Direito probatório e coisa julgada em debate no III Congresso de Processo Civil

Em vigor há pouco mais de um ano, o novo Código de Processo Civil trouxe uma série de novidades para o direito probatório, entre elas a figura da prova emprestada. O tema foi amplamente debatido com processualistas de vários estados na noite desta terça-feira (6), no segundo dia do III Congresso de Processo Civil.

“O CPC 2015 trouxe um regramento próprio, inovador a respeito da prova emprestada. Diante da utilidade e da frequência com que ela era utilizada, o legislador criou um regramento específico para dar uma base segura para que os advogados possam trabalhar”, pontuou o professor Paulo Osternack Amaral, que moderou os debates do painel que tratou do assunto.

Para o processualista Robson Godinho, promotor de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, a complexidade da prova emprestada cresce em importância diante da dimensão que a colaboração premiada vem assumindo. “Talvez o ponto mais complexo seja importar para um processo não penal a prova produzida no ambiente penal. Até que ponto uma prova obtida por meio de colaboração premiada no âmbito penal pode ser trazida para um processo civil, envolvendo improbidade administrativa?”, questionou.

Godinho sustentou que uma prova emprestada só pode ser utilizada contra uma pessoa que participou da formação do debate da prova. “Temos que saber se a pessoa contra a qual a prova será utilizada integrou a delação premiada, como que este contraditório pode ser diferido para o processo civil. Em geral, a doutrina não admite isso. Há que se ponderar. Em tese é possível aproveitar a prova de uma delação premiada para o âmbito civil, mas não é algo tão simples, há alguns balizamentos. Tenho uma intuição de que a jurisprudência será rigorosa neste aspecto”, disse.

Outro ponto controverso do direito probatório na avaliação de Godinho é o aumento do protagonismo das partes. “O negócio jurídico processual é muito conhecido e foi ampliado no novo CPC, com a possibilidade de criar negócios, não só o que está previsto na lei. Isso é um mundo a ser explorado: até que ponto é permitido o estabelecimento de negócio processual sobre provas e até que ponto esta convenção atinge, vincula e deve ser respeitada pelo juiz. Talvez seja hoje um dos temas mais difíceis”, disse.

Sobre a possibilidade de usar provas obtidas em colaboração premiada no âmbito do processo civil, a advogada paulista Lia Batista Cintra lembrou que a Constituição permite a interceptação telefônica apenas nos casos de processo criminal. “O objetivo por trás disso é preservar o direito à intimidade. Agora, uma vez que este direito já foi fragilizado validamente e você tem um processo civil em curso, com fatos que se relacionam com aquele processo penal, me parece que haveria um contrassenso em não admitir uma prova que já foi produzida e negar a sua utilização no processo civil”, argumentou.

A juíza de direito Tricia Navarro, do Espírito Santo, ponderou que é preciso ter em mente que o novo CPC trouxe uma nova ideologia. “Tudo o que nós havíamos lido e estudado sobre prova até hoje precisa ser revisto à luz dessa nova ideologia. Na prática não estou vendo muitas alterações procedimentais e a produção antecipada de prova, que hoje é um procedimento bem específico e tem causado alguma confusão para os advogados. Mas ainda estamos em uma fase de amadurecimento desta nova formatação ideológica”, disse.

“A produção antecipada de prova é um procedimento que não está dentro do processo principal e as pessoas estão usando o processo principal e requerendo a produção antecipada de prova dentro do processo principal. Está existindo esta confusão sobre o momento de produção de prova ou o que é o procedimento autônomo de produção de prova”, pontuou Tricia.

Coisa julgada

O jurista Eduardo Talamini coordenou os debates do segundo painel da noite, que tratou da coisa julgada. O advogado pontuou que a principal novidade trazida pelo CPC 2015 é a mudança com relação aos chamados limites objetivos da coisa julgada. “As questões prejudiciais uma vez resolvidas dentro de certas condições pelo juiz na fundamentação da sentença passam a fazer coisa julgada. Esta é uma novidade por si só”, disse.

“Outro artigo que merece atenção é uma disposição que diz que a coisa julgada não pode prejudicar terceiros, nada mais falando sobre beneficiar terceiros. Ou seja, ela pode beneficiar terceiros. Um exemplo muito simples: um clube aumentou a mensalidade, um dos associados entra com uma ação para impugnar o aumento e ganha esta ação, que era para anular a assembleia que deliberou pelo aumento. A decisão vale para os outros sócios”, esclareceu.

De acordo com Talamini, parte da doutrina tem pretendido dar um alcance maior aos dois artigos em questão, com propostas que, na avaliação do jurista, seriam subversivas do sistema. “Há uma corrente que sustenta que se um contribuinte ganhar uma ação, em que se reconheça que o seu tributo é inconstitucional contra o município de Curitiba, por exemplo, isso deveria se estender automaticamente para todos os contribuintes que não entraram com a ação. Não é difícil ver o quão impactante seria”, afirmou.

“O CPC/2015 traz uma mudança interessante à medida que no art. 503 permite a coisa julgada sobre questão prejudicial, sem que haja necessidade de propositura de ação declaratória incidental. No CPC/1973, uma questão prejudicial, embora decidida, não seria coberta pela coisa julgada, a não ser que uma das partes propusesse ação declaratória incidental”, completou o professor Ricardo Alexandre Silva.

Em relação ao art. 506, Silva reforçou o entendimento de que numa interpretação a contrário sensu a regra pode beneficiar terceiros. “Poderíamos dizer que, neste sentido, a modificação da regra da coisa julgada e do limite subjetivo acaba tornando mais efetivo o sistema de tutela coletiva e fazendo com que as diferenças entre tutela individual e coletiva diminuam, justamente porque a coisa julgada pode beneficiar terceiros”, avaliou o professor.