OAB vai à Justiça contra aumento de tributos sobre combustíveis

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) entrou com uma ação civil pública questionando o aumento das alíquotas de PIS e Cofins que incidem sobre a venda de combustíveis. A ação inicial, protocolada na sexta-feira (25/8) na Justiça Federal, em Brasília, aponta como inconstitucional o decreto que elevou as alíquotas dada a violação do princípio da legalidade.

A OAB indica que o inciso I do artigo 150 da Constituição veda ao Executivo, federal, estadual ou municipal, de “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Ao tomar a decisão por decreto do presidente Michel Temer, em julho, a União usurpou a competência do Legislativo. Para a OAB houve também afronta ao princípio constitucional da anterioridade nonagesimal, que exige ao menos 90 dias de prazo para a entrada em vigor de lei que crie ou eleve tributos.

“Não é possível que o governo tente suplantar suas enormes dificuldades de gestão, muitas delas decorrentes de péssima administração, corrupção e escolhas fisiologistas, com o sacrifício dos consumidores”, diz a petição, assinada pelo presidente da OAB, Claudio Lamachia; pelo procurador especial tributário do CFOAB, Luiz Gustavo Bichara; pelo presidente da Comissão de Direito Tributário do CFOAB, Breno Dias de Paula; e pelos advogados Oswaldo Pinheiro Ribeiro Júnior e Rafael Barbosa de Castilho.

Desde que foi decretada, a medida já foi suspensa e revalidada pela Justiça em três ocasiões. No dia 24 de agosto, a Justiça Federal no Rio Grande do Sul vetou o aumento no âmbito estadual. O decreto já foi questionado no Supremo Tribunal Federal em ação relatada pela ministra Rosa Weber.

 

Leia a íntegra da inicial:

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL A QUE COUBER POR LIVRE DISTRIBUIÇÃO

 

CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – CFOAB, serviço público dotado de personalidade jurídica própria e forma Federativa, regulamentado pela Lei nº 8.906/94, com sede em Brasília/DF, no SAUS, Qd. 05, Lote 01, Bloco M, inscrito no CNPJ sob nº 33.205.451/0001-14, por seu Presidente CLAUDIO LAMACHIA e pelos advogados que esta subscrevem, ajuizar

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

com pedido de concessão de tutela de urgência

contra a UNIÃO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL, o que faz pelos seguintes fundamentos de fato e de direito.

 

I – DOS FATOS

  1. Como de amplo conhecimento, o Presidente da República editou o Decreto nº 9.101/17 publicado no DOU-I em 21 de julho de 2017 (em anexo), com vigência imediata, cujo objetivo é o de aumentar a arrecadação federal por intermédio da majoração de alíquotas da Contribuição para o PIS e a da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS incidentes sobre a importação e a comercialização de gasolina, óleo, diesel, gás liquefeito (GLP), querosene de avião e álcool.

 

  1. Entretanto, conforme será demonstrado a seguir, a eficácia do referido ato normativo deve ser afastada, uma vez que padece de inconstitucionalidades, a saber:
  2. Afronta ao Princípio da Legalidade previsto no art. 150, inciso I, da Constituição Federal, segundo o qual, dentre suas vertentes, a majoração de tributos somente poderá ser realizada mediante edição de lei em sentido estrito;
  3. Por consequência lógica da incidência do item a), viola, também, o Princípio da Separação de Poderes estabelecido no art. 2º da Carta Maior e que consagra a independência e harmonia entre os três Poderes da República;
  4. Descumpre a finalidade extrafiscal das contribuições sociais descrita no art. 195 da Constituição Federal, posto a vedação deste tipo de tributo com o intuito meramente arrecadatório; e
  5. Transgride o Princípio da Noventena esculpido nos arts. 150, inciso III, e 195, § 6º, ambos da Constituição Federal, segundo o qual os entes tributantes somente poderão cobrar tributo depois de decorridos noventa dias da publicação da lei que o instituiu ou aumentou; e
  6. Diante das inconstitucionalidades apontadas, se torna imperioso o afastamento, por determinação judicial, da eficácia e aplicação do Decreto nº101/17.

 

II – PRELIMINARMENTE: DA LEGITIMIDADE ATIVA DO CONSELHO FEDERAL DA OAB E A ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA PARA OS FINS ALMEJADOS.

