“O Brasil é medalha de ouro no combate à corrupção”, diz Eliane Cantanhêde

Com a menção ao editorial “Medalha de ouro para a corrupção no Brasil” , publicado pelo jornal The New York Times no dia 6 de junho de 2016, a jornalista Eliane Cantanhêde abriu sua palestra na Conferência Estadual da Mulher Advogada na noite desta sexta-feira (23/3), em Maringá. O texto do Times, admitiu, a deixou inquieta. “Comecei a refletir sobre a corrupção nos outros países, em especial sobre os demais BRICS. Ninguém tem dúvida de que é alto o nível de corrupção na Rússia. A Índia é um país conhecido por um perverso sistema de castas. A China é um regime fechado. Pensemos na África do Sul, no México, na Argentina, na Venezuela… Será mesmo que merecemos a medalha de ouro em corrupção?”, questionou, para logo responder: “O Brasil é, isto sim, medalha de ouro no combate à corrupção.”

Para a jornalista, o papel da OAB nessa batalha é fundamental. “Todos têm direito à defesa, obviamente. Mas uma entidade como a OAB tem legitimidade também para cobrar bom andamento da justiça. Temos visto que até o Supremo Tribunal Federal anda meio perdido em seu papel”, observou.

STF

Sem saber que rumo seguir, o STF discute duas mudanças importantíssimas: o fim da prisão após a condenação em segunda instância e o fim da prerrogativa de foro. Para Eliane, embora a maioria ache lindo o fim do foro privilegiado, isso não é bom. A combinação explosiva das duas medidas significa, na prática, que todos os casos vão para a primeira instância. Depois, os processos se estenderão com recursos e mesmo quando houver condenação no segundo grau nada acontecerá.

Para exemplificar o que pode ocorrer com a extinção da prerrogativa de foro e da prisão em segunda instância, ela citou o caso do ex-senador Luiz Estevão, réu no processo por superfaturamento da obra do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo. “De recurso em recurso, ele teve sua condenação empurrada por mais de 20 anos. Acham razoável Luiz Estevão ou Paulo Maluf passarem tanto tempo impunes? Isso não é recurso, é enrolar a justiça. E quando isso chega num ex-presidente da República? Querem acabar com a prisão de segunda instância para Lula não ser preso. Ninguém assume, mas é isso. Por muitas razões: porque ele é popular, é nordestino, veio do sindicalismo, é de esquerda”, afirmou.

A jornalista lembrou que Carmem Lúcia adiou o quanto pôde o terceiro julgamento sobre a prisão após a condenação em segunda instância, mas que o indeferimento do ministro Luiz Edson Fachin à medida cautelar no Habeas Corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, invocando a súmula 691, obrigou a ministra a pôr o assunto em pauta. “E o que fez o Supremo? Um vexame, um papelão. Gastou todo o tempo em tecnicalidades e, depois do pugilato entre os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, a corte nos brindou com férias de 13 dias e uma liminar que é uma ´jabuticaba´, dando ao réu um salvo-conduto até 4 de abril”, apontou.

Eliane diz que gosta de olhar o copo meio cheio, mas questionou a excessiva exposição dos ministros durante os julgamentos, em contraponto ao padrão de portas fechadas e de breves anúncios por porta-vozes adotado pela Suprema Corte dos EUA. “A exposição tem um lado bom, mas ponham-se no lugar dos ministros, especialmente considerando que no Brasil predomina a visão de que quem vota diferente do queremos é bandido. Não acredito, até prova em contrário, que são bandidos. Os artigos da Constituição não são aritméticos. As visões de mundo de cada ministro afetam a forma como interpretam as leis: um tem mais pressa no processo de depuração das instituições e outro é mais garantista. Mas, sinceramente, desqualificar todos como se fossem bandidos é extrapolar. Precisamos ter o cuidado de combater a corrupção dentro das leis, mantendo o respeito, especialmente às instituições”, observou.

Conjuntura econômica

Ao citar os 14 milhões de desempregados, um recorde, Eliane lembrou que recentemente os juros baixaram, o câmbio está estável e há sinais de um processo virtuoso. “Falta o desemprego começar a cair e para isso é preciso combater a ideia de que patrão e capital agem contra o povo. Quem precisa gerar renda e emprego não pode ter preconceito contra quem trabalha para isso”. Para ela, o discurso contra as reformas é ultrapassado e prejudica o povo brasileiro. Especificamente sobre a reforma da Previdência, ela disse esperar que o Brasil não deixe que a bomba-relógio chegue a explodir como em Portugal e Espanha, onde os benefícios tiveram de ser cortados.

A jornalista considera injusta a classificação do impeachment como golpe porque, em sua visão, a análise das contas públicas não deixam dúvida de que o rombo do Tesouro foi escamoteado para não prejudicar o resultado eleitoral. “Foram pedaladas”, resumiu. E brincou: “há um livrinho, chamado Constituição, que diz que se o presidente cai, assume o vice, seja Luciana, Maria ou Michel. Era o Michel”. Já Lula, avaliou, viveu um momento econômico mundial muito especial, com o boom das commodities e a China em expansão. “Teve o mérito de distribuir renda. Mas a cena internacional ajudou a todos, à direita, à esquerda e ao centro. Tanto Álvaro Uribe, na Colômbia, quanto Lula, no Brasil, terminaram seus mandatos com grande percentual de popularidade”, pontuou.

Em sua visão, Lula não aproveitou o capital político mantido ao longo dos seus mandatos, preferindo a opção populista de estimular o consumo ao desafio de fazer reformas estratégicas e de investir mais em educação, saúde, tecnologia e cooperação para movimentar a produtividade e a competitividade.

Futuro

A jornalista considera imprevisível o resultado da corrida presidencial deste ano. Lula, observou, tem a preferência cativa de 30% do eleitorado, mas sua candidatura é ficção, pois tecnicamente a partir de segunda-feira ele é ficha-suja. “Se Lula tem candidatura fictícia, Bolsonaro é a própria ficção. Diz detestar a política, mas está nela há 25 anos. E sua família também atua no ramo. Alckmin tem dois problemas: não decola além dos 10% e está sempre cercado pela notícia de que a Lava-Jato está se aproximando dele. Álvaro Dias, até por opção, foca no Sul; e o Brasil não é só o Sul”, analisou. Para Eliane, o Brasil não é de direita, nem de esquerda; é um país de centro.

Aos que temem que o Brasil se converta em Venezuela, ela respondeu taxativamente: “Nunca!”. E explicou: “Temos uma planta industrial poderosa e somos um dos maiores produtores agrícolas do mundo. O setor, aliás, evitou que a recessão fosse mais profunda. O Brasil tem petróleo, tem energia limpa, produz aviões, conta com uma fronteira marítima que ninguém mais tem, vive em paz com os vizinhos. Somos o máximo. O Brasil é o máximo”. Para ela, o brasileiro não deve deixar o país, mas ficar e lutar, pois o Brasil está fadado a ser uma grande nação. “Para isso precisamos de ciência, tecnologia, educação, saúde. Precisamos de um setor público eficiente e enxuto e de uma iniciativa privada menos gananciosa e mais efetiva”, prescreveu.

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