”O sistema criminal precisa ser repensado. Não podemos ignorar nossa realidade”, diz Rodrigo Sánchez Rios

O segundo painel do debate sobre o Projeto Anticrime, realizado na OAB Paraná nesta sexta (15), abordou mais alguns pontos do projeto de lei apresentado pelo governo federal. Participaram a advogada Marion Bach, o advogado Marlus Arns de Oliveira e o secretário-geral da OAB Paraná Rodrigo Sánchez Rios. A presidente da mesa foi Nicole Trauczynski, advogada e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).

A primeira observação de Marion Bach foi em relação à denominação do projeto. “O nome do Projeto Anticrime é capcioso, aquele que se coloca contrário parece que é favorável ao crime. E não se trata disso”, observou a conselheira federal da OAB Paraná. O tema de sua exposição foi “Medidas para endurecimento das penas criminais”.

Marion destacou que o ministro Sérgio Moro responsável pela proposta disse que não faria um projeto para agradar professores “O que causa estranheza, pois ele mesmo é um excelente professor”, observou a advogada, que também é professora de Direito Penal da Unicuritiba e da FAE. Ela apontou que, de fato, o projeto traz imprecisões técnicas e equívocos na escolha dos termos, que não condizem com o linguajar acadêmico. Entre os exemplos ela citou a utilização do termo “criminoso habitual”, que é impreciso, é difícil de definir do que exatamente se trata. Outro ponto seria chamar um crime de insignificante, o que é uma contradição, pois quando há insignificância não há crime.

Progressão de pena

Com relação à progressão de pena, ela citou aspectos controversos como a tentativa retomar a utilização dos exames psicológicos, que são bastante questionados e até mesmo Conselho Federal de Psicologia, que diz que são de pouca credibilidade. “Trazer de volta a ideia do exame criminológico é trazer algo que já está sendo superado”, avaliou Marion.

Outro aspecto analisado pela advogada é a ausência de possibilidade fixar regime semiaberto ou aberto para alguns crimes, como os hediondos – ela lembrou que hoje a falsificação de cosméticos é um ato elencado entre os crimes hediondos. A professora de direito penal lembrou que já há no ordenamento jurídico possibilidades para que, em casos muito gravosos, o magistrado possa fixar um regime diverso do que está previsto em lei. Essas alternativas estariam previstas nas Súmulas 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal (STF).

Outro ponto foi o aumento dos prazos prescricionais. “Hoje, no Brasil, os prazos prescricionais já são bastante elevados”, considerou Marion e lembrou da teoria psicológica da prescrição: se há demora para punir quem comete um crime em determinado momento, quando responder já será outra pessoa, que foi transformada com o passar do tempo.

Como chegamos aqui?

O advogado Marlus Arns de Oliveira provocou a plateia a pensar sobre o que trouxe o sistema penal brasileiro a essa realidade. “Enquanto não tivermos alternativas de desencarceramento, não é encontraremos a solução. Esse projeto é um projeto de encarceramento”, iniciou. “É preciso entender como chegamos até aqui”, disse o doutor em Direito pela PUC Paraná.

Ele relembrou sua atuação desde 1999, quando atuava na CC5 no Banestado. ”A jurisprudência foi firmada a consolidada. Essa é uma realidade”, disse Oliveira. “Temos uma parcela de responsabilidade em termos deixado esse cenário chegar aqui. Temos inúmeros réus condenados por organização criminosa, cujos corréus não estão na mesma fase da operação”, analisou Oliveira.

Arns de Oliveira observou que quando o então ministro da Justiça Alexandre de Moraes apresentou um projeto de alteração na legislação penal, a advocacia criticou. Para ele, agora vem um projeto pior e o anterior já não parece mais tão ruim. “Os dois projetos são péssimos. Daqui a pouco vem um pior ainda”, disse ele alertando sobre a possibilidade acabar sendo aprovada a proposta que não pareça tão ruim.

O expositor disse ter certa boa vontade com relação ao plea bargain. “O projeto tem pontos que nós podemos acrescentar. Precisamos apresentar soluções. Não adianta termos críticas ao projeto e não apresentarmos algo novo”, ressaltou.

Com relação ao novo tratamento legal das organizações criminosas, tema que intitulou sua exposição, o advogado criticou o fato de determinadas organizações serem nominadas na proposta do governo. “Daremos a essas instituições um caráter oficial que elas não merecem ter e corremos o risco de nominar movimentos sociais como organizações criminosas em determinado momento, dependendo do contexto e do governo”, avaliou Arns.

Confisco alargado

O secretário-geral da OAB Paraná, Rodrigo Sánchez Rios fez uma exposição sobre o confisco alargado. O Projeto Antricrime prevê a perda “dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com seu rendimento lícito”.

Para Rios, o crime não pode compensar e a Constituição Federal é clara em relação ao assunto ao definir no artigo 5º, parágrafo XLV que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

Rios considera necessárias medidas mais incisivas do ponto de vista do confisco de bens. “O sistema criminal precisa ser repensado. Precisamos ao máximo lutar pelas garantias dos profissionais, mas sem ignorar nossa realidade”, disse. “Todos nós queremos uma país melhor e um país mais justo. Temos que respeitar as garantias, mas não posso ignorar que a criminalidade é diversa”, considerou o advogado que também é professor da PUC.

Ele mencionou ainda que a natureza da colaboração premiada ainda é pouco compreendida, pois não é penal, é civil. “A essência do negócio jurídico personalíssimo é civil”, apontou. “É preciso menos retórica, mais objetividade. Saudades do Pontes de Miranda!”, declarou ao concluir sua exposição.

Ao debater com colegas e ter seu posicionamento mais compatível com o Projeto Anticrime questionado, ele argumentou: “O capitalismo não pode gerar dinheiro por meio da fraude, não pode gerar renda por meio de crime”. E completou: “ Precisamos de menos direito penal, mas temos que ter direito penal. Isso aqui não é a Dinamarca”, finalizou Rios.