  1. A Lei Federal nº 8.906/94 estabelece, em seu artigo 44, as seguintes finalidades da Ordem dos Advogados do Brasil:

 “Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.” (grifou-se)

  1. Na realização de suas finalidades institucionais, insculpidas no artigo supratranscrito, é cediço que o papel institucional da OAB não pode e nem deve ficar atrelado aos assuntos atinentes à advocacia e ao exercício profissional do advogado, devendo ser reconhecida sua relevância social e seu papel de entidade voltada aos interesses coletivos mais amplos e gerais da nação.
  2. Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça firmou, nos autos do Recurso Especial nº 1.351.760, entendimento de que a OAB possui legitimidade para proceder, por meio da ação civil pública, à defesa de interesses transindividuais, nos seguintes termos:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. CONSELHO SECCIONAL. PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO URBANÍSTICO, CULTURAL E HISTÓRICO. LIMITAÇÃO POR PERTINÊNCIA TEMÁTICA. INCABÍVEL. LEITURA SISTEMÁTICA DO ART. 54, XIV, COM O ART. 44, I, DA LEI 8.906/94. DEFESA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DO ESTADO DE DIREITO E DA JUSTIÇA SOCIAL. 1. Cuida-se de recurso especial interposto contra acórdão que manteve a sentença que extinguiu, sem apreciação do mérito, uma ação civil pública ajuizada pelo conselho seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em prol da proteção do patrimônio urbanístico, cultural e histórico local; a recorrente alega violação dos arts. 44, 45, § 2º, 54, XIV, e 59, todos da Lei n. 8.906/94. 2. Os conselhos seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil podem ajuizar as ações previstas – inclusive as ações civis públicas – no art. 54, XIV, em relação aos temas que afetem a sua esfera local, restringidos territorialmente pelo art. 45, § 2º, da Lei n. 8.906/84. 3. A legitimidade ativa – fixada no art. 54, XIV, da Lei n. 8.906/94 – para propositura de ações civis públicas por parte da Ordem dos Advogados do Brasil, seja pelo Conselho Federal, seja pelos conselhos seccionais, deve ser lida de forma abrangente, em razão das finalidades outorgadas pelo legislador à entidade – que possui caráter peculiar no mundo jurídico – por meio do art. 44, I, da mesma norma; não é possível limitar a atuação da OAB em razão de pertinência temática, uma vez que a ela corresponde a defesa, inclusive judicial, da Constituição Federal, do Estado de Direito e da justiça social, o que, inexoravelmente, inclui todos os direitos coletivos e difusos. Recurso especial provido.” 

  1. Entende da mesma forma o Egrégio Tribunal Regional Federal da Primeira Região, conforme aresto abaixo reproduzido:

“PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDIUAIS HOMOGÊNEOS. REAJUSTE DE MENSALIDADES ESCOLARES. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. SENTENÇA CASSADA.  1. A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB ostenta legitimidade para ajuizar ação civil pública destinada à defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores (art. 5º da Lei 7.347/85 c/c art. 44, I, da Lei 8.906/94 c/c art. 170, V, da Constituição). Precedente.  2. Apelação provida.

VOTO CONDUTOR

(…) De acordo com o art. 6º do Código de Processo Civil, ‘ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei’.

In casu, a OAB age no exercício de legitimação extraordinária, substituindo processualmente os consumidores do Estado do Pará afetados pelo acordo cuja desconstituição se pleiteia.

Essa legitimação extraordinária da OAB encontra respaldo no art. 5º da Lei 7.347/85, porquanto tal ente ostenta personalidade jurídica equiparada à de uma autarquia federal e possui, entre outras finalidades, a de defender a justiça social (art. 44, I, Lei 8.906/94), que engloba a defesa do consumidor (art. 170, V, CF/88).

  1. Em total consonância com as decisões colacionadas, não resta a menor dúvida de que o Conselho Federal da OAB possui legitimidade para o ajuizamento de ações civis públicas, a qual deve ser entendida de forma abrangente, não se limitando à defesa da classe dos advogados.
  2. Inegável, portanto, a legitimidade ativa ad causam do Conselho Federal da OAB para formular o presente pleito, consoante o artigo 54, inciso XIV, da Lei nº 8.906/94, que autoriza o Conselho Federal da OAB a ajuizar ação civil pública, in verbis:

“Art. 54. Compete ao Conselho Federal:

(…)

XIV – ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e atos normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei;” (grifou-se)

  1. Por fim, cabe destacar o entendimento sustentado pelo doutrinador Paulo Lôbo, que leciona sobre a competência da OAB. Veja-se:

“A ação civil pública é um avançado instrumento processual introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n.º 7347, de 24 de julho de 1985, para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (por exemplo, meio ambiente, consumidor, patrimônio turístico, histórico, artístico). Os autores legitimados são sempre entes ou entidades, públicos ou privados, inclusive associação civil existente há mais de um ano e que inclua entre suas finalidades a defesa desses interesses. O elenco de legitimidade foi acrescido da OAB, que poderá ingressar com a ação não apenas em prol dos interesses coletivos de seus inscritos, mas também para tutela dos interesses difusos, que não se identificam em classes ou grupos de pessoas vinculadas por uma relação jurídica básica. Sendo de caráter legal a legitimidade coletiva da OAB, não há necessidade de comprovar pertinência temática com suas finalidades, quando ingressar em juízo.

