O tráfico humano e os direitos fundamentais

Lucia Maria Beloni Correa Dias e Steeve Beloni Correa Dielle Dias

O presente texto visa apresentar algumas singelas considerações sobre o crime de tráfico internacional de pessoas, trazido sob o enfoque da nova Lei 13.
344 de outubro de 2016, que “dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas” e que completou um ano de vigência.
Esta nova Lei vem reforçar o esforço da comunidade internacional e nacional para o enfrentamento de crime tão brutal e que tem sido de certa forma facilitado pelos efeitos recentes da Globalização.

Este movimento internacional inclusive incentivou o Brasil a assinar em março de 2004, Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, adotado em Nova York em 15 de novembro de 2000 nominado como Protocolo de Palermo (Decreto Nº 5.
017/2004) ; Ainda nesta toada o Governo em 2006 aprovou a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial, que elaborou o Primeiro Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – PNETP e em 2011, o segundo plano, por meio da Portaria Interministerial nº 634, de 25 de fevereiro de 2013.

Primeiramente faz-se mister esclarecer que não se pode confundir o Tráfico Internacional de Pessoas com o contrabando de Imigrantes.
O contrabando de imigrantes (human Smuggling) possui sua definição no Protocolo relativo ao Tráfico de Migrantes por via Terrestre, Marítima e Aérea, que o define comoo crime de auxílio a outrem na entrada ilegal em um país com vista a obter um benefício econô- mico.
Desse modo o contrabando de migrantes, mesmo em condições perigosas e degradantes, envolve o conhecimento e o consentimento da pessoa contrabandeada sobre o ato criminoso.
Já o Tráfico de pessoas tem uma preocupação mais abrangente, e o consentimento da vítima é irrelevante para a configuração do crime, senão Vejamos:

O art. 13 da Lei 13. 344/2016 alterou o Decreto-Lei nº 2. 848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), acrescentando o art. 149-A: Tráfico de Pessoas.
Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV – adoção ilegal;

V – exploração sexual.

Desse modo, os pontos de diferenciação estão no consentimento, transnacionalidade e exploração.
O fator mais importante é o tipo de exploração empregado nesses casos, uma vez que, no contrabando de imigrantes existe um negócio que se encerra na entrada do país destinatário, diferente do que acontece no tráfico, em que as pessoas traficadas permanecem sendo abusadas na chegada ao destino, a fim de gerar lucros aos traficantes.
De grande importância é essa diferenciação, pois o tratamento adequado na legislação pertinente, pode contribuir para que as vítimas do tráfico tenham acesso à proteção legal.

Inclusive esta diferenciação também vem a ser demonstrada na nova Lei de Migração Lei 13.
445 de 2017, a qual, impulsionada por esta maior preocupação com os Direitos Fundamentais, descriminalizou a situação do migrante irregular.
A importância entre outros fatores está na maior facilidade de identificar à vítima do Crime de tráfico de pessoas uma vez que, esses normalmente tem medo de dirigir-se às autoridades do país em que se encontram,com receio de serem presos e deportados pelo fato de entrada ou permanência irregular no país.
Os fatores que internacionalmente são mencionados e que contribuem para o tráfico de pessoas são a pobreza, desemprego, globalização da economia, feminização da pobreza, aumento do turismo, discriminação baseada no gênero, situações de conflito armado, falta de leis sobre prostituição, corrupção lato sensu, políticas de migração , trabalho para o migrante, envolvimento com o crime organizado, e algumas práticas culturais e religiosas.
O mais recente Levantamento oficial da atuação da Polícia Federal nos crimes violadores dos Direitos Humanos, entre os anos de 2007 a 2016, realizado a partir de informações do Sistema Nacional de Procedimentos – SINPRO e do Sistema Nacional de Informações Criminais – SINIC demonstram que nos estados de São Paulo, Mato Grosso e Minas Gerais ocorrem essas violações, entretanto o referido levantamento foi realizado na vigência da antiga legislação, verificando de forma separada o Tráfico Internacional de Pessoas, com base nos antigos artigos 231 do Código Penal Brasileiro que considerava tráfico de pessoas apenas se houvesse exploração sexual – revogado pela nova Lei nº 13.
344, e o art.
239 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069 de 1990.
Desse modo, faz-se necessário que se trabalhe com os dados sob o ponto de vista da nova legislação que é mais abrangente e mais adequada à realidade.
Verificase, portanto ainda a necessidade de criação de novas políticas públicas para o enfrentamento da questão, bem como alertar e conscientizar a sociedade dessa terrível e brutal mazela, que continua a violar os direitos fundamentais de liberdade e da dignidade da pessoa humana

 

LUCIA MARIA BELONI CORREA DIAS

Advogada inscrita na OAB Paraná sob nº 13.546;
Bacharel em Geografia; Pós-graduada em Ciência Política;
Especialista em Direito Processual Penal; Conselheira
Estadual da OAB Paraná – Gestões de 1998 a 2015;
Coordenadora do Projeto OAB Cidadania desde 1998

STEEVE BELONI CORREA DIELLE DIAS

Advogado inscrito na OAB Paraná sob nº 27.079;
Presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB
Paraná; Mestre e Doutorando em Direito Econômico
e Desenvolvimento na PUC/PR; Especialista em
Direito Comercial Internacional pela Universidade de
Nottingham, Reino Unido; Pós-graduado
em Direito Processual Civil