Educação digital é antídoto contra a desinformação, afirmam especialistas em conferência sobre fake news

O painel sobre justiça eleitoral do conferência “Fake News e Cidadania: combate à desinformação e eleições de 2020”, realizado nesta terça-feira (7/7) pelas comissões de Direito Eleitoral e de Gestão da Informação da OAB Paraná e também pela Escola Superior de Advocacia (ESA) da seccional, reforçou a importância do investimento em educação digital por parte dos operadores do direito. Tendo como mediadora a advogada Juliana Nova, membro da Comissão de Inovação e Gestão da OAB Paraná, o painel contou com apresentações de Alexandre Basílio Coura, assessor jurídico do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS), e dos professores Frederico Rafael Martins de Almeida e Ana Claudia Santano.

Basílio Coura abriu sua apresentação apontando o desafio da velocidade no combate à desinformação. “O jurista Miguel Reale fala em fato, valor e norma. Mas em um mundo acelerado, quando se chega na etapa de pensar na norma já estamos atrasados em relação aos fatos e sua valoração”, pontuou. O advogado também apontou os esforços do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na tentativa de alcançar o que classificou como ações que, sobretudo no Whatsapp, figuram abaixo do radar da Justiça Eleitoral. “No período eleitoral, os pedidos de remoção e direito de resposta são frequentes, mas como dar efetividade a isso? Qual a garantia de que o grupo não será esvaziado para se reorganizar em paralelo. Devemos envolver um oficial de justiça nessa operação?”, questionou.

Disparos em massa

Para ele, o problema se concentra nos disparos em massa, sobre os quais não há clareza nem mesmo nos termos de uso do aplicativo. Em tempo real, Basílio Coura mostrou como a ação dos bots consegue seguir sem ferir as regras do aplicativo. “Com uma automação relativamente simples, umas 50 linhas de código, o bot pode ser programado para, por exemplo, adotar uma temporização que impeça sua detecção”, citou.

Quanto à limitação quantitativa, ele citou que a criação de grupos múltiplos, gerenciados automaticamente, também permite disparos automáticos que não ferem os termos de uso. “Com 40 grupos é possível fazer a mensagem chegar a 10 mil pessoas. Isso é mais que o número de eleitores na imensa maioria dos municípios brasileiros”, alertou, destacando que programas semelhantes podem operar nas redes sociais, como Instagram e Facebook, identificando hashtags e conteúdos. “A interação simulada, no modelo cyborg, meio humano e meio autômato, gera autoridade digital e não é detectável. Quem conhece programação pode adaptar o código para não ser alcançado pela previsão legal. Eis o desafio da Justiça Eleitoral”, completou.

Para o especialista, a legislação está num patamar insuficiente, quase ingênuo, para responder à velocidade tecnológica dos bota. O caminho, para ele, elevar o grau de conhecimento sobre programação entre os operadores de direito. “Criamos no Brasil, para recuperar atrasos, a Educação de Jovens Adultos (EJA). Pois agora precisamos da EDJA, a Educação Digital de Jovens Adultos. É quase um Mobral digital”, defendeu. O advogado lembrou ainda que os pedidos de remoção de postagens acabam tendo efeito inverso, despertando a curiosidade de quem nem tinha visto a desinformação.

Ações

Almeida, na mesma linha, concordou que a velocidade da informação traz ao debate sobre meios de contenção da desinformação mais incertezas do que certezas. “A disseminação da informação é muito rápida e legislação não tem como acompanhar”, disse. Também para ele o remédio está na qualificação de servidores da Justiça e também da advocacia.

Dentre os esforços já em curso, o professor citou a plataforma Gralha Confere, que está para ser lançado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) e os cursos preparatórios oferecidos aos servidores de todos os cartórios eleitorais do estado. “Foram três treinamentos, sobre registro de candidaturas, propaganda eleitoral e prestação de contas. Essa qualificação é importante porque são grandes as dificuldades para o Estado interferir, claro que de forma legítima e bem fundamentada, no sentido de remover mensagens que contenham desinformação. Outra iniciativa do TRE-PR mencionada por ele foi o projeto Universidade Amiga da Justiça Eleitoral, que estimula estudantes a participarem do processo e a atuarem como agentes multiplicadores de cidadania por todo o estado.

Imprecisão

Referindo-se à ordem constitucional como um campo de certezas, a professora Ana Claudia Santano abriu sua apresentação apontando a tendência de busca de informação pelo Whatsapp, presente no Brasil, como comportamento presente também em países do Sudeste da Ásia. “A popularização desse aplicativo nos países mais pobres se explica pela dispensa de um pacotes de dados. O Whatsapp é a porta para o mundo digital e, usado para a disseminação de desinformação pode causar grandes estragos. No Camboja o discurso de ódio religioso disseminado pelo aplicativo elevou a violência e levou à expulsão de parte da população para campos de refugiados em países vizinhos”, citou ela.