  1. Quanto ao cabimento da ação civil pública para tutelar direitos individuais e homogêneos de natureza tributária quando verificado o interesse público, o Superior Tribunal de Justiça recentemente decidiu:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS COM ORIGEM NUMA MESMA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. INTERESSE PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POSSIBILIDADE. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA.

I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.

II – O recurso especial, interposto pelas alíneas a e/ou c do inciso III do art. 105 da Constituição da República, não merece prosperar quando o acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência desta Corte, a teor da Súmula n. 83/STJ.

III – É cabível o manejo de Ação Civil Pública para tutelar direitos individuais homogêneos de origem tributária no caso de se vislumbrar a presença de interesse público.

IV – A Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.

V – Agravo Interno improvido.” (STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp nº 1.428.611/SE, Rel.: Ministra REGINA HELENA COSTA, Publicado no DJ em 30/3/2017).

  1. Neste precedente, a Excelentíssima Senhora Ministra Regina Helena Costa teve a oportunidade de firmar a seguinte compreensão, de todo aplicável ao caso que se apresenta nos autos:

“Desse modo, resta afastado o caráter tributário do objeto da ação, quando esta busca, em verdade, o resguardo de direitos difusos e coletivos. Nessa linha, destaco, ainda, os seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 81 E 82, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 129, III, DA CF. LEI COMPLEMENTAR N.º 75⁄93. DIREITO CONSUMERISTA. COBRANÇA UNIFICADA DA CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA COM A TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. COERÇÃO PARA O PAGAMENTO CONJUNTO. LEGALIDADE DA COBRANÇA DA CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA NA FATURA DE CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE DECIDIU A CONTROVÉRSIA À LUZ DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.  LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. SÚMULA 07⁄STJ.

  1. O Ministério Público ostenta legitimidade para a propositura de Ação Civil Pública em defesa de direitos transindividuais, como sói ser a pretensão de emissão de faturas de consumo de energia elétrica, com dois códigos de leitura ótica, informando de forma clara e ostensiva os valores correspondentes à contribuição de iluminação pública e à tarifa de energia elétrica, ante a ratio essendi do art. 129, III, da Constituição Federal, arts. 81 e 82, do Código de Defesa do Consumidor e art. 1º, da Lei 7.347⁄85.

Precedentes do STF (AGR no RE 424.048⁄SC, DJ de 25⁄11⁄2005) e S.T.J (RESP 435.465⁄MT,  PRIMEIRA TURMA, julgado em 18.08.2009; REsp 806304⁄RS, PRIMEIRA TURMA, DJ de 17⁄12⁄2008; REsp 520548⁄MT, PRIMEIRA TURMA, DJ 11⁄05⁄2006; REsp 799.669⁄RJ, PRIMEIRA TURMA, DJ 18.02.2008; REsp 684712⁄DF, PRIMEIRA TURMA, DJ 23.11.2006 e AgRg no REsp 633.470⁄CE, TERCEIRA TURMA, DJ de 19⁄12⁄2005).

  1. In casu, o pedido veiculado na ação coletiva ab origine não revela pretensão de índole tributária, ao revés, objetiva a condenação da empresa concessionária de energia elétrica à emissão de faturas de consumo de energia elétrica, com dois códigos de leitura ótica, informando de forma clara e ostensiva os valores correspondentes a contribuição de iluminação pública e à tarifa de energia elétrica, fato que, evidentemente, afasta a vedação encarta no art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347⁄95 (Lei da Ação Civil Pública).
  2. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.
  3. O novel art. 129, III, da Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie de ação na defesa de direitos difusos e coletivos não se limitando à ação de reparação de danos.
  4. O Parquet sob o enfoque pós-positivista legitima-se a toda e qualquer demanda que vise à defesa dos interesses difusos, coletivos e sociais sob o ângulo material ou imaterial.
  5. As ações que versam interesses individuais homogêneos participam da ideologia das ações difusas, como sói ser a ação civil pública. A despersonalização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais.
  6. A ação em si não se dirige a interesses individuais, mercê de a coisa julgada in utilibus poder ser aproveitada pelo titular do direito individual homogêneo se não tiver promovido ação própria.
  7. A ação civil pública, na sua essência, versa interesses individuais homogêneos e não pode ser caracterizada como uma ação gravitante em torno de direitos disponíveis. O simples fato de o interesse ser supra-individual, por si só já o torna indisponível, o que basta para legitimar o Ministério Público para a propositura dessas ações.

(…)

  1. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.

