Advogada relata dificuldades dos deficientes visuais no processo eletrônico

A advogada Valéria Mendes Siqueira, membro da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência, foi uma das participantes da audiência pública com o ouvidor do CNJ, Luiz Cláudio Allemand, nesta quarta-feira (17), na OAB Paraná. A advogada levantou a questão da inacessibilidade do processo eletrônico aos advogados com deficiências visuais. Nenhum sistema utilizado atualmente nos tribunais do país está adaptado para atender as necessidades das pessoas com deficiência. O programa de voz, facilmente utilizado pelos deficientes visuais e acessível em outras plataformas digitais, não funciona no processo judicial.

“A gente depende de uma terceira pessoa para peticionar, juntar documentos, acompanhar o processo. Tenho capacidade intelectual, produzo todas as peças das minhas causas, mas dependo de um colega para peticionar, juntar documentos, acompanhar o processo, porque o sistema não observa as leis de acessibilidade. Isso acaba limitando o exercício da profissão”, conta a advogada.

De acordo com Valéria Siqueira, apesar dos sistemas judiciais serem continuamente aperfeiçoados, ainda são incompatíveis com o sistema de voz, porque desde o começo não foram projetados para isso, em desrespeito à legislação que protege os direitos dos deficientes visuais. “Uma resolução permite que os advogados cegos protocolem as peças em papel. Mas não queremos isso. Para o cego, essa mobilidade é ainda mais complicada. Diante dessa situação me sinto afrontada, desrespeitada, discriminada”, enfatizou.

A presidente da Comissão de Direitos da Pessoa com Deficiência, Berenice Reis Lessa,  levantou questionamentos pontuais e entre eles também as dificuldades dos advogados surdos nas audiências e sessões de julgamento. “Não existe legenda para que pessoa auditiva possa acompanhar esses atos. Outra questão, é a falta de treinamento dos juízes para uso do microfone quando está falando a respeito do processo – para ler algum dado, o magistrado abaixa a cabeça e nesse momento a pessoa com deficiência auditiva perde a possibilidade de fazer a leitura labial. Para tudo isso deveria haver um treinamento prévio. Os procedimentos nos tribunais são via oral, mas a legislação determina que haja monitores com legendas para atender as pessoas com deficiência auditiva”, relata.

A secretária-geral da OAB Paraná, Marilena Winter, que também acompanhou toda a audiência, observou que a batalha pela acessibilidade é algo que se vence com pequenas vitórias no dia a dia. “As pessoas precisam se conscientizar, pois é muito difícil se colocar no lugar do outro.  Já temos um arcabouço jurídico, temos a implementação das garantias fundamentais, em tese, na Constituição, e temos um processo muito lento de implementação da inclusão. Temos que refletir por que demora tanto para as coisas acontecerem. E não raro chegamos à conclusão que é uma questão de estabelecimento de prioridades.”

 

Causa dos deficientes motivou Allemand a ir para o CNJ

Ouvidor está encerrando o mandato

Na audiência, o ouvidor Luiz Cláudio Allemand disse que ingressou no CNJ para lutar pela causa dos deficientes visuais. Reconheceu que apesar de árdua, a luta ainda não deu resultados. “A causa dos deficientes físicos e idosos é o que me levou a largar a advocacia e ir para o CNJ, deixar a minha família em Vitória e ir para Brasília. Fui para esta luta, de tentar ajudar, colaborar, mas infelizmente não consegui”, lamentou Allemand, que está encerrando o seu mandato como representante da advocacia no Conselho Nacional. “Espero que as batalhas, incluindo a dos deficientes visuais, continuem”, afirmou.