Internet exige nova regulamentação e mais transparência

A “Era Zuckerberg”, da cyberinformação e da exposição excessiva das pessoas na rede, gera um novo e importante debate no campo do Direito. Esse foi o tema de debates no painel “Manchas na Internet”, no terceiro dia da VI Conferência Estadual da Advocacia.
Embora os olhos da sociedade estejam fortemente voltados para o tema atualmente, o assunto não é novo. O advogado e especialista no tema Danilo Doneda lembrou do caso Rachel Felix. Em 1858 a atriz teve suas fotos no leito de morte divulgadas em um jornal, e a partir do pedido da família de indenização se criou na França a ideia de que há atributos de personalidade que merecem proteção. “A tecnologia, na época, eram a fotografia e a imprensa. Hoje nos assustamos com robôs que falam conosco e respondem a estímulos de voz, mas era a mesma surpresa da pessoa que via uma foto estampada num jornal. A comunicação de massa foi um grande passo, e fez com que o direito à personalidade começasse a ser discutido”, comentou.
A grande diferença para hoje é o impacto e a velocidade das publicações, que muitas vezes partem de nós mesmos no cotidiano: à medida em que a sociedade usa catalisadores de informações, como as redes sociais, prédios que registram a presença e cadastros online deixamos, todos, um rastro enorme de dados pessoais.
Hoje, esses dados são usados para previsões – seja pela polícia, para antecipar crimes, ou pelo comércio, para segmentar mercados. “Ferramentas colocam pessoas como ‘target’ ou como ‘excluídos do sistema’ de acordo com seu poder de compra, e extrapolam sobremaneira os direitos”, complementa Danilo. “Pode-se controlar uma pessoa por meio das informações sobre ela, e com base nisso oferecer vantagens ou desvantagens. Por exemplo: aumentando o preço ou diminuindo de acordo com a condição de vulnerabilidade momentânea daquela pessoa”.
Por isso, para Danilo, faz-se necessária uma regulamentação normativa que assegure ou aumente a privacidade do cidadão e exija mais transparência por parte daqueles que detêm o poder da informação. “O paradigma deixa de ser o do segredo e passa a ser o do controle”. Segundo o advogado, 120 países já possuem normas gerais de proteção de dados.

Advocacia substituída?
Um estudo da Universidade Mackenzie, de São Paulo, mostra que, atualmente, 50% das atividades humanas podem ser substituídas por sistemas. E em 20 anos esse índice pode chegar a 70%, segundo o advogado e economista Renato Opice Blum. E esses sistemas podem atingir também os operadores do Direito – já existem programas que redigem uma petição inicial recorrente – na primeira, a matriz, um advogado escreve, mas as réplicas são feitas por máquinas.
As atividades da advocacia, então, também serão substituídas? “As corriqueiras eu acredito que sim. Mas para nós, profissionais da área jurídica, há uma vantagem: tirando as questões repetitivas e corriqueiras, a maior parte dos casos exige criação, argumento, seja pra um advogado, pra um promotor ou para um juiz. Algumas pesquisas mostram que apenas 5% das atividades podem ser substituídas no caso da advocacia”, diz Blum.
Por outro lado, o campo de trabalho deve ser ampliado, principalmente no Brasil – país mais conectado do mundo quando se fala em redes sociais “Quanto mais interação, mais consequências. Há muito mais conteúdo positivo e muito mais conteúdo negativo e ofensivo também”, diz.
Quando se fala em proteção de dados pessoais, Blum concorda com Danilo de que o país precisa evoluir muito. “Às vezes estamos navegando e aparece o anúncio de um produto. E aquilo só aparece porque em algum momento eu ‘concordei’ – ou seja, é um ato jurídico perfeito. Mas, muitas vezes, a gente se pergunta: ‘eu concordei mesmo?’ A maioria nem lembra. Nos EUA, uma empresa colocou propositalmente nas normas de “termos de uso” a ‘cessão da alma’. E as pessoas cediam! Depois fez uma ação de marketing sobre isso. Porque as pessoas aceitam passivamente, não entendem o termo de uso como um contrato. Precisamos de informações mais sintéticas e precisas”, argumentou.
Se considerarmos que estamos anuindo sem saber, e postando dados pessoais exageradamente, teremos de forma mais intensa consequências legais como calunia, injúria, difamação, violação a intimidade e a privacidade, dentre outros.

Hierarquias
A jurista Maria Cândida Pires Vieira do Amaral Kroetz, mestre em Direito pela UFPR, abordou também a “hierarquia” dos cyber crimes, e a maioria deles está acima do uso ilegal de dados pessoais – como por exemplo informações que afetam a segurança nacional (vide e-mails de chefes de estado que foram vazados recentemente, incluindo da ex-presidente Dilma Rousseff); dados sigilosos do setor de infraestrutura; e violações à propriedade intelectual.
E também há, explica a advogada, uma hierarquia de criminosos: podem ser Nações, organizações internacionais com fins políticos, o crime organizado, criminosos isolados (hackers) e pessoas comuns. A grande dificuldade, prossegue, é chegar ao autor do dano. “As ações punitivas sempre se dirigem àquele que foi o autor do dano. Mas isso não é suficiente para resolver todos os problemas. As nossas noções de Direito em geral se desfazem quando chegam nesse ambiente da internet. Não há uma constituição mundial, mas os crimes migram entre países e jurisdições. Como chegar a um hacker da China que prejudicou cidadãos brasileiros? Uma das ideias é também responsabilizar o estado ou a jurisdição que deu condições para que aquele crime acontecer.”

Detectando um abusador
Um dos crimes mais graves que usa a internet como meio é o abuso ou violência sexual contra crianças e adolescentes. Em 2016, o Brasil ocupava o sexto lugar no ranking mundial de denúncias de crimes online; e 25% dos casos se referem a esse tipo de situação.
Cinthia Obladen de Almendra Freitas, especialista em tecnologia e professora para os cursos de Direito (Direito Eletrônico; Direito e Informática; Propriedade Intelectual; Perícias e Laudos Técnicos; Fraudes e Crimes por Computador) e Ciência da Computação na PUCPR, apresentou durante o painel uma pesquisa que está sendo desenvolvida na Universidade Católica envolvendo especialistas em Direito e em Informática.
O projeto, chamado “Detecção de assédio sexual e pedofilia na internet”, tem o objetivo de
desenvolver um método computacional para detectar, com antecedência, ações que possam resultar em abuso contra crianças e adolescentes.
O grupo utiliza modelos desenvolvidos nos Estados Unidos para detectar quando uma conversação vai resultar em um aliciamento – é a chamada “Teoria da Comunicação Ludibriante”, que se dá em 9 estágios de conversa entre o acusador e a vítima.