(REsp 1010130⁄MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09⁄11⁄2010, DJe 24⁄11⁄2010, destaque meu).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SINDICATO DA CATEGORIA. CUSTAS, DESPESAS E HONORÁRIOS. ISENÇÃO. SALVO COMPROVADA MÁ-FÉ.

  1. “O ajuizamento de ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores é pertinente, tendo o sindicato legitimidade para propor a referida ação em defesa de interesses individuais homogêneos da categoria que representa.

Em tais casos, uma vez processada a ação civil pública, aplica-se, in totum, o teor do art. 18 da lei n. 7.347⁄1985″, afastando o adiantamento de quaisquer custas, despesas e a condenação em honorários de advogado, salvo comprovada má-fé. Precedente: AgRg no REsp 1.423.654⁄RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18⁄2⁄2014.

  1. Agravo regimental não provido.

(AgRg nos EDcl no REsp 1322166⁄PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07⁄10⁄2014, DJe 15⁄10⁄2014).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DE SERVIDORES PÚBLICOS. CABIMENTO. LEGITIMIDADE DO SINDICATO. ISENÇÃO DE CUSTAS. APLICAÇÃO DO ART. 18 DA LEI N. 7.347⁄85. PRECEDENTES.

  1. É cabível o ajuizamento de ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores, devendo ser reconhecida a legitimidade do Sindicato recorrente para propor a presente ação em defesa de interesses individuais homogêneos da categoria que representa. Com o processamento da presente demanda na forma de ação civil pública, plenamente incidente o art. 18 da lei n. 7.347⁄85, com a isenção de custas, ainda que não a título de assistência judiciária gratuita.

Precedentes do STJ.

  1. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1423654⁄RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11⁄02⁄2014, DJe 18⁄02⁄2014).

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SINDICATO NA REPRESENTAÇÃO DA CATEGORIA. LEGITIMIDADE. DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS NÃO RELACIONADOS A CONSUMIDORES. ISENÇÃO DE CUSTAS. POSSIBILIDADE.

  1. No caso, o sindicato ajuizou ação civil pública contra a União para pleitear, na qualidade de substituto processual, indenização por danos materiais decorrentes da omissão do Poder Executivo em propor lei de revisão geral da remuneração dos servidores substituídos, nos moldes do art. 37, X, da CF.
  2. O ajuizamento de ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores é pertinente, tendo o sindicato legitimidade para propor a referida ação em defesa de interesses individuais homogêneos da categoria que representa.
  3. Em tais casos, uma vez processada a ação civil pública, aplica-se, in totum, o teor do art. 18 da lei n. 7.347⁄1985, com a isenção de custas, mesmo que não seja a título de assistência judiciária gratuita. Precedente: AgRg no REsp 1.423.654⁄RS, Rel.

Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 18⁄2⁄2014.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1453237⁄RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05⁄06⁄2014, DJe 13⁄06⁄2014).

Dessarte, resta afastado o caráter tributário do objeto da ação civil pública quando esta objetiva tutelar direitos individuais de origem homogênea.

Acerca do tema, assim já me manifestei em obra doutrinária:

Associadas as duas ideias preliminares – a de obrigação tributária ex lege e a do princípio da generalidade da tributação – e considerados os direitos individuais de origem comum, exsurge, com clareza, que relações obrigacionais tributárias vão gerar, com frequência, direitos individuais de origem homogênea.

(…)

A jurisprudência, ao usar o argumento segundo o qual é inadmissível a utilização da ação civil pública para a proteção desses direitos, em razão de seu caráter individual e disponível, incorre em equívoco, pois isso não se discute, já que assim o diz a própria lei. De fato, são individuais e disponíveis, só que não são quaisquer direitos individuais e disponíveis, o que faz concluir, obviamente, que o Ministério Público não estará legitimado a buscar a tutela de quaisquer direitos individuais e disponíveis. Isso somente será possível se os mesmos tiverem origem homogênea e desde que se possa vislumbrar a presença de interesse público, elemento que configura a vinculação desses interesses com a função institucional do Ministério Público.

É preciso ter-se em mente que o tributo não é apenas um valor em dinheiro a ser entregue ao fisco, sem outras repercussões; consiste, em verdade, numa prestação pecuniária cuja exigência é disciplinada pela Constituição e que atinge direta e necessariamente dois direitos fundamentais do sujeito passivo: o direito de propriedade e o direito de liberdade.

(…)

Em consequência, há inegável interesse público na defesa de direitos individuais de origem homogênea, que têm origem numa mesma obrigação tributária, caso essa obrigação tributária esteja afetando indevidamente o exercício de direitos fundamentais. Não se pode, portanto, ter uma visão estreita do conceito de tributo. Sua exigência repercute na esfera jurídica de cada pessoa física, de cada pessoa jurídica, atingindo a liberdade e a propriedade de cada um e, por vezes, vulnerando outros direitos (Curso de Direito Tributário – Constituição e Código Tributário Nacional, São Paulo, Saraiva, 2016, pp. 460-463).”

