Feminismos, diversidade e desafios na carreira pautam debates da II Conferência das Mulheres Advogadas

O painel “Feminismo e diversidade” abriu a programação da II Conferência Estadual das Mulheres Advogadas do Paraná na tarde desta quinta-feira (25). Participaram do diálogo a conselheira federal da OAB São Paulo Alice Bianchini; a enfermeira Juliana Chagas da Silva Mittelbach, integrante da Rede Mulheres Negras do Paraná; a cacica Juliana Kerexu Mirim Mariano; a designer Neon dos Afonso Cunha, primeira transexual a conquistar na Justiça o direito de mudar o nome e o gênero de seus documentos sem ter de apresentar atestado médico; e o advogado Wagner Maurício de Souza Pereira, presidente da Comissão da Advocacia Iniciante da OAB Paraná. Coube ao conselheiro estadual Anderson Rodrigues Ferreira a mediação do painel.

O objetivo foi debater a importância de se defender um feminismo interseccional e decolonial para a realidade brasileira. São as discriminações sobrepostas, como as sofridas elas mulheres negras, discriminadas pelas condições de gênero e também de raça.

A partir dessa análise, todos os palestrantes trouxeram importantes informações e reflexões, como os dados divulgados recentemente pelo Instituto Datafolha em uma pesquisa com a advocacia, mostrando que mais da metade da classe é contra a política de cotas na OAB. Entre os advogados entrevistados, 58% são contra as cotas raciais e 61% contra a reserva de vagas para mulheres nos cargos da instituição. Destacou-se a necessidade da OAB buscar essa mudança de perspectiva que já vem sendo implementada na própria entidade também nos escritórios de advocacia.

Interseccionalidade

Os participantes discutiram o conceito de interseccionalidade e apresentou-se como bastante apropriada a definição da pesquisadora Winnie Bueno: “conjunto de ideias e práticas que sustenta que gênero, classe, raça, sexualidade, idade, etnia, status de cidadania e outros marcadores não podem ser compreendidos de forma isolada, sendo que estes articulam dinâmicas de poder que produzem realidades materiais desiguais e experiências sociais distintas, coletiva e individualmente”. A preocupação principal ao se debater as questões de discriminação pelo viés da interseccionalidade é não transformar as diferenças em desigualdades.

Outro aspecto foi a avaliação da inclusão do racismo no feminismo majoritário no Brasil. Quando se fala em igualde de gênero não é possível aceitar que haja desigualdades dentro do próprio gênero, por isso, a luta das feministas negras é um esforço contínuo para nivelar-se com a luta das mulheres brancas.

A questão da transsexualidade também permeou o debate, a partir de histórias de pessoas trans que se tornaram símbolos da luta LGBTI depois de terem sofrido todas as formas de violência pela sua condição sexual. O relato veio acompanhado de uma cobrança pelas mortes diante da desmobilização da sociedade, da omissão do Estado e até mesmo do silêncio da Organização das Nações Unidas (ONU). Inclusive, a ausência de dados sobre essas formas de violência foi considerada “a maior denúncia de desumanização”.

Como as mulheres indígenas vivenciam essas sobreposições de preconceitos e discriminações, e mesmo como o conceito ocidental de gênero encontra representação no feminismo indígena, foram os últimos tópicos do primeiro painel da tarde. Destacou-se que as violências contra as mulheres indígenas é a mesma sofrida pelos povos indígenas. São violentadas, massacradas, divididas, expulsas de seus territórios – situações, aliás, vivenciadas até hoje. Importante considerar as diferenças culturais entre as mulheres indígenas. São etnias, costumes e línguas diferentes, uma diversidade raramente compreendida.

Desigualdade de gênero

O agravamento da desigualdade de gênero nos espaços de poder e a desigualdade salarial pautou os debates do segundo painel da tarde. Participaram das discussões a secretária-geral adjunta da seccional Christhyanne Regina Bortolotto, e as advogadas Nadia Regina de Carvalho Mikos, Marcelise de Miranda Azevedo e Rejane da Silva Sánchez. A mediação ficou a cargo da presidente da OAB Londrina, Vênia Regina Silveira Queiroz.

