“O alcoolismo é uma doença social”, diz Barbara Gancia em palestra na OAB Paraná

O depoimento contundente da jornalista Barbara Gancia impactou os participantes do evento sobre a ligação de álcool e outras drogas com a violência contra a mulher, realizado na manhã desta terça-feira (23/4) na sede da OAB Paraná. “O alcoolismo é uma doença social, porque afeta toda a família. Além disso, é marcado pela estigmatização. Todos ficamos penalizados quando um diabético contraria as ordens médicas e consome um doce. Já um dependente que se rende ao álcool é taxado de ‘vagabundo´. É preciso tirar o estigma moral que recai sobre o alcoolismo e que pesa ainda mais sobre as mulheres”, afirmou ela, que relata no livro “Saideira – Uma dose de esperança depois de anos lutando contra a dependência” os percalços vividos durantes os 30 anos como dependente de álcool e também a luta pela sobriedade, mantida há 12 anos.

Barbara foi enfática ao descrever o alívio que sentiu quando, ajudada por um questionário respondido numa clínica de reabilitação — para onde fora apenas para acompanhar um amigo – foi diagnosticada como dependente de álcool. No clássico questionário dos Alcoólicos Anônimos, a resposta afirmativa a quatro perguntas já indica algum grau de dependência. Barbara respondeu “sim” a todas elas. A partir daí, passou a entender a doença e a se afastar do primeiro gole. “É uma luta solitária que os Alcoólicos Anônimos classificam como progressiva, irreversível e mortal. Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) define como uma compulsão que altera o metabolismo a ponto de nos fazer deixar de produzir endorfina, o hormônio do bem-estar. Quando parei de beber e voltei a ter horários, compromissos e uma vida mais estável, comecei a ser muito feliz”, contou.

Identificação

A jornalista disse que decidiu publicar o livro movida pelo desejo de ajudar outras pessoas que enfrentam o mesmo problema. “No entanto, escrevi em tom de tragicomédia, para despertar a identificação de quem também tem a dependência”, explicou. Para ela, a luta contra o alcoolismo deve envolver educadores, legisladores, autoridades, agentes de saúde e, sobretudo, as famílias.  “A OMS recomenda que o assunto seja discutido com as crianças a partir dos 6 anos. Talvez eu não tivesse desperdiçado 30 anos da minha vida se tivesse tido essa informação na infância. Na minha família achavam que eu era louca e, por isso, bebia. Mas era o contrário: porque bebia eu agia feito louca”, ponderou.

A palestrante destacou ainda que toda a dependência deve ser alvo de atenção. E citou um tema que está explorando para o próximo livro: a dependência dos jogos eletrônicos. “Os meninos, sobretudo, estão sofrendo isso. Com as políticas afirmativas, as mulheres estão ganhando espaço, conquistando muita coisa. Já os meninos estão perdendo a aptidão social. Não podemos deixar o ódio avançar. Fala-se muito do patriarcado como fonte de violência, mas pesquisas mostram que a grande maioria dos encarcerados na Penitenciária de Presidente Bernardes foram criados apenas pela mãe. O amor e a atenção do pai são muito necessários”, lembrou Barbara.

Causa de todos

O evento contou ainda com uma manifestação da delegada Márcia Rejane Vieira Marcondes, coordenadora das Delegacias da Mulher no Paraná. “O tema do alcoolismo não é fácil e agradeço à OAB Paraná pelo espaço. Agradeço também à Bárbara, mulher de coragem. Não podemos manter mais nada debaixo do tapete, nem deixar que a vergonha seja mais importante que a vida. O enfrentamento à violência contra a mulher se faz com seres humanos: homens e mulheres”, destacou.

Na visão da delegada, a sociedade deveria trabalhar em conjunto para que a violência contra a mulher não fosse caso de polícia. A rede serve para isso, para evitar que se chegue às raias do crime. Antes disso há o ataque psicológico e uma escalada de outras violências. Quando uma mulher é alvo de violência ou quando, depois disso, deixa de registrar um boletim de ocorrência, nós falhamos. Falhamos como amigos, como instituições, como sociedade. Falhamos todos nós que compomos essa rede.

Além de Bárbara Gancia e da delegada Márcia Rejane Vieira Marcondes, compuseram a mesa do evento o presidente da Comissão de Políticas sobre Drogas, Luiz Carlos Hauer; a presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero (Cevige), Helena Rocha; a secretária da Comissão da Mulher Advogada, Daniele Banzzatto e o presidente do Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas, Renato Figueiroa.

Após o evento, encerrado com sessão de perguntas da plateia, Barbara Gancia participou de uma sessão de autógrafos de seu livro no saguão da OAB Paraná.