  1. No caso específico dos autos, tal qual nos precedentes citados, essa excepcionalidade está absolutamente configurada. Isso porque, dadas as peculiaridades do aumento do tributo de que se cogita, todos os consumidores, nacionalmente considerados, foram atingidos, não havendo como afastar essa agressão constitucional senão através de uma ação civil pública pelas entidades a tanto autorizadas por lei. O que se quer tutelar, em última instância, imprescindível que se afirme e reafirme a premissa, são os interesses dos contribuintes, sendo certo que o aumento da carga tributária sobre os combustíveis traz todo um efeito cascata na economia, majorando os preços dos alimentos, dos insumos, enfim, as consequências são drásticas para um país que urgentemente precisa de investimentos produtivos.
  2. Não é possível que o Governo Federal tente suplantar suas enormes dificuldades de gestão, muitas delas decorrentes de uma péssima administração, corrupção galopante/insolúvel e escolhas fisiologistas, com o sacrifício dos consumidores.
  3. Desse modo, considerando-se a clareza das disposições do Estatuto da Advocacia e do Regulamento Geral da OAB e da jurisprudência pacífica, não restam dúvidas quanto à legitimidade deste Conselho Federal para propositura da presente ação civil pública, bem como a adequação da via eleita para as pretensões almejadas.

 III – DAS RAZÕES DE MÉRITO

III. a) DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA SEPARAÇÃO DE PODERES – ARTS. 2º E 150, I, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

  1. Como já mencionado, o Decreto Presidencial nº 9.101/2017 aumentou as alíquotas do PIS e da COFINS incidentes sobre a gasolina, o álcool, o diesel, o óleo, o etanol, o gás liquefeito e o querosene de avião, violando algumas limitações constitucionais ao poder de tributar, notadamente, o princípio da legalidade, estabelecido no art. 150, inciso I, da Constituição Federal:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

  1. Segundo o referido princípio, é vedado a União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios, instituir ou majorar tributos, senão mediante edição de lei em sentido estrito. Assim, por constituir em direito fundamental do contribuinte, integra o denominado Estatuto dos Contribuintes que, segundo as palavras do Professor Humberto Ávila, possui o viés tanto de regular a relação jurídica entre o contribuinte e o ente fiscal, quanto o de garantir direitos dos contribuintes e limitar o poder estatal de tributar, in verbis:

“A expressão ‘Estatuto do Contribuinte’ denota um conjunto de normas que regula a relação entre o contribuinte e o ente tributante. Sua utilização possui conotação tanto de garantia dos direitos dos contribuintes quanto limitativa do poder de tributar”.

  1. Por essa razão, a sua aplicação só pode ser mitigada mediante autorização expressa do próprio texto constitucional, como nas hipóteses elencadas pelo art. 153, § 1º, da Constituição, que autoriza o Poder Executivo, mediante edição de ato infralegal, modificar as alíquotas do Imposto de Importação – II, Imposto de Exportação – IE, Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e o Impostos sobre Operações Financeiras – IOF, bem como para reduzir ou reestabelecer as alíquotas da CIDE-combustível fixada em lei (art. 177, § 4º, I, “b”, da CF) e definir, reduzir ou reestabelecer as alíquotas do ICMS incidente de forma monofásica sobre combustíveis e lubrificantes definidos em lei complementar, desde que aprovado por convênio editado pelo CONFAZ (art. 155, § 2º, XII, “h”, e § 4º, IV, “c”, da CF).
  2. Assim, por se tratar de exceções, as hipóteses de acima descritas devem ser interpretadas de forma restritiva, conforme esclarece a mais balizada doutrina.
  3. Nesse sentido, Luiz Eduardo Schoueri leciona:

“(…) não há mitigação tácita ao princípio da legalidade em matéria tributária. Quando o constituinte assim desejou, ele expressamente previu a possibilidade do Executivo, nos limites da lei, alterar as alíquotas”.

  1. Tal assertiva pauta-se, também, no fato de que a legalidade tributária nada mais é do que uma vertente do sobreprincípio da segurança jurídica aplicada em matéria fiscal, de maneira a propiciar ao contribuinte a certeza quanto a abrangência quantitativa da obrigação tributária a qual ele será submetido no caso em que dê concretude a hipótese de incidência descrita na norma tributária.
  2. Sobre essa vertente atribuída ao princípio da legalidade, Marco Aurélio Greco, com maestria que lhe é peculiar, enfatiza:

“(…) legalidade também é instrumento de proteção contra investidas decorrentes do exercício do poder. Como tal, é inafastável elemento de defesa do cidadão no relacionamento com o Poder Público, inclusive com o Fisco”.