Os primeiros pontos abordados foram as condições e a realidade acerca do acesso das mulheres aos espaços de poder levando em consideração a raça e a classe. Estudos sobre o tema apontam que mesmo com alta recorde de mulheres em posições relevantes, apenas 7% das empresas mais importantes do país são dirigidas por mulheres. Além disso, as mulheres enfrentam formas cruzadas e discriminação, que as impedem de progredir e reivindicar posições de liderança. 

Um dos pontos considerados essenciais para uma mudança é a existência de salários iguais, o estabelecimento de uma licença parental,  o estabelecimento de políticas de tolerância zero ao assédio sexual e a divisão igualitária do trabalho doméstico, buscando que as condições cotidianas das mulheres sejam melhores. As palestrantes pontuaram que a decisão de assumir uma posição de gestão é muito difícil para muitas mulheres diante do acúmulo de tarefas. O desafio é, portanto, permitir que as mulheres sejam lideranças sem que isso signifique um grande sacrifício em suas vidas pessoais.

Outro aspecto frisado no painel foi a necessidade de direcionar um olhar mais atento para os talentos que estão sendo ignorados. A dimensão da desigualdade de gênero é apontada em estudo divulgado em 2020 pela Grant Thornton que revela que em 15 anos o número de lideranças femininas cresceu apenas 10% no mundo. O Brasil ocupa o 8º lugar neste ranking, com 34% de mulheres em cargos de gestão. Nos cargos decisórios, entretanto, o percentual cai para 16%.

O painel contou ainda com reflexões a partir de uma breve retrospectiva histórica sobre o trabalho, passando pela origem da palavra até o reconhecimento da mulher no mercado de trabalho. É necessário, no entendimento das expositoras, acabar com a culpa cultural atribuída e assumida pela mulher no cuidado dos filhos e da família, quebrando barreiras que impedem que o público feminino assuma as posições que almejar.

As debatedoras também abordaram as desigualdades salariais que não têm justificativa legal. A conclusão é que quando há desigualdade salarial em uma mesma função com as mesmas habilidades decorre um ato assediante, cujo reconhecimento se dá a partir dos elementos de humilhação, ausência de reconhecimento, isolamento laboral, objetificação e simplificação do assédio violento. Os assédios laborais ocorrem com muita frequência e o conjunto de violências morais leva à aquisição de doenças de fundo psíquico, como transtorno do pânico e fobias.   O reconhecimento da situação e a capacitação foram citadas como ferramentas para combater este e outros tipos de violência.

Desafios na Carreira

Uma mesa-redonda mediada pelo diretor do Conselho Federal da OAB, José Augusto Araújo de Noronha, sobre os desafios na carreira da mulher advogada reuniu representantes de todo o estado em uma reflexão sobre o tema. A advogada Edni de Andrade Arruda foi questionada pelos outros participantes da mesa: Anna Paula Carrari Ramos, Adriana Denise Teixeira Bezerra, Aieda Muhieddine e Ana Patrícia Dantas Leão (vice-presidente da OAB Bahia); o secretário-geral da OAB Paraná, Rodrigo Rios; e o conselheiro federal Artur Humberto Piancastelli.

