Legado de João Pamphilo d´Assumpção se reflete até os dias de hoje na força e proeminência da advocacia paranaense

Há 88 anos, um grupo de 127 advogados fundava a OAB Paraná, sob a liderança do jurista João Pamphilo Velloso   d´Assumpção. Um dos intelectuais mais respeitados de sua geração, o legado do primeiro presidente da seccional se reflete até os dias de hoje na força e proeminência da advocacia paranaense.  

A trajetória do advogado negro, jurista visionário e professor de gerações de profissionais foi relembrada e enaltecida neste 11 de agosto, Dia do Advogado, num diálogo mediado pelo presidente da OAB Paraná, Cássio Telles, e pela presidente da Comissão de Igualdade Racial  Andreia Vitor, que contou com as presenças do ex-presidente José Lúcio Glomb (triênio 2010-2012), do presidente do Instituto dos Advogados do Paraná, Tarcísio Kroetz, do professor da Universidade Federal do Paraná, Eroulths Cortiano Junior, da secretária-geral adjunta da Caixa dos Advogados do Paraná, Silvana Cristina Niemczewski, e do membro consultor da Comissão de Igualdade Racial da OAB Paraná, André Nunes da Silva.  

Ao saudar os participantes, Telles ressaltou a trajetória do jurista negro, frisando que além de referência em sua época foi um ilustre personagem da história da advocacia e do Paraná. “Quero dizer do nosso orgulho de estarmos comemorando o Dia do Advogado enaltecendo este nome, principalmente em tempos tão difíceis como os que estamos vivendo”, disse Cássio Telles, destacando o compromisso e a dedicação da advocacia apesar dos novos desafios que enfrenta diante da pandemia.  “Continuamos firmes trabalhando em nossos escritórios, até correndo riscos fazendo atendimentos porque não podemos deixar nossos constituintes desamparados. Estamos nos reinventando, superando os obstáculos para que o cidadão seja atendido. É um momento de júbilo, mas, sobretudo, de reconhecimento pelo trabalho e dedicação de cada um em suas batalhas diárias”, disse.

“Que este dia sirva para revigorar e nos fazer mais comprometidos com o compromisso de servir à sociedade. Para nós, o jurista João Pamphilo Velloso d´Assumpção é uma referência, uma lembrança do altruísmo e de dedicação, qualidades que demonstrou desde o início de sua luta”, completou Telles.

O presidente do IAP apontou o espírito visionário e a coragem de Pamphilo d´Assumpção, que segundo ele “conseguiu criar uma casta de pensadores que criticam, que questionam situações com as quais não concordam”. “Não à toa a Medalha Pamphilo Velloso d´Assumpção, instituída pelo IAP, homenageia advogados paranaenses que foram ousados e corajosos como ele. É por todas essas razões que o instituto gostaria de saudar aos colegas, parabenizando pelo Dia do Advogado todos aqueles que têm como vocação servir ao próximo, defender os interesses e garantias dos cidadãos”, afirmou.

Legado

Natural de Curitiba, João Pamphilo Velloso d´Assumpção nasceu em 7 de setembro de 1868. Graduou-se em 1889 pela Faculdade de Direito de São Paulo, na mesma turma do poeta Emiliano Pernetta e do jurista Otávio do Amaral. Nos anos seguintes, dedicou-se aos estudos e à profissão de advogado para conseguir, em 1897 o grau de Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, num concurso para catedrático substituto de um grupo de cadeiras referentes à área de Economia e Administração.

Quando retornou a Curitiba, Pamphillo d’Assumpção abriu seu escritório e passou a contribuir com a imprensa local, com crônicas e críticas artísticas. Foi o fundador e primeiro presidente do Instituto de Advogados do Paraná, sendo reeleito para o cargo durante 15 anos. Foi também fundador da primeira faculdade de Direito do Paraná e do Centro de Letras do Paraná, junto com Emiliano Perneta, em 1912.

Em 1932,  um grupo de abnegados advogados sob a liderança de Pamphillo d’Assumpção instalaram a Seção Paranaense da OAB. Em fevereiro foi constituído o primeiro conselho da entidade e um mês depois apreciados os primeiros requerimentos de inscrição de cerca de 100 bacharéis. Em maio daquele ano, a OAB Paraná faria a primeira defesa de prerrogativas profissionais, manifestando-se contra decreto baixado pelo governo que vedava a sustentação oral em certas causas, como falências, processos criminais originários e habeas corpus.  “A nossa instituição não poderia esquecer Pamphilo, merecedor de todas as homenagens. Liderança e trabalho em favor da liberdade e da justiça, que lutou e superou dificuldades gigantescas”, afirmou José Lúcio Glomb.

“Nosso primeiro bâtonnier foi, acima de tudo, um vencedor num mundo difícil, tendo nascido quando ainda vigia a escravidão. Sua coragem, inteligência, trabalho e comportamento ético nos legou a lição da igualdade, que deve ditar todo o comportamento humano. Tomemos a trajetória do professor doutor como exemplo de superação da desigualdade e símbolo de uma luta que acabará apenas quando todos formos iguais independente de nossas condições. Não devemos nos calar quando vemos atitudes que discriminam”, frisou Glomb.