Para a professora, muitas vezes somos cúmplices da imprecisão sobre o que sejam as fakenews porque a falta de conceituação precisa nos permite, segundo conveniências de ocasião, tirar proveito disso. “Não temos um conceito claro do que seja desinformação, o que impede um controle por parte do Estado. Também é alto o grau de analfabetismo digital com o qual convivemos. Isso se combate com mais informação, com transparência, com verificação e mais democracia”, recomenda.

Ana Claudia considera que não basta trabalhar para conter a desinformação. A efetividade, em sua visão, depende de de se trabalhar com quem ouve e pode refletir sobre os boatos. “Os agentes de verificação de dados ainda não têm visibilidade suficiente. O melhor controle somos nós mesmos, que temos mais acesso à informação, esclarecendo as pessoas, ensinando-as a fazer checagem. Também é nosso papel nos policiar. Muitas vezes passamos adiante notícias nas quais acreditamos no primeiro momento. Não podemos reproduzir esse comportamento que tanto condenamos”, destacou, fazendo um alerta especial para a falta de filtros que se instala em setores nos quais a confiança prévia está presente, como os grupos da família. “Temos de exercitar e fomentar a capacidade de questionamento”, recomendou.

Confira a íntegra:

Criminalização das fake news demanda debate ético e conceitual

Os impactos que notícias falsas geram do ponto de vista jurídico e ético foram tema do debate Aspectos criminais da desinformação promovido durante o evento Fake News e cidadania: combate à desinformação e as eleições de 2020, transmitido pela Escola Superior da Advocacia (ESA) na noite de terça-feira (7). Participaram Diogo Rais, doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP, Danyelle Galvão, doutora em Direito Processual pela USP, e Alamiro Velludo Salvador Neto, professor titular do Departamento de Direito Penal, Medicina Legal e Criminologia da USP. A mediação foi feita pelo advogado Leandro Rosa.

Rais explicou que nem sempre um conteúdo que desinforma é mentiroso, pois é preciso analisar o contexto. “Não há como distinguir um conteúdo sem compreender o seu contexto, se é um conteúdo falso em um contexto verdadeiro ou um conteúdo verdadeiro com contexto falso”, explicou Rais. Ele lembrou que muitas vezes notícias verdadeiras são divulgadas em datas distintas de sua publicação e acabam transmitindo informações falsas. “A desinformação pode vir do conteúdo enganoso, dúbio e até do manipulado”, acrescentou o doutor em direito constitucional.

A emoção e adesão às fake news têm levado Rais a estudar o tema não somente do ponto de vista jurídico, mas também sob um viés psicológico e moral. “A minha discussão é se o direito é mesmo o caminho para refletir sobre o dilema entre verdade e mentira, que está mais no campo da ética. Talvez para o direito essa questão está mais voltada à mentira em relação ao dano”, sintetizou.

“Precisamos analisar o que queremos prevenir como sociedade e o que queremos proteger como bem jurídico”, pontuou Danyelle. Para ela, é preciso tratar com cuidado a questão criminal porque ainda não se tem um conceito exato de fake news. “Queremos punir a pequena transmissão de informações inverídicas ou aquele que faz da distribuição de notícias falsas uma atividade mercantil, com retorno financeiro ou político?”, ponderou a advogada.

Para Danyelle, a tipificação penal existente hoje é adequada diante das definições que se tem até agora. O desafio é atender as demandas de se criar um regramento, especialmente no contexto eleitoral, sem que se configure uma censura e sem transformar os provedores de internet em polícia judiciária.

Lógica da criminalização

Se o debate for voltado a um instrumento para evitar resultados como ofensa e dano, Salvador Neto considera não haverá novidade, pois se continuará operando na lógica da calúnia. ”Pode-se imaginar um sistema penal que promova um dever de lealdade em certos contextos. Aí, não tem a criminalização de um resultado que a fake news possa trazer, mas tem a criminalização dela em si. Traz o direito penal como valor de reforço de um valor ético-social da verdade e da lisura, que determinadas pessoas precisam apresentar em certas circunstâncias”, explica o professo titular da USP.

Salvador Neto apontou a criminalização do financiamento como uma possibilidade para responsabilização penal pela fake news. Deste modo responderia aquele que pratica o abuso do poder econômico, o que distancia essa conduta do cidadão que compartilha informações em suas redes pessoais e do jornalismo sério que produz informações verdadeiras.