O diretor-tesoureiro do CF apresentou o tema e conduziu os questionamentos à advogada Edni de Andrade Arruda. Noronha destacou o vanguardismo de Edni, agraciada com a medalha Vieira Netto, a maior honraria concedida pela seccional. Ela negou ser exemplo. Disse estar ali por sua experiência e coerência. Pelas perguntas dos demais participantes, a advogada pôde expor algumas de suas ideias e posicionamentos:

“Sou uma estudante permanente, o estudo é uma exigência na nossa profissão”.
“Era uma jovem que amava os Beatles e os Rolling Stones, mas também amava Seabra Fagundes, Pontes de Miranda, Vieira Netto, Alir Ratacheski.”
“Nós estamos lutando pelo reconhecimento dos nossos direitos. Nós queremos participar. A Ordem não pode ser a escolha do papa pelos cardeais. Nós exigimos ser ouvidas. Não adianta discurso de paridade, se a nossa instituição não admitir e aceitar isso como um fato irreversível.”
“De nada adianta termos milhares de mulheres advogadas, se não forem comprometidas e engajadas. Integrem-se e entreguem-se à Ordem dos Advogados.”
“O preconceito é uma doença de caráter, mas há avanços a partir do Estatuto das Pessoas com Deficiência.”
“A pandemia desnudou uma situação que estava esquecida: a vulnerabilidade das mulheres. A grande massa de advogadas sofreu terrivelmente.”
“A tecnologia pode ser nociva e perigosa. Mas é um caminho sem volta. Mas é preciso que o Judiciário volte o seu olhar para a advocacia feminina porque não há nenhuma preocupação com as peculiaridades da mulher advogada.”

Essas foram algumas das colocações, porém todos os participantes também tiveram oportunidade de expor suas preocupações e reflexões sobre o papel da mulher na advocacia.  O debate na íntegra está disponível no Youtube da OAB Paraná.

Programação

No sábado (26), a programação prossegue com workshops sobre Mulheres na PolíticaJulgamento sob Perspectiva de Gênero,  e os painéis Pandemia da Covid-19 e Vacina para todas as pessoas, a Mesa redonda: Roda Viva – Mulheres advogadasFeminismo e trajetórias, e o lançamento da obra “Mulheres Advogadas do Paraná: O direito por vozes femininas” O painel de encerramento abordará o tema “Mulheres e o sistema OAB”. O evento conta com apoio da Escola Superior da Advocacia (ESA), da Caixa de Assistência dos Advogados do Paraná (CAA-PR) e das comissões da Advocacia Iniciante; de Diversidade Sexual de Gênero; de Estudos de Violência de Gênero; da Igualdade Racial; e do Pacto Global.

Aberta na noite de quinta-feira (24/6), a II Conferência Estadual das Mulheres Advogadas da OAB Paraná tem uma vasta programação (confira aqui). Os painéis podem ser acompanhados pelo canal da seccional no Youtube.

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Programação

A programação da conferência exibiu para os participantes palestras instantâneas gravadas previamente para a série "Vozes Femininas em Pauta". Sempre sob a perspectiva feminina, a série abordou esportes, empreendedorismo social, representatividade e igualdade na agenda 2030, métodos adequados para solução de litígios aplicados sobre a perspectiva de gênero, decolonialidade, urbanismo, formação profissional, advocacia pública, internacionalização de carreia, saúde, moda, questões previdenciárias, juizados especiais, processo civil, honorários, gestão de tempo, equidade de gênero e encarceramento.

As palestras foram gravadas por Adriana D´Avila Oliveira, Adriana Szabelski, Allyne Andrade e Silva, Betina Treiger Grupenmacher, Bruna Saraiva, Carmem Iris Parellada Nicolodi, Caroline Cavet, Cintia Estefania Fernandes, Claudia Luna, Cláudia Trancozzo, Cristina Bichels Leitão, Daniela Ballão Ernlund, Daniela Campos Libório, Débora Ferreira Ling, Débora Normanton Sombrio, Eneida Desirée Salgado, Fernanda Valério Garcia Silva, Helena de Toledo Coelho, Luciana Drimel Dias, Luiza Rosa Moreira de Castilho, Maíra Costa Fernades, Mariana Bazzo, Marília Pedroso Xavier, Melissa Folmann, Rogéria Fagundes Dotti, Romara Costa Borges, Rubia Carla Goedert, Samantha Albini, Sandra Kruger Gonçalves, Sandra Lia Barwinski, e Valdirene Pinheiro.