“A delação premiada é um jogo cujas regras não são transparentes”

“A delação premiada é um jogo cujas regras não são transparentes. Para entrar nele é preciso entender sobretudo as regras implícitas”, afirmou o advogado Alexandre Morais da Rosa ao tratar de delação premiada na abertura do painel sobre Direito Penal, moderado pelo advogado José Carlos Cal Garcia. O painel integra a programação vespertina desta sexta-feira (4/8) na VI Conferência Estadual da Advocacia.

Para Morais, a teoria dos jogos, centrada em cálculos de probabilidade, deve ser aplicada para compreender como funciona a delação premiada. “É um jogo sem juiz. A função do juiz, nesse caso, é homologar. Quem está no jogo tem de entender o que é uma boa cartada, o que é um blefe, como funciona o princípio do custo-benefício, o que é valor de troca, o que é valor de uso. Quem quiser sobreviver na área criminal tem de entender minimamente dessas regras de economia”, defendeu.

Morais também alertou a todos para o desafio de atuar nessa área, onde sempre está presente o limite da ética. “Cada um de nós tem algo muito valiosa pela qual deve zelar: a própria reputação.”

Crime e política

O penalista Nélson Hungria afirmou que o Direito Penal é “meio que escrito no dorso das areias”. Com a alusão à frase, o advogado Alaor Leite abriu sua apresentação tratando de crime e política. “Não se pode partir de um patriotismo cego, com inspiração em Policarpo Quaresma e fechar os olhos para o que ocorre no resto do mundo. É de se lamentar que no debate das chamadas 10 medidas contra a corrupção, agora projeto em trâmite no Congresso, não se leve em conta o que ocorreu em Portugal, na Espanha e na Alemanha”, disse Leite.

Para o advogado há uma confusão generalizada entre três condutas distintas: o caixa 2, o financiamento irregular dos partidos e a corrupção. “O caixa 2 eleitoral é a manutenção de uma contabilidade em desacordo com a legislação, que ocorre exclusivamente no interior de um partido, que, como sabemos, é pessoa jurídica de direito privado”, mencionou.

Já no financiamento irregular, destacou Leite, o foco é o no ativo, que é o doador. Nessa figura há uma ação e não um estado de coisas que existe no interior de um partido. “O Direito Penal, lembremos, proíbe preferencialmente ações e omissões – e não estado de coisas. Essa é a regra de ouro. Não há correlação entre caixa 2 e financiamento irregular. Uma coisa pode ocorrer sem a outra”, declarou o palestrante.

A terceira figura é a da corrupção. Para Leite, o caixa 2 e o financiamento irregular são como antessalas da corrupção. Ele lamenta que todo o debate sobre crime e política no Brasil esteja pautado na confusão entre essas figuras. “É um engodo. Não há uma relação normativa entre essas figuras. A conexão é empírica. É preciso distinguir.”

Leite afirmou que o debate internacional está fundado na questão do financiamento irregular de partidos e que a proibição do caixa 2 não possui relevância alguma no debate internacional. “Só no Brasil é que o caixa 2 está no centro do debate. Ou entendemos serem desnecessários novos tipos penais para a corrupção, numa visão ampla, ou restringimos novamente o conceito de corrupção ativa, atualmente indevidamente alargado”, resumiu Leite, condenando ainda a limitação do debate teleológico que embasou as 10 medidas.

A análise atual das garantias fundamentais, feita pelo advogado Paulo César Busato, fechou o painel sobre Direito Penal. O palestrante destacou que o mundo está em metamorfose com muitos desafios novos. E listou alguns deles. “Embora a história do homem seja a história da migração, nunca tivemos tantos migrantes e refugiados como hoje. O ser humano está deixando certos países porque permanecer não é risco, mas aniquilação, e a migração está mudando o jeito de pensar o universo jurídico. Outro exemplo: tecnologia, as coisas acontecem simultaneamente. A sociabilidade virtual é tão intensa que o meio digital mudou nosso jeito de olhar para o crime. A reprodução assistida também nos traz incertezas”, citou.

Paradoxalmente, disse Busato, o discurso prevalente no mundo não é congregacionista, mas segregacionista. “Essa contradição gera o defeito porque as discussões tomam como base um discurso anticosmopolita, que é contrário à direção em que caminhamos”, considerou.