Representatividade da mulher negra em pauta na OAB Paraná

 O 1º Encontro Estadual sobre Representatividade da Mulher Negra na Carreira Jurídica movimentou a OAB Paraná nesta quinta-feira (25), data que marca o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A presidente em exercício da seccional, Marilena Winter, abriu os debates, ressaltando a satisfação em compor a mesa “ao lado de mulheres que não são apenas pioneiras ou expoentes nas suas respectivas profissões, mas, acima de tudo, parceiras de uma causa com a OAB”.

O encontro reuniu membros das comissões da Mulher Advogada, de Igualdade Racial, de Estudos sobre Violência de Gênero, de Assuntos Culturais e do Pacto Global, além de representantes da magistratura e do Ministério Público do Paraná. “Quando foi debatida a proposta desse evento, pensávamos sobre o título, e acho que foi muito feliz a ideia de fazer um encontro sobre representatividade. As questões que permeiam os debates deste evento são as que tocam os principais valores que a OAB defende: valores como a igualdade e a justiça”, disse Marilena.

“Para aqueles que são da área do Direito, vamos encontrar vários teóricos que abordam a Teoria da Justiça. Uma delas, que marcou época, é a de John Rawls, que propõe cogitarmos uma sociedade imaginária para estabelecer o estatuto das regras que iriam formar as principais diretrizes da sociedade. Para que ela fosse verdadeiramente justa, essa sociedade deveria despir-se de todas as suas formações individuais e pensar em regras e princípios sem saber de que forma elas iriam passar a compor esta sociedade”, disse a presidente da OAB. Para este autor, prosseguiu, só seria possível a construção de legislações isentas de preconceitos iniciais se os indivíduos não soubessem qual papel cumpririam na sociedade.

Representatividade

Em um breve retrospecto histórico, Marilena lembrou que o personagem central dos primeiros estatutos do indivíduo, como o Código Civil, era o homem branco, heterossexual, proprietário. “Culturalmente, a legislação que regula a vida privada das pessoas tem como base este indivíduo”, disse. “A Constituição Federal busca dar efetividade a valores para uma sociedade verdadeiramente justa, igualitária. Todavia, fazer com que esses valores sejam efetivados, rompendo essa mentalidade antiga, é algo que compete a todos nós”, defendeu.

“Passados 30 anos da Constituição, ainda estabelecemos foros como este para discutir a representatividade da mulher negra. Isso diz muito sobre a nossa geração. Estamos afirmando o compromisso da nossa parte, nos engajando numa proposta para que as futuras gerações olhem para trás e não digam que não fomos uma geração que nada fez. Que nossa união possa representar uma grande força”, concluiu.

Representando a Caixa de Assistência dos Advogados (CAA-PR), Silvana Cristina Niemczewski, destacou o ineditismo do evento.  “Além de ser um dia histórico na nossa casa, fazemos nosso primeiro encontro estadual na data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Estar aqui falando em nome da CAA-PR, que é um braço assistencial da advocacia, é importante para mim enquanto mulher negra, mãe, advogada”, disse.

“Sabemos todos dos altos índices de feminicídio. A mulher negra ainda é a maior vítima. Somos a maioria em números, mas não em direitos. O racismo e as injúrias ferem na alma, trazem doenças. Queremos respeito, somos todas mulheres, queremos a nossa dignidade respeitada”, sustentou.

Elevador Social

“Todas nós temos uma história e não é uma história fácil de ser contada”, pontuou a presidente da Comissão da Mulher Advogada, Mariana Lopes Bonfim. Primeira mulher negra a compor a comissão na seccional, Mariana citou trechos do samba “Identidade”, que utiliza a metáfora do elevador social, para dizer das dores e agruras que os preconceitos trazem à mulher negra.

“Quão feridas saímos de cada acontecimento, mas fortalecidas. Duvidaram da nossa condição de advogadas por sermos negras. Já fui expulsa de uma audiência porque acharam que eu era mulher de um preso, não advogada. Não queremos mais viver isso.  Uma mulher branca trabalha três vezes mais que um homem. Nós, negras, temos que fazer nove vezes mais para alcançar o mesmo posto. Avançamos, mas deixamos parte de nós nesse caminho”, disse Mariana.