  1. Desse modo, tendo em vista que a hipótese em apreço não está abarcada pelas situações contidas nos arts. 153, § 1º, 155, § 2º, XII, “h”, e § 4º, IV, “c”, e 177, § 4º, I, “b”, da CF, não restam dúvidas que o Decreto nº 9.101/17, ao majorar, na forma que dispõe, as alíquotas do PIS e da COFINS incidentes sobre os combustíveis violou, de forma acentuada, o princípio da legalidade tributária contido no 150, I, da Constituição Federal.
  2. O Supremo Tribunal Federal, de forma congênere, ao apreciar a contribuição do antigo Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA, mesmo reconhecendo sua recepção pela Constituição Federal de 1988, asseverou a vedação constitucional de alteração de alíquota por autoridade administrativa. Veja-se:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONSTRIBUIÇÃO DEVIDA AO INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL – IAA. A CF/88 RECEPCIONOU O D. L. 308/67, COM AS ALTERAÇÕES DOS DECRETOS-LEIS 1.712/79 E 1.952/82.

Ficou afastada a ofensa ao art. 149, da CF/88, que exige lei complementar para instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico.

A contribuição para o IAA é compatível com o sistema tributário nacional. Não vulnera o art. 34, § 5º, do ADCT/88.

É incompatível com a CF/88 a possibilidade da alíquota variar ou ser fixada por autoridade administrativa.

Recurso não conhecido.” (STF. Plenário. RE 214.206/AL. Rel.: Min. CARLOS VELLOSO. Redator para o acórdão: Min. NELSON JOBIM. Publicado no DJ em 29/05/1998).

 Por fim, tem-se por violado, também, o princípio da Separação de Poderes esculpido no 2º da Carta Magna. Isto porque, como demonstrado, o constituinte outorgou, via de regra, ao parlamento, na condição de órgão representativo da sociedade, a função precípua de editar normas que instituam ou majorem tributos, de tal forma que, no caso em apreço, o Poder Executivo, ao editar o Decreto nº 9.101/17 nos termos que o fez, usurpou competência outorgado a outro Poder.

III. b) DA INCONSTITUCIONALIDADE POR DESVIRTUAMENTO DE FINALIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES AO PIS E A COFINS – TRIBUTOS VINCULADOS À ATUAÇÃO ESTATAL INDIRETA.

  1. In casu, a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS constituem espécies de contribuições sociais, modalidade de tributo vinculado, cuja destinação do produto de arrecadação possui regime constitucional expresso e previsto nos artigos 149, 165, § 5º, III, 167, VIII, 194 e 195, todos da Constituição Federal.

 Sobre este aspecto, sabe-se que a contribuição ao PIS e a COFINS foram instituídos com o condão de propiciar o financiamento da seguridade social, conforme estabelece o dispositivo constitucional do qual elas derivam, isto é, o art. 195 da CF, in verbis:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

(…)

  1. b) a receita ou o faturamento;
  2. Assim, resta evidente que as contribuições sociais têm a finalidade de servir como instrumento de política econômica, através do custeio da seguridade social. Eventual desvio de finalidade do produto de arrecadação do PIS e da COFINS para um fim meramente arrecadatório como o imposto, dará ensejo a uma inconstitucionalidade.
  3. No caso em apreço, conforme amplamente divulgado nos veículos de comunicação, o Poder Executivo justificou a majoração da alíquota dos tributos, nas palavras do Ministro Henrique Meirelles, em razão da “queda da arrecadação que herdamos dos últimos anos. Resultados, principalmente das empresas e também do setor financeiro, reflitam prejuízos acumulados nos últimos dois anos, que estão sendo amortizados neste ano”.
  4. Nesse sentido, visando afastar a tredestinação do produto de arrecadação advindo da majoração do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por meio da 7ª Turma, se pronunciou sobre o tema:

“TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PIS E COFINS. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS VINCULADAS À ATUAÇÃO ESTATAL INDIRETA, DE NATUREZA PARAFISCAL. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA SOBRE RECEITAS FINANCEIRAS. DECRETO Nº 8.246/2015, REDAÇÃO DADA PELO DECRETO Nº 8.451/2015. IMPOSSIBILIDADE.

