“Há uma litigiosidade excessiva no Brasil”, afirma Marcello Terto, indicado da OAB para compor o CNJ

Indicado para representar a OAB numa das duas vagas reservadas à advocacia ao CNJ, o advogado goiano Marcello Terto está sendo sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta terça-feira (5/4), assim como Marcos Vinicius Jardim Rodrigues, que exerceu a função no último biênio e agora foi designado para a recondução ao cargo pelo Conselho Federal.

Conselheiro federal por Goiás, Terto é pós-graduado em Ordem Jurídica e Ministério Público, em Direito Civil e Processual Civil e em Advocacia Pública e pós-graduando em Direito Público pela USP. Foi presidente Associação dos Procuradores do Estado de Goiás (Apeg) e da Associação Nacional dos Procuradores de Estado (Anape), conselheiro da OAB Goiás, bem como presidente da Comissão do Advogado Público e Assalariado. É procurador do estado de Goiás e atua nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo, Tributário, Financeiro, Econômico, Médico, Civil e Processual Civil. Nesta entrevista, Terto fala das expectativas e dos desafios que vislumbra para a atuação no CNJ depois da nomeação presidencial que deve se seguir à sabatina prevista para a primeira semana de abril.

Que contribuição o senhor espera dar com sua atuação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como representante da advocacia?

A ideia, em primeiro lugar, é ser leal à representação que nos foi designada pela Advocacia; estar perto dos seus representantes no Conselho Federal da OAB e no Colégio de Presidentes das Seccionais; colher sempre as impressões da classe; defender os seus pontos de vista; e tentar sensibilizar a maioria das dores que afligem quem está do outro lado do balcão: o jurisdicionado e a advogada ou advogado que o representa. Com esse espírito, certamente será possível influenciar positivamente no aprimoramento da gestão do Poder Judiciário e na disciplina dos seus membros.

Com a pandemia arrefecida, é possível vislumbrar um caminho de normalidade na prestação jurisdicional em todo o Brasil?

Não é uma questão de perspectiva, mas sim de real necessidade. Muito embora a pandemia tenha acelerado o processo de virtualização da prestação da jurisdição, as ferramentas tecnológicas precisam vir acompanhadas de qualidade e eficiência do atendimento. O Judiciário não pode ser compreendido tão somente em números. É imprescindível que permaneça presente na vida da comunidade. Propostas como a possibilidade do trabalho remoto, por exemplo, não podem servir de maquiagem para a sobrecarga de trabalho ou de pretexto para subtrair a presença da autoridade do magistrado dos espaços em que as suas decisões influenciam diretamente ou mesmo para justificar o prolongamento do fechamento dos fóruns e tribunais. Vivemos uma nova realidade e, com os mínimos cuidados sanitários, nada justifica apenas os órgãos do Poder Judiciário continuarem fechados.

Quais maiores demandas da advocacia de Goiás, seu estado, em relação ao Judiciário?

Com certeza as custas judiciais, uma das mais caras do país. Acredito que não estamos a propor a diminuição da arrecadação. No entanto, já passou da hora de encontrarmos uma fórmula mais racional que não torne grande parte da população refém da gratuidade da Justiça. Em relação à advocacia dativa, evoluímos bastante com um modelo parecido com aquele adotado no Paraná.

Qual sua visão sobre a reabertura plena de todos os fóruns e tribunais para atividades presenciais?

Como antecipei, com o arrefecimento da pandemia, o cidadão e a advocacia têm direito de optar pelo atendimento presencial. A tecnologia está à disposição para aproximar as pessoas e as instituições, jamais para justificar o insulamento ainda maior dos serviços públicos. Além disso, é preciso compreender melhor os números do Judiciário na pandemia. Por óbvio, o número de atos processuais aumentou vertiginosamente e existem ferramentas que permitem a atuação da advocacia a um custo menor. Contudo, precisamos analisar o atendimento e a satisfação do usuário do serviço judicial, uma vez que está claro quem é o seu destinatário.

Qual sua avaliação sobre índices de produtividade dos juízes? A magistratura é uma atividade parametrizável?

O jornal Folha de S. Paulo publicou recentemente reportagem com números sobre a virtualização da Justiça durante a pandemia e o alerta de especialistas sobre “aspectos negativos que precisam ser observados, como risco de violação de direitos fundamentais e menor acesso à Justiça pelos mais vulneráveis”. Segundo os dados levantados pelo jornal, 56% dos tribunais de Justiça passaram a adotar as audiências virtuais somente a partir da pandemia. A queda foi imediata no número de audiências em primeira instância, com uma redução de 6,2 milhões (2019) para 2,4 milhões. Em relação inversamente proporcional, o número de atos processuais bateu recorde em praticamente todos os tribunais. Qual o impacto disso? Com certeza, a produtividade dos juízes não pode ser aferida exclusivamente sob o aspecto quantitativo. A qualidade é importante e precisa ser mensurada em processos transparentes, democráticos e com garantia da participação da advocacia. Existe ainda outro fator de alerta, que torna ainda mais importante a participação da Ordem no órgão de controle externo do Judiciário, pois a virtualização da Justiça tem sido regulada substancialmente por meio de resoluções do CNJ e dos próprios tribunais.