A advogada Andreia Candida Vitor, presidente da Comissão da Igualdade Racial, também compartilhou com os presentes um relato pessoal. No terceiro ano de faculdade, Andreia pensou em desistir do curso de Direito em função das dificuldades que enfrentou. Uma palavra de um professor que ela admirava a fez mudar de ideia. “Ele citou o exemplo da procuradora de Justiça Miriam de Freitas Santos, a primeira mulher negra a assumir um posto no MP-PR. Isso me fortaleceu”, relembrou. “As nossas lutas conhecemos bem. Gostaria que neste dia também nos alegrássemos com nossas vitórias, com o que estamos fazendo. Somos hoje as vitrines das futuras gerações”, disse.

Questões culturais

Em uma breve exposição, a vice-presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero, Sandra Lia Barwinski, sustentou que não há como discutir o tema da violência de gênero sem falar em racismo e sexismo no Brasil. Após uma breve exposição sobre o trabalho da OAB em relação a esta bandeira, ela alertou para a pouca visibilidade da violência de gênero contra a mulher negra. “As mulheres negras são as maiores vítimas da violência de gênero. Todavia, a questão racial não tem tido visibilidade nos protocolos de atendimento às mulheres em situação de violência, nem mesmo no Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida (FRIDA) que está sendo implantado em todo o país Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Ou seja, por mais relevante que seja, a questão racial não foi devidamente considerada nessa importante ação”, disse.

A questão da cultura como alicerce social também pautou a exposição da presidente da Comissão de Assuntos Culturais, Carmem Nicolodi. “A arte não tem uma cor, trabalhamos com todas as cores. O mundo tem todas as cores. Neste mês, quando se celebra esta data tão importante da cultura negra, temos uma exposição imperdível no MON sobre as mulheres negras. A arte expressa o nosso melhor sentimento, espero que todos consigam captar o melhor sentimento neste evento”, disse.

Também neste sentido, a vice-presidente da Comissão do Pacto Global, Luciane Maria Trippia, fez uma breve explicação sobre a atuação da OAB para a promoção da igualdade. “No intuito de aprimorar seu papel de agente transformadora da sociedade, a OAB foi a primeira a assinar o Pacto Global da ONU. A iniciativa visa engajar entidades a se alinharem nas atividades com vistas a uma sociedade mais igualitária”, relatou.

Violência contra a mulher negra

O primeiro painel abordou a temática da violência contra a mulher negra. O debate reuniu a procuradora de Justiça do MP-PR, Miriam de Freitas Santos, a defensora pública Flora Vaz Cardoso Pinheiro, e a chefe da Defensoria Pública da União em Curitiba, Rita Cristina de Oliveira. A mesa foi presidida por Silvia Regina de Oliveira e teve como secretária de mesa Fernanda Valério Garcia da Silva.

“Somos 54% da população. E esta população está num estado de vulnerabilidade. As mulheres enfrentam a desigualdade de gênero e por questões fisiológicas são mais propensas a serem vítimas de violência. A violência contra a mulher não escolhe etnia, renda ou escolaridade. Eu não viria aqui para dizer que só na etnia negra ocorre violência. Somos mais vulneráveis, mas a violência ocorre em todas as etnias. Graças ao feminismo, o problema que era restrito a quatro pareces saiu do armário”, enfatizou Miriam de Freitas Santos, primeira promotora de Justiça negra a ingressar no MP-PR, em 1981.

Para ilustrar o fenômeno da violência de gênero, Miriam citou a última Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que mostra que a mulher negra representa 1,5 milhão, de 2,4 milhões de mulheres que são agredidas no ano. “O elevado número demonstra que o racismo está presente e é pano de fundo da violência doméstica”, disse.

“O Brasil é um país extremamente racista. O racismo está entranhado nesta sociedade, é causa da exclusão social. Estamos excluídos nas priores periferias em razão do racismo cruel que se pratica contra a nossa etnia. Não podemos exercer a nossa cidadania plena. Enquanto isso não acontece, evidentemente não podemos dizer que vivemos num país onde se exerce a plena democracia”, lamentou.

Também estiveram em pauta as temáticas da “Mulher negra e trabalho” e “Políticas e mulheres negras”. Os temas foram abordados por Neide Alves dos Santos (Desembargadora do TRT/PR), Andréia Cândida Vitor (Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/PR), Maria Aparecida Blanco de Lima (Desembargadora do TJPR), Ananda Hadah Rodrigues Puchta (Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero OAB/PR), Simone Henrique (Conselheira Seccional Suplente da OAB/SP, Doutoranda e Mestre em Direitos Humanos) e Silvana Cristina de Oliveira Niemczewski (Secretária – Geral Adjunta da Caixa de Assistência dos Advogados do Paraná e Doutoranda em Direito Constitucional).