  1. A parafiscalidade consiste na atribuição do poder fiscal, pelo Estado, à entidade de caráter autônomo investida de competência para o desempenho de alguns fins públicos, geralmente os de previdência social e organização de interesse profissional em harmonia com o interesse público (CLAUDIO PACHECO in tratado das Constituições Brasileiras).
  2. Quando se utiliza determinado tributo, de forma predominante – já que todo tributo tem por finalidade a arrecadação – como instrumento de política econômica, estamos diante da figura da parafiscalidade.
  3. De pronto se percebe que a finalidade precípua da extrafiscalidade é o exercício de política econômica, normalmente de natureza regulatória. Tal finalidade está, inclusive, prevista expressamente na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 153.
  4. Resta evidente que a faculdade de que trata a norma constitucional do artigo 153 da CF/88, incide, apenas e exclusivamente, com relação aos tributos que têm predominante característica de extrafiscalidade. Apesar da Lei nº 10.865/2004, de forma contextual, dar tratamento redacional de extrafiscalidade à norma em exame, o art. 153, § 1º, da CF/1988, determina, de forma expressa e números clausus, os tributos objeto da faculdade de que trata a norma constitucional retro citada.
  5. Assim, a delegação prevista no artigo 27, § 2º, da Lei nº 10.865/2004, que autoriza o Decreto nº 8.246/2015, com redação dada pelo Decreto nº 8.451/2015, restabelecer para 0,65% e 4%, as alíquotas da Contribuição para PIS/PASEP e COFINS, de caráter não cumulativo, e incidentes sobre receitas financeiras, deve ser analisada à luz da Constituição Federal de 1988, na medida em que traz em seu conteúdo norma eminentemente vinculada ao Sistema Tributário Nacional.
  6. Ademais, o rol de tributos de que tratam os incisos do artigo 153 da CF/88 são todos NÃO VINCULADOS, o que evidencia ainda mais a impossibilidade de se transformar as contribuições sociais em comento, em instrumentos de política econômica, modificando a sua natureza parafiscal em extrafiscal.
  7. Desta forma, ao se buscar o fundamento de validade da norma prescrita no artigo 27, § 2º, da Lei nº 10.865/2004, restará evidenciada a sua incompatibilidade com o quanto prescreve a norma constitucional insculpida no artigo 153 da CF/88.
  8. O mesmo se dá com relação ao fundamento de validade dos Decretos nº 8.426/2015 e nº 8.451/2015, visto que padecem de ilegalidade ante a norma prevista no artigo 27, § 2º, da referida Lei nº 10.865/2004.
  9. Apelação dos autores provida.” (TRF1, 7ª Turma, MAS 9784-14.2015.4.01.3200, Rel.: Des. Federal HERCULES FAJOSES, Data de Julgamento 4/10/2016).

 

  1. Portanto, diante também dessas razões, há de ser afastada a eficácia do Decreto nº 9.101/17, posto que latente o desvio de finalidade do produto de arrecadação das exações em comento.

 

III. c) DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA NOVENTENA – ARTS. 150, III, “C”, E 195, § 6º, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

 Dentre os direitos fundamentais que integram o Estatuto do Contribuinte, além do princípio da legalidade, também se encontra o princípio da anterioridade nonagesimal entabulado nos art. 150, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal.

  1. Segundo essa diretriz fundamental aplicada ao relacionamento Fisco-contribuinte, é vedado ao ente tributante cobrar tributo em prazo anterior ao período de noventa dias contados da publicação da norma que tenha instituído ou aumentado a exação.

 

  1. Eis o teor do dispositivo constitucional em questão:

 

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

III – cobrar tributos:

(…)

  1. b) no mesmo exercício financeiro que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
  2. c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;”

 

  1. Como toda regra possui exceções, de mesmo modo como no caso da legalidade tributária, a Constituição Federal elenca no § 1º do art. 150 expressas exceções à regra da anterioridade, seja ela anual ou nonagesimal, de maneira que há tributos sujeitos as duas limitações temporais, aqueles em que ambas são afastadas, bem como outros que estão sob o manto da aplicação só da primeira ou apenas da segunda.

 

  1. Por se tratar também de exceções à regra constitucional, o rol de hipóteses descritas no art. 150, § 1º, da CF, deve ser interpretada de forma restritiva nos termos já mencionados em tópico anterior desta inicial e como leciona o professor Roque Antonio Carrazza:

 

“Esse rol é, a nosso ver, taxativo, não podendo ser ampliado nem mesmo por meio de emendas constitucionais.

Assim, era flagrantemente inconstitucional (como, alias, decidiu, por maioria de votos, o STF) o art. 2º, § 2º, da EC 3, de 17.3.1993, que excepcionava o princípio da anterioridade o imposto sobre movimentação financeiras ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira (IPMF).”

 

  1. Contudo, a contribuição ao PIS e a contribuição para COFINS não se encontram discriminados nas seis hipóteses de afastamento da regra da noventena, quais sejam: (i) os empréstimos compulsórios; (ii) o imposto de importação – II; (iii) o imposto de exportação – IE; (iv) o imposto de renda – IR; (v) o imposto sobre operações de crédito – IOF e; (vi) os impostos criados por motivo de guerra (art. 154, II, da CF).

