“A livre expressão é a essência da dignidade”, afirma a ministra Cármen Lúcia

Liberdade de Expressão e Fake News em Tempo de Pandemia foi o tema de uma das conferências magnas de abertura do I Congresso Digital Covid-19, organizado pela OAB e pela ESA Nacional e aberto na manhã desta segunda-feira (27/7). O tema foi abordado pela ministra Cármen Lúcida, do Supremo Tribunal Federal (STF), tendo como presidente de mesa Ronnie Preuss Duarte, diretor-geral da ESA Nacional e coordenador executivo do evento. Na abertura de sua apresentação, a ministra apresentou as palavras empregadas por Cecília Meireles no poema “Ai, palavras” para ressaltar a importância da comunicação:

Ai, palavras, ai, palavras
que estranha potência a vossa!

Todo o sentido da vida
principia a vossa porta:
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota…

A liberdade das almas,
ai! Com letras se elabora…
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil, como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam…

Consenso

A ministra centrou sua argumentação no fato de que a Constituição afirma que é livre a expressão do pensamento, mas que também o que é ilegítimo pode ser manifestado. Citando o filósofo britânico John Stuart Mill, ela apontou a comunicação como ferramenta fundamental para a construção de consensos. “Ao tratar da liberdade em sua célebre obra, Mill lembra que é na comunicação que consolidamos a certeza sobre o que pensamos e temos a chance de fazer a correção de rumos do conhecimento, do pensamento e da ação”, lembrou. “Para Mill, sem a liberdade o que se tem é um atestado de infalibilidade, como se a verdade de cada um fosse absoluta. Contudo, é da contestação que nasce a certeza ou possibilidade de mudar e evoluir”, prosseguiu, lembrando que o conceito está presente na advocacia com as garantias do devido processo e do contraditório, que trazem a possibilidade de convencimento pela parte contrária.

Cármen Lúcia destacou que o único regime que garante efetivamente a liberdade de cada um e a possibilidade de consenso é a democracia. Ela citou que o isolamento e o exílio próprios dos regimes anti-democráticos de outros tempos hoje foram substituídos pela desinformação. “Vemos, nos últimos tempos, que as democracias têm sido solapadas de outra forma, fazendo-se espalhar a doença da antidemocracia — e a corrupção dos espaços públicos é uma doença sempre combatida pela OAB, que tantas vezes já lutou porela ética na política e no exercício dos direitos”, afirmou.

“Agora, em vez de exilar e afastar, se apela para a desinformação. A desinformação, portanto, para mim, é instrumento de ´desdemocratização´, pois informações falsas levam a esfacelamento das instituições democráticas e fragilizam pessoas.  Essa expressão não é manifestação da liberdade, mas quebrantamento da liberdade”, argumentou.

Cesta básica

Para a ministra, a imprensa brasileira vem cumprindo exemplarmente seu papel de difundir a informação, que é produto da “cesta básica da cidadania”. “Estes tempos de pandemia mostram que defender a liberdade de expressão não é retórica nem discurso vazio, mas compromisso. No caso do respeito à ciência, que a lei estabelece, vemos agora como essa expressão constitucional tem grande força na vida de cada pessoa. Não fosse essa busca incessante da ciência para fazer face à pandemia, talvez tivéssemos essa situação, já tão trágica, em modo ainda mais grave”, declarou.

Ela foi enfática ao dizer que as chamadas fake news comprometem a vida e a saúde das pessoas, sua educação, seu direito ao conhecimento. “A livre expressão é essência da dignidade. É preciso que o se construiu até agora em termos de liberdade seja assegurado, mas também é necessário coibir as expressões que não são manifestações de liberdade, mas práticas criminosas. Não há que se caminhar pela trilha da censura; mas não se há de garantir expressões que fragilizam as instituições democráticas”, pontuou.

Congresso Digital

O I Congresso Digital Covid-19: Repercussões Jurídicas e Socais da Pandemia segue até 31 de julho com uma  programação que inclui mais de 160 painéis e 500 palestrantes. As seis salas têm programações simultâneas com transmissão em tempo real. O congresso, que é gratuito e ultrapassou a marca dos 100 mil participantes inscritos, fornece certificação de 50 horas extracurriculares.