“Protagonismo do Judiciário avança quando há ausência de manifestação do poder competente”, destaca Cal Garcia Filho

Ativismo judicial, fake news e o papel dos tribunais superiores estiveram entre os temas em debate na tarde desta quinta-feira (17/8), na etapa preparatória da 8ª Conferência da Advocacia Paranaense em Londrina. O diálogo, mediado pela diretora de Prerrogativas da OAB Paraná, Marion Bach, e pelo advogado José Carlos Cal Garcia Filho, reuniu profissionais das subseções de Apucarana, Arapongas, Bandeirantes, Cornélio Procópio, Londrina, Jacarezinho e Santo Antônio da Platina. 

O debatedor líder partiu da premissa de que a Constituição Federal consagra a liberdade de expressão e de pensamento como um direito fundamental. Em contrapartida, sustentou, há o direito ao acesso à informação. “Existe um razoável consenso no sentido de que o direito à informação e o direito à liberdade de expressão constituem um dos pilares do estado democrático de direito. Não é possível compreender que existe democracia num país que proíbe a liberdade de pensamento, de expressão, de religião, a liberdade de informação”, disse Cal Garcia Filho.

“São pressupostos indispensáveis para construção de cidadania, mas não podemos confundir com o exercício do direito ativo e passivo de votar e ser votado periodicamente nas eleições. A cidadania é um conceito que diz respeito a aspectos mais amplos”, prosseguiu. “Agora, temos um problema: para a liberdade de expressão e para o direito de acesso à informação, temos as fake news como antítese”, pontuou.

De acordo com Cal Garcia Filho, o problema que se põe hoje é a massificação das fake news, que atingem grupos sociais, grupos vulneráveis, e espalham  informações falsas em velocidades vertiginosas. “E qual o meio utilizado para isso? A internet, plataformas e redes sociais. Por isso a ideia de haver uma lei nacional que venha a disciplinar o funcionamento das plataformas, o PL das fake news”, esclareceu.

“No caso brasileiro, podemos concordar com o ministro Barroso. A Constituição  passa a estabelecer direitos individuais e políticos, porém demanda uma regulamentação do legislativo, que não se dá na velocidade necessária. Daí o apelo de recorrer ao Judiciário”, provocou. “Estabelecemos um lugar institucional do Judiciário, mas é evidente que esse modelo não necessariamente é seguido à risca. Um modelo ideal cede espaço a um que se coloca na prática do dia a dia, da forma como se estabelece em  determinadas situações, determinadas atitudes do judiciário, como os enunciados coletivos no direito do trabalho”, pontuou.

Para Cal Garcia Filho, o protagonismo do Judiciário  avança quando há ausência de manifestação do poder competente.  “Procuro enxergar a questão através da delimitação constitucional, entendendo que o Judiciário é chamado a se manifestar, mas em determinadas questões poderia usar a autocontenção judicial para evitar passar dos limites em determinadas questões”, disse. 

“Em determinadas questões é possível interpretar a Constituição de forma a reconhecer direitos onde o texto fundamental não foi suficientemente claro, ou onde a realidade mudou de tal forma que é necessário ampliar determinados direitos para abarcar uma situação. Mas é perigoso avançar nessa substituição do papel do legislador pelo papel do judiciário. Determinadas matérias não deveriam estar sob a competência do Supremo. Muitas vezes se estabelece um grande retrocesso nas questões que conquistamos com muito esforço no STJ”, defendeu Cal Garcia Filho.

Questionado por um dos participantes sobre a diferença entre opinião e fato, o debatedor líder concordou haver uma dificuldade em relação à questão. “Quando a pessoa estabelece no discurso que um determinado tipo de procedimento – urnas eletrônicas, por exemplo, são sujeitas a ataques externos – isso deixa de ser opinião e se torna uma afirmação que precisa ser demonstrada. Afirma-se um determinado fato e é preciso demonstrar que é verdadeiro”, afirmou, lembrando do emblemático caso do ataque a uma pizzaria nos EUA depois de fake news espalhadas pela rede QAnon. 

O ex-presidente da OAB Paraná, Alberto de Paula Machado, manifestou sua preocupação com  o avanço do Supremo sobre temas sobre os quais ele não tem jurisdição e aptidão. “Reclamações constitucionais têm sido propostas no Supremo, em que, monocraticamente, um ministro diz se naquela relação jurídica estão presentes  ou não os requisitos do contrato de trabalho. Isso é uma verdadeira aberração jurídica. O reconhecimento da Justiça do Trabalho em relação ao vínculo – e falo enquanto advogado trabalhista empresarial, mas não posso deixar de reconhecer que o reconhecimento do vínculo empregatício tem basicamente o substrato fático probatório”, afirmou.

“Quando você admite que no âmbito da jurisdição constitucional o Supremo possa interferir nessa relação jurídica para dizer se há ou não vínculo, temos notoriamente um avanço sobre uma competência que não é do Supremo. Faz mal para o Brasil e é perigoso para o Estado Democrático de Direito”, sustentou Machado.

A advogada Marion Bach lembrou que muitos que se manifestam sobre o tema defendem que se o ativismo ocorre em relação à ampliação de um direito, é  bem-vindo. Por outro lado, se trata da restrição de um direito, deve ser olhado com cautela. “Uma equiparação muitas vezes bem vinda no Direito Civil é, no Direito Penal, uma afronta à legalidade”, disse.

Cal Garcia Filho lembrou dois momentos perigosos em relação ao princípio da legalidade protagonizados pelo Supremo. “Em um deles, o Supremo, com a melhor das intenções, faz equiparação de um crime a outro,  por entender que existia uma discriminação. Então é possível, por analogia, fazer a criminalização, entender que aqueles dispositivos penais que servem para um grupo servem para o outro grupo também. Isso me parece uma contrariedade ao princípio da legalidade, à ideia de que o direito penal você não pode usar analogia,  principalmente para estabelecer a tipificação de comportamentos”, disse.

“Agora estamos vendo a discussão em relação à descriminalização do porte de drogas para uso pessoal Em relação à constitucionalidade do dispositivo que tipifica o porte para uso pessoal, concordo 100% no sentido de dizer é possível que o Supremo defina se é constitucional ou não esse dispositivo legal, porque você está trabalhando com a ideia de liberdade. Mas a partir do momento que o Supremo quer definir a quantidade de droga que serve para uso pessoal e aquela que caracteriza tráfico, me parece que há um problema, porque neste caso estamos trabalhando com aspectos políticos, há definição de questões técnicas, que deveriam ser trazidas pelos órgãos de regulamentação ou pelo legislativo”, sustentou Cal Garcia Filho.

Prevaleceram as teses de que o protagonismo do Judiciário avança quando há ausência de manifestação do poder competente; que avanços sobre competências que não cabem ao Supremo são perigosos para o Estado Democrático de Direito; que a restrição de um direito exige cautela, uma vez que a equiparação muitas vezes bem vinda em uma área do direito é uma afronta à legalidade em outra; que é perigoso avançar na substituição do papel do Legislador pelo papel do Judiciário; e que é possível interpretar a Constituição de forma a reconhecer direitos onde o texto fundamental não foi suficientemente claro, ou onde a realidade mudou, de tal forma que é necessário ampliar determinados direitos para abarcar uma situação.

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