 

  1. Nesse passo, ao estabelecer, em seu art. 3º, vigência imediata à data de sua publicação, o Decreto nº 9.101/17 padece de mais uma inconstitucionalidade, neste tocante, por violação ao princípio da anterioridade nonagesimal descrito nos arts. 150, inciso III, alínea “c”, e 195, § 6º, da Constituição Republicana, razão pela qual deve ser afastada a sua aplicação até decorridos o prazo de 90 (noventa) dias contados da data de sua publicação.

 

IV –  DA TUTELA DE URGÊNCIA

  1. Parece inquestionável que, no caso em apreço, concorrem os requisitos legais para o deferimento da tutela de urgência com a suspensão dos efeitos do Decreto nº 9.101/17, nos termos dos arts. 4º e 12 da Lei nº 7.347/85.

 

  1. Com efeito, a fumaça do bom direito encontra-se presente nos fundamentos jurídicos acima demonstrados, notadamente na doutrina colecionada e na jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e do Supremo Tribunal Federal.

 

  1. Por sua vez, evidenciado, também, o periculum in mora, dado que a norma questionada, ao estabelecer, de forma inconstitucional, a majoração de tributos indiretos sobre os combustíveis, ou seja, tributos cujo ônus é suportado pelo consumidor, cria enorme insegurança social, jurídica e econômica, posto que acarretará alteração em toda cadeia produtiva, acarretando no encarecimento de bens, serviços (transporte público e privado) e produtos essenciais (alimentos, vestimenta e etc.) a efetivação de direitos sociais dos cidadãos, tal como o direito ao transporte, bem como o direito ao trabalho, o direito ao lazer, o direito à saúde e o direito à alimentação, todos vertentes do sobreprincípio da dignidade da pessoa humana.

 

  1. Ressalte-se que a situação descrita nestes autos possui efeito exponencial gravíssimo, uma vez que a cada dia que se passa com o vigor da norma atacada, inúmeros cidadãos são compelidos, diariamente, a realizar o recolhimento em excesso da exação em comento, podendo chegar, quando do julgamento de mérito da questão, a um sem-número de contribuintes e a incontáveis valores.

 

  1. Não obstante, por força do art. 166 do CTN, os consumidores dificilmente reaverão os valores recolhidos a maior, posto que a jurisprudência dos Tribunais pátrios veda o direito de repetição de indébito ao contribuinte de fato, sob a alegação que ele não integra a relação jurídico-tributária.

 

  1. Desse modo, ao fim e ao cabo, o que se quer afastar com a presente medida é o prolongamento de situação antagônica ao Estado de Bem Social em que o ente tributante utiliza-se de mecanismos inconstitucionais para o locupletamento indevido, especialmente sobre a convalidação de direitos tão caros ao sistema constitucional.

 

  1. Nesse passo, requer-se o deferimento de antecipação da tutela de urgência para que seja determinada a suspensão da eficácia e aplicação do decreto 9.101/2017 em todo o território nacional.

 

V –  DOS PEDIDOS

  1. Ex positis, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na qualidade de curador da Constituição e da justiça social, requer que:

 

(a) seja deferida, inaudita altera parte, a tutela de urgência, para que seja determinada a suspensão da eficácia e aplicação do Decreto nº 9.101/2017, em todo o território nacional, até a decisão de mérito sobre as questões postas;

 

(b) Subsidiariamente, o que se admite apenas por eventualidade, que seja deferida a tutela de urgência para suspender a norma atacada durante o prazo de noventa dias contados de sua publicação, em primazia ao princípio da anterioridade nonagesimal;

 

(c) Ato seguinte, seja citada a Fazenda Nacional/União Federal, na pessoa do seu representante legal, para sua defesa e;

 

(d) Por fim, seja julgado procedente o pedido, com a reafirmação da medida de urgência, de modo que seja afastada, em definitivo, a aplicação do Decreto nº 9.101/2017 em todo território nacional, ante a violação aos princípios da legalidade, da noventena, da separação de poderes e por desvirtuamento da finalidade do tributo.

 

  1. Protesta-se por todos os meios de prova em Direito admitidos.

 

  1. Dá-se à causa, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

 

Nestes termos, pede deferimento.

Brasília-DF, 22 de agosto de 2017.

 

CLÁUDIO PACHECO PRATES LAMACHIA

Presidente do Conselho Federal da OAB

  

LUIZ GUSTAVO A. S. BICHARA

Procurador Especial Tributário do Conselho Federal da OAB

 

BRENO DIAS DE PAULA

Presidente da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB

 

OSWALDO PINHEIRO RIBEIRO JÚNIOR

OAB/DF nº 16.275

 

RAFAEL BARBOSA DE CASTILHO

OAB/DF 19.979