Mesmo com ampla legislação, realidade do racismo ainda desafia o futebol

O racismo ainda é uma realidade no futebol, tanto no Brasil, quanto no mundo. Segundo o Observatório Racial da Discriminação no Futebol, só em 2018, foram mais de 80 casos de racismo nesse esporte no país e até junho deste ano, mais de 40 casos foram registrados. Na semana em que se celebra o Dia da Consciência Negra, o tema esteve em pauta na OAB Paraná durante o IV Congresso Brasileiro de Direito Desportivo.

Durante o painel que tratou sobre igualdade no futebol, realizado na quinta-feira (21), o advogado Eduardo de Vargas Neto, membro da Comissão de Direito Desportivo e da Comissão de Igualdade Racial da OAB Paraná, trouxe informações factuais e sobre a legislação demonstrando como a discriminação ainda permeia o mundo desse esporte. Ao iniciar sua exposição, ele lembrou o recente caso do jogador Taison, que foi suspenso após reagir com um gesto obsceno a manifestações racistas da torcida durante um jogo na Ucrânia.

No futebol brasileiro, também nesse mês, teve destaque uma situação em que torcedores do Atlético Mineiro se dirigiram a um segurança dizendo “Olha a sua cor” e “Macaco”. Após relembrar esses casos, Vargas Neto questionou: “Será que vivemos uma democracia racial?”.

O advogado citou exemplos de punição aos clubes, como o caso em que o jogador Aranha, então no Santos, foi hostilizado pela torcida do Grêmio. O time gaúcho acabou sendo eliminado da Copa do Brasil, porque perdeu três pontos, conforme prevê o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) para casos de racismo. “As atitudes só mudam quando se tem certeza da punição, essa que é a verdade”, apontou o advogado.

Legislação

O palestrante apresentou diversos dispositivos da lei, que visam coibir atitudes racistas. O Artigo 5º define prática de racismos como crime inafiançável e imprescritível. O Código Penal, no artigo 140, traz o crime de injúria racial.

Na legislação do esporte, a Fifa reconhece sua responsabilidade para acabar com todas as formas de discriminação, sendo passível de punição, suspensão e até exclusão. E as normas da Conmebol preveem até desclassificação da equipe para casos de racismo.

O CBJD prevê a suspensão por 5 partidas para atos de discriminação. Mas o membro da Comissão de Direito Desportivo ressaltou: “O legislador prevê que é mais grave cuspir em alguém do que quem discrimina. A pena mínima é de seis partidas e para quem cusparada”, comparou.

“Temos legislação aos montes para coibir esse tipo de prática, todavia a aplicação ainda carece de maiores mecanismos, talvez ainda falte vontade de se punir nessas situações”, refletiu Vargas Neto.

O advogado também citou pontos positivos como ações afirmativas de clubes, com destaque para o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo clube Bahia. Outro ponto positivo é o Observatório Racial da Discriminação no Futebol, que vem monitorando e reunindo informações sobre o tema.

História

Durante a palestra, Vargas Neto também fez um breve retrospecto histórico. Ele lembrou que, quando o futebol chegou ao Brasil no século 19, era esporte de elite e negros não tinham acesso às ligas. No Rio Grande do Sul, por exemplo, surgiu a Liga da Canela Preta no Rio Grande do Sul, paralela, para que os negros pudessem disputar um campeonato.

No Rio de Janeiro há polêmica sobre qual time foi o primeiro a ter negros: Bangu ou Ponte preta. O Vasco da Gama foi o primeiro que se teve registro de incluir negros e por esse motivo foi rebaixado por Flamengo, Botafogo, Fluminense e América. Depois de muita insistência Vasco voltou a participar da competição e os outros times também começaram a ter negros em seu time.

“Hoje o maior é ícone desse esporte é negro, vindo da periferia”, disse o advogado mencionando o Rei Pelé.

Também participaram do painel sobre igualdade as advogadas Franciele Elisabet Nogueira Lima e Ligia Ziggiotti de Oliveira, da Comissão de Diversidade Sexual e Igualdade de Gênero da OAB. Confira a matéria na próxima semana.