1º de outubro: Dia Internacional do Idoso e 15 anos do Estatuto do Idoso

Instituída mundialmente pela ONU e, no Brasil, pela lei 11.433, de 2006, o Dia Internacional do Idoso é celebrado neste 1º de outubro. Neste mesmo dia, o Estatuto do Idoso completa 15 anos.  O membro-consultor da Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa, Cornélio Capaverde, fala sobre os avanços e desafios para a efetivação da legislação.

NA FILA DO BANCO

Estou na fila do Banco, com senha para atendimento preferencial por ser idoso. Observo, ao meu lado, uma conversa entre dois companheiros de fila falando sobre ser idoso ou velho. Muitos são os argumentos de ambas as partes sustentando teses sobre a nomenclatura destas criaturas e os seus respectivos direitos. Imagino, neste momento, que estou com a boca cheia d’água para conter a minha mania de intervir. Consigo.

Mas, sobre o tema não basta o reconhecimento formal e obrigações do Estado, da sociedade e da família para com as pessoas idosas, que de várias formas e à sua maneira contribuíram e continuam contribuindo com o desenvolvimento da nação.

Não restam dúvidas ser imperioso que se mantenha o absoluto respeito aos direitos humanos fundamentais dos idosos, tanto em seu aspecto individual, como comunitário, espiritual e social, tal como está na previsão constitucional de consagração da dignidade da pessoa humana.

Flagrantemente necessário implementar tais direitos em todas as nossas práticas, como reconhecimento àqueles que construíram com amor, trabalho e esperança a história de nosso país, ensinando às novas gerações a importância de respeito permanente aos direitos fundamentais, desde o nascimento até a terceira idade.

KOFI ANNAN, Secretário Geral da ONU e Prêmio Nobel da Paz, recentemente falecido, em seus pronunciamentos sempre destacou o papel crucial que os idosos desempenham como intermediários entre o passado, o presente e o futuro e da importantíssima linha de comunicação que constituem para a sociedade. Afirmou, também, que:“ os jovens nunca iriam saber donde vêm ou qual a comunidade em que se inserem”., proclamando: “Em África, diz-se, quando morre um ancião, desaparece uma biblioteca.”

Pelo legado de ANNAN, precisamos considerar que a intensidade e a efetividade do respeito aos idosos passaram a demonstrar o grau de desenvolvimento educacional de um povo, e somente com educação integral poderemos garantir a formação de consciência de cidadania e justiça em todos os cidadãos.
Como se trata de uma crônica não podemos nos afastar da cronologia, daí refletir sobre as manchetes que nos informam existir no Japão uma quantidade enorme de pessoas idosas que já ultrapassaram os 100 anos, em condições saudáveis.

Da antiguidade temos a figura de Matusalém que teria vivido 969 anos e de acordo com a tradição judaica, descrita no Talmude, ele teria falecido uma semana antes da chegada das águas do dilúvio. Não tive acesso ao modo e fórmula estabelecida naqueles tempos bíblicos para saber como realizavam a contagem do tempo.

Atualmente utilizamos o calendário gregoriano, que não sofre influência do movimento dos astros. Ele foi instituído em 1582 pelo papa Gregório XIII (1502-1585), que reformou o calendário Juliano – uma herança do Império Romano.

Deduzimos que se aplicarmos o método atual para a contagem dos anos que viveu Matusalém, não chegaremos a um número tão elevado.

Em 28 de setembro de 1885 foi promulgada a Lei n.º 3.270, também conhecida como Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotejipe, que garantia liberdade aos escravos com 60 anos de idade ou mais, cabendo aos proprietários de escravos indenização. A indenização deveria ser paga pelo liberto, sendo, portanto, obrigado a prestar serviços ao seu ex-senhor por mais três anos ou até completar 65 anos de idade.

No texto da lei não encontramos nem a expressão velho, tampouco idoso, mas curiosamente, o escravo liberto tinha que indenizar o seu patrão.

Os tempos mudaram e o operário brasileiro, geralmente na idade dos 60 ou 65 anos, se aposenta, libera o seu fundo de garantia por tempo de serviço e passa a receber pensão pela seguridade social e previdência privada, se a tiver contratada.

Mais recentemente, logo após o término da Segunda Guerra (escrevo em letra maiúscula para nunca esquecê-la), tivemos em meio aos países democráticos reconhecida a dignidade do cidadão é sem dúvida um dos principais temas constitucionais.

Eis que A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que delineia os direitos humanos básicos, foi adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, que em seu Artigo XXV, estabelece:“Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”

Apareceu o termo velhice.

No Brasil tivemos quase uma dezena de Constituições, sendo a primeira em 1824 e a última em 1988, retalhada e emendada que se encontra. De 1824 até 1988, (164 anos) as leis brasileiras não se importaramm com as pessoas idosas .

Foi pela Constituição Federal brasileira de 1988 no artigo 1º, inciso III, apresentou o fundamento da dignidade da pessoa humana. Já no artigo 3º, estipulou que um dos objetivos fundamentais da República é o de promover o bem de todos, sem preconceito ou discriminação em face da idade do cidadão.

Ainda, de forma explícita o artigo 229 estabelece aos filhos maiores o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, bem como o artigo 230 que estipula que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas.

A partir daí ficou assegurada para a pessoa idosa, a sua participação na comunidade, com a Lei Magna defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida, num surpreendente e enorme avanço na área de proteção aos direitos dos idosos.