O CNJ busca uniformizar a prestação jurisdicional em todo o país. Quais são hoje os maiores desafios para reduzir as assimetrias?

O CNJ foi visto inicialmente como uma instância prioritariamente correcional. Ao longo do tempo, porém, esse órgão constitucional se tornou verdadeiro fator de universalização de políticas públicas para o Poder Judiciário. Essas políticas influenciam na execução penal, na proteção da mulher, no enfrentamento da corrupção, na prevenção de litígios, no sistema de precedentes, na virtualização do processo, na gestão de pessoas, na transparência dos gastos, na definição de índices de produtividade e até na proteção de dados. Mas ainda é grande o abismo entre o que se cobra pelo acesso e o retorno oferecido pelo Poder Judiciário, na sua atuação finalística. Ainda existem Estados que cobram muito caro e prestam a jurisdição de maneira lenta e insatisfatória. Em Goiás, por exemplo, o valor máximo das custas iniciais é de R$ 115.863,35, enquanto, no Distrito Federal, o valor máximo das mesmas custas é de R$ 599,25. E essas distorções são identificadas em todo o país, de Norte a Sul, Leste a Oeste, sem sequer considerar aspectos econômicos ou sociais que deveriam influenciar nessa política de custas. É um problema que já foi objeto de estudo do CNJ, na gestão do ministro Dias Tofolli, e que precisa ser priorizado no futuro.

Há mais de 100 milhões de processos tramitando no Brasil. Podemos falar em excesso de judicialização? Que fatores contribuem para esse número tão expressivo? Com certeza podemos falar em litigiosidade excessiva no Brasil. Nada se compara a nossa realidade. São vários os fatores que contribuem para isso, a começar pela formação acadêmica e pelo próprio comportamento da Administração Pública, que recorria a uma fé cega na supremacia e indisponibilidade do interesse público e utilizava o Poder Judiciário como instância habitual de resolução de conflitos que competia a ela mesma resolver. Felizmente isso mudou com a superação da mentalidade da defesa cega de interesses governamentais ou da busca desenfreada pela litigiosidade até as últimas instâncias, impactando pelo menos na estabilização do número de processos em tramitação no Brasil nos últimos anos.

O senhor aposta na cultura da conciliação para aliviar significativamente a pressão sobre o Judiciário? Quanto tempo levará para que ela esteja assimilada?

Sou um verdadeiro entusiasta da cultura do consenso. Como se trata de mudança cultural, demanda-se tempo. No entanto, desde a vigência do atual Código de Processo Civil (CPC) e das alterações no sistema multiportas de resolução de conflitos, encontramos apoio institucional em todos os setores nesse sentido, inclusive nas demandas classificadas como de massa ou multitudinárias.

O TJ-PR foi considerado, dentre os grandes tribunais, o primeiro a ter seus processos 100% eletrônicos, mas sabemos que há estados com dificuldades nesse campo. Qual a perspectiva de digitalização plena em todo o país?

Ainda existem unidades federadas cujo processo de virtualização dos processos ainda é incipiente, mas acreditamos que a realidade pandêmica tenha acelerado o processo de digitalização do acervo físico e aproximado todos os tribunais nesse quesito. Nos Estados em que atuo felizmente todos os processos foram digitalizados. Na pior das hipóteses, ainda encontramos uma pequena parte dos acervos na versão híbrida.

O CNJ foi criado para servir como controle externo ao Judiciário? Esse propósito tem sido bem atendido?

Apesar desse viés inicial de controle externo, testemunhamos, desde a sua instalação em 2005, uma atuação significativamente proativa, definidora de políticas públicas para o que inegavelmente foi bom, sob o aspecto da racionalidade e transparência.

Com sua atuação e a do Dr. Marcus Vinícius Jardim Rodrigues, o que podemos esperar do conselho nos próximos anos?

Muito engajamento e proximidade da advocacia para definição de posicionamentos legítimos enquanto membros do CNJ. Temos muito a aprender com a experiência que o conselheiro Marcus Vinícius colheu ao longo do primeiro mandato.

Como começou e quais os principais pontos de sua trajetória no sistema OAB?

Sou advogado desde 2000 e Procurador do Estado desde 2003. São 22 anos de experiência tanto na advocacia privada quanto na advocacia pública, com dedicação à Ordem desde 2009, quando fui Conselheiro Seccional. Também fui presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal entre 2012 e 2017 e Conselheiro Federal da OAB entre 2016 e 2022. Essa vivência profissional e sentimento de pertencimento à Ordem com certeza qualifica a compreensão dos desafios da Advocacia perante o Poder Judiciário e dá segurança para assumir a imensa responsabilidade de representar a OAB no CNJ.

Para terminar, qual a sua formação?

Sou formado pelo UniCeub, em Brasília, e fiz diversas pós-graduações em áreas do direito público e privado. Posso dizer que sou especialista em Direito Processual Civil, Civil, Constitucional e Administrativo. Tenho a intenção de um dia mergulhar no universo acadêmico, para mestrado e doutorado. No entanto, é preciso que a vida, no futuro, conceda-me um tempo para mais essa realização, que exige bastante esforço e tempo de dedicação.

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