pelo partido não declaram determinada movimentação de recursos para a Justiça Eleitoral e aí foi cometido o delito de falsidade ideológica eleitoral (art. 350 do Código Eleitoral). Mas a mera manutenção de um caixa 2 não é crime. Pode ser um ato preparatório de um delito de corrupção, pode ser uma falsidade ideológica eleitoral, mas não é um crime em si”, explicou.

A discussão que se coloca, de acordo com Alaor Leite, é se a mera manutenção de um caixa 2 de um partido político, que é pessoa jurídica de direito privado, deve ser um fato criminoso ou não.  Ele lembra que essa previsão já constava da chamada 10 medidas contra a corrupção, do PLS 236 (que reforma todo o Código Penal), e agora aparece também no projeto de lei apresentado pelo ministro Sérgio Moro.

Segundo Leite, a tendência mundial não é criminalizar o caixa 2 eleitoral. “A tendência mundial é criminalizar o ingresso irregular do dinheiro dentro do partido e não o que o partido faz com o dinheiro”, disse. “O caixa 2 eleitoral em si não tem nada a ver com a corrupção. Corrupção tem a ver com administração pública. E partido político é pessoa jurídica de direito privado. No projeto se vê a confusão conceitual – corrupção, financiamento irregular e caixa 2 são todos colocados num mesmo balaio.”