Inaugurou-se, assim, por parte dos idosos, uma notória atitude de organização e reivindicação de direitos, que foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação e que lhes deu visibilidade social.

Que todos os direitos garantidos pela Constituição, outorga ao idoso, o direito à vida englobando não apenas longevidade, mas ao envelhecimento com dignidade, respeito, proteção e inserção social.

No que se refere ao direito à liberdade, deve ser ele propiciado ao idoso por meio de providências reais por parte do Estado e da sociedade, principalmente a independência familiar e social, através de prestações previdenciárias e assistenciais eficazes.

Velho ou idoso, carcomido ou não, está restabelecido o direito à igualdade, resguardando aos idosos as mesmas condições das demais pessoas, que vivem em sociedade.

Garantido o direito à cidadania, sua importância está em possibilitar ao idoso conservar a capacidade de analisar e compreender a realidade política e social, criticá-la e atuar sobre ela.

O idoso que então não era reconhecido e tratado como cidadão, a realidade e os reclamos sociais obrigaram o constituinte a ser bem claro no texto, estabelecendo meios legais para que o mesmo deixasse de ser discriminado e receba o tratamento que lhe é devido.

A cidadania do idoso pode ser considerada um dos maiores avanços obtidos pela sociedade.

Na realidade, tal engajamento não é somente o dever do ESTADO, através de seus órgãos Públicos, já que a obtenção do reconhecimento e identidade pessoal e social é de responsabilidade de todos – família, sociedade e comunidade.

É necessário, sobretudo, que a família precisa estruturar-se a fim de proporcionar uma melhor convivência entre os seus membros, assumindo assim o seu novo papel em relação à tutela jurídica e ao amparo dos idosos. O papel essencial da família, no cenário social brasileiro está ligado à proteção, afetividade, alimentação, habitação, cuidados e acompanhamento médico, respeito e companheirismo.

A questão da proteção e inserção humana ao idoso deve continuar sendo debatida e reivindicada em todos os espaços possíveis, pois somente a mobilização permanente da sociedade será capaz de levar até os idosos a esperança de uma nova visão sobre o processo de envelhecimento dos cidadãos brasileiros.

Notadamente, que nem tudo estava resolvido, pois faltava uma norma programática sobre tais direitos, e superando uma terrível mora legislativa de 15 anos (1988-2003) tivemos aprovado pelo Senado Federal, em 1º de outubro de 2003, o Estatuto do Idoso.

O Estatuto veio dar continuidade ao lento movimento de universalização da cidadania, levando até o idoso a esperança de que seus anseios e necessidades estão de fato garantidos, seguindo as diretrizes da Política Nacional do Idoso, criando mecanismos de garantia de cumprimento de seus ditames, com a previsão de fiscalização e sanção.

Passamos a ter atendimento prioritário em locais de atendimento à população, nem sempre imediato e individualizado como prevê a lei; proibição de reajuste nos contratos feitos pelos planos de saúde; desconto mínimo de 50% no ingresso de atividades culturais e de lazer, além de preferência no assento aos locais onde as mesmas estão sendo realizadas; reserva de 5% das vagas de estacionamentos de veículos públicos e particulares; proibição e limite de idade para vagas de empregos e concursos, salvo os acessos em que a natureza do cargo exigir; a adoção do critério para desempate de concursos será a idade, favorecendo-se aos mais velhos; que os idosos com 65 anos ou mais que não tiverem como se sustentar terão direito ao benefício de um salário mínimo; reserva nos programas habitacionais para aquisição de imóveis; gratuidade e desconto de 50% no transporte rodoviário interestadual; gratuidade transporte coletivo urbano e semi-urbano para maiores de 65 anos, bem como tivemos delineados os atos que se constituem crime contra os idosos.

Com a permissão de Jorge R. Nascimento, e para poder me intrometer na conversa da fila no Banco, que a esta altura já foi desfeita, vamos destacar que: O idoso se renova a cada dia que começa; o velho se acaba a cada noite que termina, pois, enquanto o idoso tem os olhos postos no horizonte, de onde o sol desponta e ilumina a esperança, o velho tem sua miopia voltada para as sombras do passado; o idoso tem planos; o velho tem saudades; o idoso curte o que lhe resta da vida; o velho sofre o que o aproxima da morte; o idoso leva uma vida ativa, plena de projetos e prenhe de esperança. Para ele o tempo passa rápido, mas a velhice nunca chega. Para o velho suas horas se arrastam destituídas de sentido.Que, as rugas do idoso são bonitas, porque foram marcadas pelo sorriso.
Portanto: sorria!

Quero ser velho, cada dia mais, por certo voltarei à fila do Banco para prestar o meu atestado de vida e continuar vivo perante a Previdência Social.

Já tenho argumentos e não ficarei calado, temos muito que conversar, e, sem querer ser antropólogo ou cientista social, os convocarei para que levem a alteridade às suas vidas, de forma tal a compreender os porquês da vida e refletir sobre eles, entendendo que para toda ação existe um motivo e que existe um outro que é diferente de mim, que precisa ser visto e respeitado da mesma maneira que precisa me respeitar também.

CORNELIO AFONSO CAPAVERDE
HOMENAGEM AO CIDADÃO LINDOLPHO MANOEL DO CARMO (1918-2013) POR OCASIÃO DO CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO. VIVEU O SEU TEMPO.