Um balanço de três anos de magistratura

No próximo dia 10 de julho, o desembargador Octavio Campos Fischer completa três anos de atuação no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). Depois de 20 anos de advocacia, tendo inclusive atuado como conselheiro estadual da OAB Paraná na gestão 2010-2012, Fischer foi escolhido para a corte pelo quinto constitucional. Doutor em Direito Tributário pela UFPR, ele leciona a matéria na Unibrasil. Nesta entrevista, o desembargador faz um balanço de sua atuação no TJ e fala sobre os pontos de vista que cada carreira – a da advocacia e a da magistratura — proporciona

Que balanço o senhor faz desses três anos na magistratura?

Minha percepção, como julgador que vem da advocacia, é que a proporção de advogados e integrantes do Ministério Público deveria ser maior porque o propósito do quinto constitucional, que é o de dar outras importantes perspectivas à atuação do Judiciário, não tem como ser atingido com o número atual (dos 120 desembargadores do Tribunal de Justiça, 12 são oriundos da advocacia e 12 do Ministério Público). Para, de fato, trazer a visão da advocacia ao Tribunal, seria preciso mais. Afinal, seria interessante que cada Câmara de julgamento tivesse pelo menos um integrante do quinto. Obviamente, esta minha posição é de difícil concretização. Não quero abrir essa discussão, pois muitos não entendem a importância do Quinto e alguns chegam a sustentar que ele não deveria existir. Em suma, os que são contrários entendem que o ingresso na magistratura deveria ser apenas via concurso. Mas, para mim, o quinto é um concurso tão legítimo — e difícil — quanto o outro, pelo qual a maioria dos magistrados ingressa.

Que aspectos da advocacia o senhor acha que são mais incompreendidos?

A questão dos honorários de sucumbência é a mais dramática, sem dúvida alguma. Está instalada a falsa ideia de que os honorários são elevados, que os advogados ganham muito bem. Faço, aqui, uma comparação com os jogadores de futebol. Nós olhamos para Neymar, Messi e cia. e, inconscientemente, podemos pensar que todo jogador ganha muito bem. Mas, na verdade, sabemos que a imensa maioria, levada a optar pelo futebol por essa falsa perspectiva, não ganha nem 10% do que aquelas estrelas. Na advocacia, tem-se mais ou menos a mesma situação. Nós olhamos para alguns advogados bem sucedidos e podemos pensar que toda a classe é muito bem remunerada. É uma falsa ideia. Há muitos advogados, principalmente no interior, que dependem dos honorários de sucumbência e, por isso, o julgador deve estar atento para quantifica-los de modo digno. Mais: poucos se dão conta – inclusive alguns advogados – dos elevados custos que envolvem a prática da advocacia. É preciso conquistar clientes, ganhar a causa, manter o escritório, buscar a formação permanente e, acima de tudo, manter uma família. São muitas tarefas e gastos, para, após, quatro, cinco anos ou mais, ter a seu favor uma decisão de honorários de sucumbência de menos de R$ 500,00 e, ainda, ter que passar mais algum tempo tentando executar tal valor.

Por outra parte, o que estava fora do seu campo de visão de advogado e que agora é perceptível?

A advocacia mudou muito nas últimas duas décadas. Primeiro, pelo número elevado de profissionais. Mas, também, pela forma como o sistema judicial foi se desenvolvendo recentemente. Com tantos processos para serem analisados pelo julgador, o advogado deve procurar defender sua posição da forma mais direta e clara possível. Outro ponto que tem me chamado cada vez mais a atenção é a importância crescente da sustentação oral. Claro que não basta sustentar por sustentar e em qualquer processo. Há casos em que a sustentação é, inclusive, contraproducente: por exemplo, quando já há jurisprudência pacífica no órgão julgador.

Há uma visão disseminada de que a Justiça é morosa. Tendo mudado da advocacia para a magistratura recentemente, como o senhor vê esse conceito?

A morosidade depende de vários fatores. Para alguns, inclusive, ela é vantajosa, quando se trata de não pagar uma dívida ou não cumprir uma pena. Mas, acho que a morosidade não pode ser atribuída aos magistrados. Ao ingressar no tribunal, percebi, com felicidade, que a maioria dos magistrados trabalha muito. Certa vez, durante um jogo do Brasil na última Copa do Mundo, enquanto o país parava, vi que muitos colegas sequer deixaram seus gabinetes. Muitos trabalham sábado e domingo e tiram férias e licenças para colocar o trabalho em dia. Ocorre que o excesso de demandas tornou inviável a celeridade. A sociedade precisa buscar outros caminhos.

