Em painel sobre Constituição e Direitos Humanos, juristas fizeram reflexões sobre democracia e autoritarismo

A Constituição Federal é a base para a garantia dos Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro, mas movimentos de viés ideológico autoritarista podem tentar impor mudanças na configuração o Estado. Durante a tarde desta quinta-feira (12), juristas voltados ao estudo do direito constitucional trouxeram suas análises sobre essas questões na 7ª Conferência da Advocacia Paranaense, em painel presidido pelo advogado Rodrigo Kanayama, conselheiro seccional da OAB Paraná. O evento vai até sexta-feira e a íntegra da programação pode ser assistida na plataforma oficial do evento (conferenciapr.org).

“No contexto brasileiro vivemos um momento particularmente infeliz em termos de violações aos direitos fundamentais, inclusive no campo ambiental, em que se busca fazer ‘passar a boiada’ e flexibilizar os níveis de proteção ao meio ambiente. É também crescente o número de ações relativas a temas ambientais que têm chegado ao STF, um termômetro do tratamento dado à questão em nosso país. Sabemos que a Mata Atlântica, o maior bioma que temos no Brasil, tem hoje somente 12% de sua cobertura vegetal original. Há a questão do desmatamento amazônico, dos agrotóxicos e tantas outras que se configuram como um retrocesso no Brasil. Há um estado de coisas inconstitucional, apesar do princípio da proibição de retrocesso. Quero também tratar da defesa do reconhecimento do direito fundamental a condições climáticas estáveis. Quando se trata disso, observamos a necessidade de se compreender esse direito como elemento do núcleo essencial do direito à proteção e promoção de um ambiente saudável, este sim positivado. Ele envolve a expansão do conceito da dignidade da pessoa humana”.

Ingo Wolfgang Sarlet, que proferiu palestra sobre discurso do ódio e democracia ou estado de coisas inconstitucional ambiental e proibição de retrocesso

“Ontem foi Dia do Advogado e hoje é Dia Nacional dos Direitos Humanos. Essa justaposição de datas não é mera coincidência. Nossa responsabilidade na defesa dos direitos humanos é imensa e para isso podemos contar com o constitucionalismo multinível. O direito constitucional leva em conta o amalgamento da perspectiva ampliada e transversal da proteção dos direitos humanos. Não existe mais, se é que um dia existiu, um único lugar constitucional. Trata-se de uma rede de troca para alcançarmos os direitos comuns, a proteção das pessoas, a mitigação do sofrimento humano. Portanto, colocando no centro o ser humano com sua dignidade. Contudo, vemos no mundo o declínio da democracia e um movimento de autocratização. No Brasil, ainda estamos na periferia do constitucionalismo mundial, ainda por realizar a promessa constitucional de proteção integral. Nesse momento, é fundamental evitar retrocesso nos marcos de proteção e democracia que já tínhamos alcançado”.

Melina Fachin, ao trazer uma reflexão sobre desdemocratização e direitos humanos 

“Em vez de entulho autoritário, temos um estoque autoritário brasileiro. O fenômeno autoritário está sempre à espreita, mesmo na democracia. Autoritário é o poder que ignora limites e interfere arbitrariamente na liberdade, na autonomia, na esfera privada. O autoritarismo, portanto, quando se manifesta, contamina a legitimidade do poder. É interessante constatar que o direito tem uma relação ambivalente com o autoritarismo – pode servir tanto para otimizá-lo quanto para contê-lo. As duas funções podem se alternar e até coexistir. Imaginávamos que o entulho autoritário impediria a transição democrática pós-ditadura. Essa noção faz parecer que o autoritarismo de hoje é legado do passado. Mas o que temos é um poder autoritário renovado. Por isso, se aplica melhor o conceito de estoque autoritário. Nesse cenário, vivemos hoje sob a intimidação, que é uma espécie de estado de exceção com luva de pelica. Os alvos principais, claro, são aquelas pessoas para quem a liberdade é constitutiva do que fazem: o jornalista, o professor, o advogado”.

Conrado Hübner Mendes, que uma análise sobre quando o direito serve ao autoritarismo

“Antes de tratar da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 779, que reconheceu, pelo menos num primeiro momento, a inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra, quero aproveitar para dizer o quão importante é o papel que cada um de nós em defesa das garantias fundamentais. Juramos fazer a defesa intransigente da ordem democrática e dos direitos humanos e, portanto, temos de nos colocar na linha de frente da trincheira de proteção da Constituição. Sobre a legítima defesa da honra, debate que chegou ao STF em dezembro de 2020, com a ADPF, é relevante lembrar que carregávamos esse resquício medieval e muitos casos vinham chegando à Corte Constitucional para tratar de questões que não deveriam existir desde o século XIX. Precisamos analisar a função da corte como algo maior que a mera posição político-criminal de cada membro que a integra. O que o STF fez foi interromper um discurso de ódio e avançar em direção à porta de saída desse lugar do medievo em que estagnamos”.

Soraia Mendes, a respeito da ADPF 779

“Por mais que tenhamos avançado, ainda pouco se conhece no Brasil sobre os direitos dos povos indígenas. Sabemos que a Constituição trouxe, em 1988, a garantia de nossos direitos fundamentais, mas surgem a todo o momento proposições no Congresso no sentido contrário dessas conquistas. O PL 490, que muda a demarcação das terras indígenas, é exemplo disso, pois traz uma série de inconstitucionalidades. Precisamos proteger a diversidade cultural dos mais de 300 povos indígenas que vivem no território brasileiro, inclusive para ter autonomia para pensar em questões como sustentabilidade e desenvolvimento.  A obrigação do Estado Brasileiro não termina com a demarcação das terras, mas com um sistema de proteção integral desse espaço, que é alvo de disputas territoriais, com invasões frequentes e ameaças contínuas, inclusive a mulheres e crianças. Falta também acesso aos direitos sociais, à segurança alimentar, à educação, a bens culturais e a políticas públicas específicas. O desafio hoje é não apenas fazer valer o que já está no texto constitucional, mas também evitar retrocessos.

Joenia Wapichana, deputada federal, sobre direitos dos povos indígenas

 

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