Novas palavras no direito: Revista da Ordem aborda mudanças tecnológicas e sociais que impactam o vocabulário jurídico

A última edição da Revista da Ordem traz entre os destaques uma matéria sobre o surgimento de novas palavras no mundo do direito e aborda como surgem novos termos na Língua Portuguesa. A matéria conta com entrevistas de juristas e de pesquisadores do idioma. Eles refletem sobre como relações culturais, mudanças na sociedade e a nova realidade trazida pela tecnologia resultam no surgimento de novos termos jurídicos. Além disso, a pauta faz um paralelo com o idioma como um todo e pelas mudanças pelas quais passa constantemente.

Confira a íntegra da matéria da revista

Confira também a entrevista do professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Rafael Rigo. Entre os temas com que ele atua, estão analogias quantitativas, ensino com analogias, etimologia e pronúncia do Latim Científico.

Existem alguns contextos ou aspectos mais comuns que levam à formação de novas palavras? Quais seriam?

O contexto em que as palavras novas (neologismos) surgem é permeado basicamente pela necessidade da inovação vocabular que surge naturalmente na humanidade. Essa necessidade é criada pelo impacto das novidades sociocientíficas e culturais em determinados grupos sociais, que demandam novos termos e significados, e pela expressão identitária dos diversos grupos sociais, cuja união é pelo compartilhamento de um socioleto (dialeto social), com gírias, jargões e um jeito próprio de se comunicar. Dou exemplos. As inovações científicas nos conduziram a novas atividades, que precisaram ter nomes diferenciados em razão de sua originalidade. Assim, com a tecnologia, tivemos a chegada de ‘telemedicina’, ‘ciberataque’, ‘astroturismo’, ‘metaverso’, etc. Com as mudanças sociais, surgiram termos como ‘pós-verdade’, ‘feminicídio’, ‘sororidade’, ‘transgeneridade’, ‘negacionismo’ e ‘necropolítica’. Já os neologismos de grupos específicos (advindos dos socioletos) nem sempre ganham os dicionários ou chegam a aparecer no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), mas existem informalmente por aí. A comunidade LGBT, pela linguagem pajubá, cunhou neologismo como ‘inhaí’, ‘aquendar’, ‘bafônico’ e ‘mona’, mas que não são universais dentro do grande grupos. Os gamers têm seus verbos que misturam inglês com sufixos do português tais como ‘farmar’, ‘kickar’, ‘rushar’, ‘resetar’, ‘droppar’ e ‘upar’. O povo da moda conta com os estrangeirismos ‘look’, ‘hype’, ‘fashion’, ‘girlie’, ‘glam’, ‘jogging’, etc. A lista de exemplos dentro das comunidades é enorme. Encontraremos neologismos particulares no mundo dos negócios, do futebol, do K-Pop, dos esqueitistas, dos presídios, dos influenciadores digitais, dos ribeirinhos, do agronegócio, da periferia, dos adolescentes e por aí vai.

Pode-se dizer que na Língua Portuguesa há boa aceitação de novos termos. Existem alguns critérios teóricos ou empíricos que levam palavras a serem absorvidas mais rapidamente e reconhecidas formalmente em nosso idioma?

A língua portuguesa sempre recebeu bem os estrangeirismos de todos os povos com que teve contato e sempre se beneficiou com isso. Absorveu um sem-número de palavras das línguas indígenas sul-americanas (tupi, guarani, caribe), das línguas africanas (quimbundo, iorubá, quicongo), além das europeias e asiáticas. O critério original para a adoção de um termo estrangeiro é a falta de um, do próprio idioma, que pudesse cumprir a contento essa tarefa. Por não terem palavra própria, os primeiros portugueses, por exemplo, passaram a também assim chamar a paca (mamífero roedor) como os tupis faziam. O segundo critério se dá pela influência da língua culturalmente dominante, já que o termo estrangeiro acaba demonstrando mais status que o da língua pátria. Por exemplo, durante a Belle Époque (1871–1914), período em que a França exerceu grande fascínio cultural sobre o Brasil, preferimos empregar o termo ‘abajur’ (inicialmente abat-jour) do que ‘quebra-luz’. Se o objeto surgisse hoje, certamente o chamaríamos como lampshade. No fim, tanto faz se o que prevalece é a forma aportuguesada ou a original estrangeira (como, por exemplo, ‘leiaute’ e layout), pois o critério para que uma palavra seja admitida como verbete nos dicionários e no Volp é bem simples: a frequência em que é usada entre os falantes.

A utilização de certos termos leva à identificação de determinados grupos, que podem ser vistos como exclusivos ou apartados de acordo com o vocabulário que utilizam. É possível dizer que esse impacto social e a necessidade de certos grupos (profissionais, sociais, etc.) impulsiona a formação de novas palavras?

Certamente. Os grupos sociais tendem a formam círculos culturais próprios, o que inclui a formação de seu vocabulário característico. Na busca, consciente ou não, de produzir características culturais que os distinguam dos demais, seus membros vão produzindo e incorporando neologismos que só eles entendem. Essas novas palavras podem, ainda, se popularizar e furar a esfera social do grupo (a chamada ‘bolha’) e ganhar proporções muito maiores, geralmente potencializadas pela celeridade da comunicação pela internet; ou podem ter sobrevida curta, passadas as circunstâncias que as favoreciam no grupo. No âmbito do programa de tevê Big Brother Brasil, por exemplo, em 2010, o participante Dicésar popularizou o termo ‘adogo’ (variante de ‘adoro’, do verbo ‘adorar’) que teve lá seus 15 min de fama e depois sumiu; na edição de 2020, os usuários do Twitter popularizaram o termo ‘vtzeiro’ (mistura da sigla VT, de video tape, e o sufixo ‘-eiro’, que denota o que desempenha uma atividade) para qualificar os participantes que buscavam mais aparecer às câmeras. Esta segue sobrevivendo. Os neologismos advindos do socioleto servem tanto para unir seus membros como para identificar quem dele não é pertencente. Por exemplo, os falantes das linguagens do Rap, dos presídios, dos marginais e de grupos sociais restritos sabem que, o sujeito que diz ‘tênis’ em vez de ‘pisante’ ou ‘boot’ é alguém de fora daquele círculo.