Que outras vias o senhor enxerga?

O Novo CPC traz elementos importantes e que espero possam dar uma nova configuração ao sistema judicial. O IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas), por exemplo, vai auxiliar muito na diminuição do contencioso de massa, que afoga o Judiciário. Há uma aposta, também, nos meios alternativos de solução de conflitos (conciliação, mediação e arbitragem). Há que se pensar, enfim, em mudar a cultura da litigiosidade com um processo pedagógico de médio (e não longo) prazo. O poder público deve ter um papel importante na educação da sociedade para celebrar e honrar relações jurídicas, a partir do princípio da boa-fé. Um exemplo. Certa vez, em viagem aos Estados Unidos, tive que comprar um GPS. No meio da viagem, ele estragou. Como estava já em outra cidade, tive que ir a uma filial da loja. Chegando lá, expliquei o que ocorreu. A atendente, sem sequer mexer no aparelho, perguntou se eu gostaria de receber em crédito ou em dinheiro. Eu respondi, em dinheiro. E recebi na hora o que paguei. Não precisei ir ao Judiciário. Acredito que se fosse aqui o cenário seria bem diferente!

Mas há também gargalos na Justiça. Quais são os principais, na sua visão?

Atualmente, um deles é o processo eletrônico. Quem “olha de fora” pode não perceber, mas o Tribunal de Justiça do Paraná está trabalhando fortemente para implementar o processo eletrônico da forma mais racional e rápida possível, considerando a estrutura que temos. Mas, até termos uma cultura do processo eletrônico em todo o Brasil, com internet adequada, teremos problemas, dúvidas e perplexidades naturais. A minha preocupação é com o jurisdicionado, que não pode ter um direito seu afetado por problemas técnicos.

Que conselhos o senhor dá aos jovens advogados, inclusive aos que queiram migrar para a magistratura?

Muitos pensam, como eu também pensava, quando advogava, que o exercício da magistratura exige um dom específico. Mas, agora vejo que para ser advogado também é preciso um dom. Do ponto de vista profissional, familiar e financeiro a vida do funcionário público é muito mais estável. Diz-se que a vida pública fecha duas portas: a da pobreza e a da riqueza. O Juiz nunca vai ser pobre nem rico. É assim. O magistrado tem suas aflições, agruras, porque tem que decidir sobre a vida, a liberdade, o patrimônio de milhares de pessoas. E, ao final, sempre é criticado por 50% das partes — aqueles que perderam a demanda. Uma coisa que me chamou a atenção, nesse pouco tempo de magistratura, é o número de colegas juízes que sofrem algum tipo de problema de saúde pelo excesso de stress — AVC, infarto, dentre outros. Mas, por outro lado, a vida do advogado é uma grande montanha russa. Algumas têm mais retas, mas outras têm fortes emoções! Como profissional liberal, o advogado tem uma vida mais instável, cujo sucesso não depende só do seu trabalho, pois precisa ganhar as causas; a não ser que seja um consultor ou parecerista. Ao me tornar magistrado, passei a aconselhar os estudantes sob uma outra perspectiva. Não seja advogado por falta de opção ou porque alguém da família acha interessante. Só opte pela advocacia se você estiver plenamente convicto de que é o seu perfil. Você tem que estar ciente de que para ser advogado você tem que acordar todo dia com ânimo suficiente para carregar muitos problemas — alheios — nos seus ombros, de que, com o perdão da expressão, é preciso “matar um leão por dia”.

É uma questão de vocação, portanto?

Eu diria que é uma questão de perfil. O que recomendo aos estudantes de Direito é que reflitam sobre seu próprio perfil. O bacharel em Direito tem muitas opções. Há um lado maravilhoso na advocacia. Cada vitória tem grande valor. Não pelos honorários, mas porque se conseguiu garantir os direitos de um cidadão ou se logrou a defesa de uma tese. É a vitória de um trabalho bem realizado. Mas, tem que ter perfil de advogado. Do contrário, será um profissional infeliz.

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