Papel da advocacia na perspectiva de gênero é destaque em painel sobre assédio em Curitiba


A conselheira federal cearense Katianne Wirna Rodrigues Cruz Aragão presidiu o painel sobre assédio, tema relevante na programação da IV Conferência Nacional da Mulher Advogada aberta nesta quinta-feira (15/3) em Curitiba. A relatoria ficou a cargo da conselheira federal Rachel Cabus Moreira, conselheira federal de Alagoas, e a secretaria foi de Mariana de Assis Abreu Silva, tesoureira-adjunta da OAB-AP.

A advogada paranaense Melina Girardi Fachin, que integra a Comissão do Pacto Global como consultora foi uma das expositoras do tema. Também fizeram apresentações Dione Almeida, secretária-geral adjunta da OAB-SP, e a auditora do trabalho Luciana Veloso Baruki. 

Melina iniciou sua exposição destacando a relevância de Esperança Garcia, que deu nome à sala onde o painel ocorreu. “A história de Esperança precisa ser contada, recontada e exaltada. Primeira advogada que tivemos, mulher negra, postulando direitos e liberdade. Mulheres como Esperança Garcia não foram esquecidas por acaso”, afirmou Melina, fazendo uma correlação com o tema em pauta.

A advogada, que atua com direitos humanos, discorreu sobre o contexto social que favorece a cultura do assédio. Ela pontuou que há estruturas que mantêm essa prática, a partir das assimetrias de gênero que o patriarcado promove, como as duplas e triplas jornadas, que afetam mais as mulheres do que os homens, assim como as cargas mentais. “Essas estruturas vão enraizando as figuras femininas em posições subjugadas e subalternas. Essas desigualdades acabam se projetando em vários campos e em vários aspectos da vida das mulheres. Uma das dimensões é o assédio, assim como as violências. O assédio é fruto dessa estrutura patriarcal e dessas estruturas de poder”, ponderou Melina, apontando que essa realidade fomenta um ambiente de segurança para os agressores.

A advogada constitucionalista ressaltou ainda a importância dos operadores do direito para transformar esse contexto. “É fundamental que a gente tenha uma compreensão do que é o assédio, de como combatê-lo. E a Justiça é fundamental para desestruturar aquilo que institucionalmente segura a cultura do assédio”, definiu. Ela afirmou que as leis que recentemente trouxeram programas normativos de combate ao assédio levam a dois caminhos: o preventivo, que se realiza por meio da educação e dos diálogos; e o de responsabilização, especialmente quando o assédio representa um ilícito penal, que “precisa ser enfrentado, respondido e responsabilizado devida e adequadamente. Tenhamos consciência dessa nossa responsabilidade para o combate ao assédio”, conclamou as colegas, ao falar também sobre a importância de envolver os homens nesses debates e reflexões.

Melina Fachin observou que não é por acaso que 95% das denúncias de assédio têm figuras femininas como vítimas. Ela enfatizou a importância de a advocacia se conscientizar sobre o impacto que pode ter para “desmantelar estruturas históricas que se enraizaram no modo de ser e de construir a nossa sociedade nas relações de poder”. “Não há uma Justiça com perspectiva de gênero se não há uma advocacia com perspectiva de gênero”, cravou. “Precisamos romper com a indiferença às violências e às discriminações. O protagonismo dessa tarefa é feminino”, concluiu.

Histórico

No ano passado foi sancionada no Brasil a Lei 14.612, que insere punições pelas práticas de assédio sexual, moral e discriminação no âmbito do Estatuto da Advocacia. Essas práticas, portanto, passaram a ser passíveis de punição perante a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), consideradas infrações ético-disciplinares, com o infrator podendo ser afastado do exercício profissional pelo prazo de um mês a um ano.

A Lei 14.612, de 2023 define assédio moral como conduta praticada no exercício profissional por meio da repetição de gestos, palavras faladas ou escritas ou comportamentos que exponham o estagiário, advogado ou qualquer outro profissional a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de lhes causar ofensa à personalidade, à dignidade e à integridade psíquica ou física, visando a exclusão das funções ou a desestabilização emocional.

Já o assédio sexual é definido como a conduta de conotação sexual praticada em âmbito profissional ou em razão dele, manifestada fisicamente ou por palavras, gestos ou outros meios, proposta ou imposta à pessoa contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando sua liberdade sexual.

A discriminação, por sua vez, é definida como a conduta comissiva ou omissiva que dispense tratamento constrangedor ou humilhante a pessoa ou grupo de pessoas, em razão de deficiência, raça, cor ou sexo, procedência nacional ou regional, condição de gestante, lactante ou nutriz, faixa etária, religião ou outro fator.