Em abril de 1932 foram criadas as primeiras subseções: uma em Curitiba – abrangendo as comarcas de Paranaguá, União da Vitória, Rio Negro e Palmeira – e outra com sede em Ponta Grossa – compreendendo as comarcas de Castro, Tibagi, Santo Antônio da Platina e Prudentópolis. Em julho daquele ano, a primeira diretoria efetiva tomou posse e em dezembro, sempre de 1932, empossou-se o primeiro Conselho efetivo. Em 31 de dezembro daquele ano, inscreveu-se a primeira mulher da advocacia paranaense: Walkiria Moreira da Silva Naked.

João Pamphilo Velloso d´Assumpção ocupou o cargo de presidente da instituição de 1932 a 1937, dedicando a vida às causas da advocacia e da sociedade. Faleceu aos 77 anos em 15 de janeiro de 1945. O legado do jurista paranaense segue inspirando gerações.  Depois dele, estiveram à frente da instituição Affonso Alves de Camargo; Sobral Pinto; Arthur Ferreira dos Santos; Laertes de Macedo Munhoz; Adolpho de Oliveira Franco; João de Souza Ferreira; José Rodrigues Vieira Netto; Joaquim de Oliveira Sobrinho; Edgard Cavalcanti de Albuquerque; Athos Moraes de Castro Vellozo; Rui Ferraz de Carvalho; Élio Narezi; Francisco Brito de Lacerda; Eduardo Rocha Virmond; Newton José de Sisti; Alcides Munhoz Neto; Oto Luiz Sponholz; Antonio Alves do Prado Filho; Alcides Bitencourt Pereira; José Cid Campêlo; Mansur Theóphilo Mansur; Francisco Accioly Rodrigues da Costa Neto; Alfredo de Assis Gonçalves Neto; Edgard Luiz Cavalcanti de Albuquerque; José Hipólito Xavier da Silva; Manoel Antônio de Oliveira Franco; Alberto de Paula Machado; José Lúcio Glomb; Juliano José Breda; José Augusto Araújo de Noronha e atualmente Cássio Lisandro Telles.

Representatividade

“Falar sobre João Pamphilo Velloso d´Assumpção é falar sobre representatividade negra. Ele se formou no período pós-abolição. Antes disso, a nossa educação era proibida. Sabemos que existem até hoje muitas injustiças persistem, a população negra segue enfrentando dificuldades”, sustentou Silvana Cristina Niemczewski. “O nosso primeiro presidente foi um visionário e viveu além de seu tempo. Ele estava preocupado com a sociedade, com o nosso dia a dia. Acreditava que podemos mudar“, pontuou a advogada.

A igualdade de gênero também esteve entre as bandeiras que nortearam as lutas do jurista, conforme Silvana. “Casado com a artista plástica e professora Maria Amélia de Barros, ele a incentivou  a continuar suas atividades, suas obras, sua docência. Pamphilo a admirava e acreditava nela. E ele fazia isso com muita naturalidade”, disse.  “Se Pamphilo estivesse aqui hoje, ele diria como mudou a nossa história. De uma única mulher inscrita na data de fundação da OAB Paraná, em 1932, passamos para mais de 35 mil – quase metade do número de inscritos. Ele foi um divisor de águas para que isso acontecesse”, frisou.

O professor Eroulths Cortiano Junior trouxe ao debate uma reflexão sobre a invisibilidade, fruto do preconceito estrutural que ainda permeia o discurso social. “Como alguém tão visível como Pamphilo pode ser tão invisível? Foi um homem da belle époque curitibana, escrevia para jornais, se preocupava com questões sociais, da cultura e das artes, foi um verdadeiro literato. O mesmo se passa com outros homens negros como Luís Gonzaga Pinto da Gama e José Carlos do Patrocínio. Vejam como ainda há uma invisibilidade que precisa ser escancarada para que as pessoas se tornem visíveis, principalmente aquelas que ainda lutam por igualdade de direitos”, provocou.

“Pamphilo participou de uma grande jornada civilizadora. Uma jornada em que as pessoas acreditavam no progresso moral e científico da sociedade. Foi um homem de ação. Se preocupou em transformar ideias em ação.  Foi alguém que se levantou, que fez as coisas acontecerem. E como alguém que faz tanto pelo país pode ser tao invisível?  Por que para muitos jovens é apenas o nome da rua que passa pelo Parolin?”, questionou Cortiano Junior. “A nossa sociedade não é feita de heróis que aparecem, mas de heróis cotidianos”, disse.

Para André Nunes da Silva, o legado da pessoa de João Pamphilo Velloso d´Assumpção foi invisibilizado pela cor de sua pele. “Trazer a biografia desse jurista no Dia do Advogado é um desafio grande e uma temática de extrema relevância. Precisamos conhecer a nossa história. Buscamos resgatar a relevância de alguém que foi muito à frente de seu tempo, de sua pesquisa, de suas pares”, sustentou.

Ao encontro do entendimento dos demais painelistas, Andreia Vitor concluiu que não há como construir um discurso de igualdade sem voltar à história. “Pamphilo foi um defensor da razão e da justiça. Nesses tempos em que clamamos por igualdade racial, onde ainda encontramos violações das mais diversas naturezas, resgatar a história é um marco. A homenagem ao seu fundador, resgatando a história, é outro marco histórico, é um outro passo, assim como a implantação do Plano de Igualdade Racial, medida que deveria ser adotada por todas as seccionais do Brasil”, disse. “A partir dessas reflexões desejo um feliz Dia do Advogado a todos que acreditam e lutam pelos ideais de justiça e igualdade”, afirmou.