Pandemia impõe mudança de paradigmas nos processos, avaliam juristas em painel do Congresso Digital

A crise sanitária impôs mudanças significativas ao sistema processual brasileiro, na avaliação dos três juristas que participaram do painel “O impacto da pandemia nos processos”, nesta terça-feira (28), durante o I Congresso Digital Covid-19 – Repercussões Jurídicas e Sociais da Pandemia. O evento é promovido pela OAB e ESA Nacional.

O advogado e professor paranaense Luiz Rodrigues Wambier participou do painel ao lado de Fredie Didier (UFBA) e de Fernanda Pantoja (PUC/RJ). A mediação foi do vice-diretor da Escola Superior de Advocacia do Rio de Janeiro, Fernando Cabral Filho.

Dando início aos debates, o professor Fredie Didier discorreu sobre três aspectos – a importância da qual se investiram as fontes normativas além da lei, como as resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os regimentos internos dos tribunais; a flexibilidade do Código de Processo Civil de 2015; e a valoração das provas periciais, despertando a necessidade dos magistrados de se submeterem aos conhecimentos científicos.

Fontes

Para Didier, já não é mais possível compreender o direito processual civil brasileiro apenas pela ótica do CPC, pois a pandemia fez revelar a importância de uma série de outras fontes normativas. “Até mesmo o Supremo Tribunal Federal, um tribunal secular, teve que se adaptar a essa situação e mudar o seu regimento interno de forma definitiva, seja para regulamentar as sustentações orais à distância, ou para equacionar as sessões de julgamento virtual”, disse o jurista.

Didier considera que a crise também evidenciou a flexibilidade do Código de Processo Civil. “O CPC mostrou-se um código maleável. Ele fornece uma infraestrutura normativa que permite construir uma série de soluções processuais criativas para os problemas práticos decorrentes da pandemia”, avaliou. “Vimos que é possível adotar mecanismos de resolução consensual de conflitos que vão além dos métodos clássicos de mediação e arbitragem. É possível criar modelos mistos, e essa abertura que o Código oferece é fundamental num momento como este”, destacou.

O professor ainda abordou a questão relacionada ao artigo 479 do CPC, que cuida da valoração da prova pericial. O preceito da ciência, que impôs limite na atuação do poder público durante a pandemia, na sua opinião também poderá provocar uma mudança cultural no Judiciário, passando a nortear as decisões dos magistrados.

Tecnologia

Na sequência, Fernanda Pantoja chamou atenção para o emprego da tecnologia em praticamente todas as fases do processo. “A pandemia trouxe a revolução digital a galope. Acelerou o uso dos recursos tecnológicos e fomos obrigados a nos adaptar”, disse. Para a professora da PUC/RJ, ainda que a tecnologia já estivesse implementada e razoavelmente resolvida em relação ao peticionamento eletrônico, há desafios para melhorar o seu uso em relação às audiências e sustentações orais.

“Na prática, ainda está muito confuso. Os tribunais adotaram diferentes plataformas. Precisamos de um sistema único e uniforme. Como advogados, temos que nos apropriar desses recursos tecnológicos e encontrar meios de acesso aos advogados que não têm. Vejo aí um papel importante para a OAB”, afirmou Fernanda.

Prazos

Encerrando o painel, Luiz Rodrigues Wambier reforçou a tese de mudança de paradigma, imposta por uma crise nunca antes vivenciada. “Como será a retomada? Quando será? Vários tribunais estão tentando descobrir a resposta. Temos que voltar de forma responsável. Não vejo um retorno imediato de todas as atividades presenciais. Vejo necessidade de esforços pessoais e institucionais”, declarou.

Wambier observa que o Judiciário teve um impressionante aumento de produtividade e uma redução significativa nos gastos com o trabalho remoto. Por outro lado, tornaram-se evidentes as diferenças econômicas entre os advogados e entre as partes, já que nem todos têm acesso a meios tecnológicos efetivamente adequados.

Um ponto que exige cautela e reflexão, na sua opinião, diz respeito aos prazos processuais. “Há uma enxurrada de atos normativos dispondo sobre prazos no período da pandemia. Na prática é preciso cuidado redobrado. Devemos pugnar pela aplicação dessas regras em cotejo com as regras do nosso sistema processual. Recomendo que os advogados atuem da forma mais conservadora possível em favor do seu cliente”, afirmou.

Sobre as perspectivas futuras, Wambier acredita que no pós-pandemia as mudanças atualmente em vigor deverão permanecer. “Teremos que embarcar definitivamente no uso da tecnologia. Será a nossa rotina. Se antes da pandemia já havíamos dado esse salto, agora então muito mais. Se no código já havia um certo fomento de atividades por videoconferência, agora isso é praticamente inexorável.”